Aplicativo de Libras, que substitui intérprete nas propagandas eleitorais, gera polêmica


Por Cleverson Teixeira Publicado 22/10/2020 Atualizado 15/02/2024

A Propaganda Eleitoral Gratuita, na televisão e no rádio, começou a ser transmitida no dia 9 de outubro. De segunda a sábado, os eleitores poderão acompanhar as propostas dos candidatos a prefeito e vereador, em todos municípios do território nacional. Mas, no litoral do Paraná, a veiculação, que vai até 12 de novembro no primeiro turno, tem gerado polêmica.

Tudo isso porque, em Paranaguá, no lugar de um intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras), algumas produções audiovisuais de teor político contam com um aplicativo, o qual usa a inteligência artificial para traduzir a fala dos concorrentes a um cargo nos poderes Executivo e Legislativo. Além de gerar estranheza para os surdos, já que o sistema virtual não exibe expressões faciais, sentimentos, emoções e sensações, a prática, segundo a comunidade surda, compromete todo o processo comunicacional entre transmissor e receptor.  

A Resolução n.º 23.457, que dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral nas eleições, mostra a obrigatoriedade de um profissional da também chamada Língua de Sinais. Conforme o documento, é necessário utilizar, entre outros recursos, subtitulação por meio de legenda oculta, janela com intérprete da Libras e audiodescrição. 

De acordo com o psicólogo Rafael Corssini, que, além de simpatizante da causa surda, utiliza a Libras para se comunicar com pacientes, salientou a relevância de um profissional habilitado. Conforme ele, como o aplicativo traduz de uma forma ampla aquilo que está sendo falado, talvez a pessoa que more em determinado estado não entenda certa colocação por conta da variação linguística.  “O intérprete é muito importante porque ele está na comunidade. Portanto, ele vai usar sinais que são de onde o surdo está inserido, que vão fazer muito mais sentido. Como é uma língua muito complexa, é necessário passar aquilo que se está falando, de verdade. Eu não posso falar de algo que envolva felicidade e estar com a expressão neutra ou triste”, argumentou Corssini. 

Intérprete do IFPR comenta o caso

Com 13 anos de profissão e há seis atuando como intérprete da Língua de Sinais, no Instituto Federal do Paraná (IFPR) – Campus Paranaguá, Eugenio Lima comentou que nenhum aplicativo ou avatar substitui um tradutor. Para ele, o boneco virtual não tem capacidade de passar conteúdo de forma efetiva e, o fato de utilizar esse recurso, evidencia o desconhecimento sobre a causa surda.

“Nenhum aplicativo ou avatar substitui um tradutor” (Foto: Reprodução/Facebook)

“O aplicativo usa apenas palavras soltas e jogadas de forma aleatória. Temos legislação que obriga o uso do intérprete de libras nas campanhas políticas. Porém, acredito que, por falta de conhecimento dos partidos políticos, eles acham que deixar acessível ao surdo seria colocar esses aplicativos no lugar de um profissional. É preciso entender que o intérprete estuda, é formado e proficiente na língua. Portanto, tem que valorizar o profissional da forma que ele deve ser valorizado”, comentou o servidor do IFPR.

Lima citou, durante a entrevista, a questão dos direitos autorais dessas ferramentas. Conforme o professor, os desenvolvedores dos recursos virtuais de Libras não emitem permissão para a finalidade de campanhas ou qualquer outra que esbarre na ilegalidade. De acordo com ele, as próprias empresas estão pedindo para que sejam feitas denúncias, caso candidatos ou partidos estejam usando esses aplicativos, já que existe uma autoria, sendo, portanto, necessária a autorização de uso.

O docente da instituição federal disse, ainda, que existe uma tabela de honorários, a qual reforça a importância da contratação de “material humano” para uma melhor comunicação entre os envolvidos. “Hoje, o intérprete de Libras atua em diversos contextos, desde saúde, jurídico, educacional etc. E nós trabalhamos com uma tabela de referência. Então, fica aqui o nosso apelo aos candidatos. Peço que entrem em contato com empresas de agenciamento desses profissionais, para que, de fato, a comunidade surda seja contemplada e possa conhecer as propostas de campanha eleitoral por meio da janela composta por intérpretes capacitados”, concluiu.

Libras é uma língua oficial

No Brasil, pela Lei n.º 10.436, a Libras é considerada uma língua oficial desde o dia 24 de abril de 2002. Assim como a Língua Portuguesa, por exemplo, ela possui um alfabeto, além de estruturas linguística e gramatical. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país possui 10,7 milhões de pessoas surdas, dessas, 2,7 milhões apresentam perda severa de audição. Em Paranaguá, incluindo todos os graus de surdez, são 6.364.