Após 4 anos da assinatura do Termo de Compromisso, TCP ainda não entregou obra na Ilha dos Valadares


Por Luiza Rampelotti Publicado 02/06/2020 às 21h44 Atualizado 02/04/2024 às 14h14
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Na edição 619 do JB Litoral, foi publicada a reportagem intitulada “Falta de transparência nos Termos de Compromisso Urbanístico das empresas gera dúvidas à população”, o conteúdo explicou a respeito do que se trata o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV (obrigatório para que um empreendimento com mais de cinco mil metros quadrados se instale em Paranaguá), as Medidas Compensatórias e Mitigatórias e o Termo de Compromisso Urbanístico (TCU), entre outros.

As empresas que se instalam na cidade e precisam apresentar o EIV, podem, por meio do estudo, prever riscos ao empreendimento e adotar parâmetros para harmonizar a atividade com o seu entorno. Dentro do estudo, elas apresentam as medidas (mitigadoras ou compensatórias) que irão executar, no sentido de neutralizar ou compensar os impactos que podem causar no bairro e na comunidade.

Somente após a análise do EIV e das medidas propostas, que são, também, apresentados à comunidade, por meio de audiências públicas, o Município e o Ministério Público devem ou não os aceitar, podendo incluir novas ações. Assim, ambos os órgãos, junto ao empreendimento, elaboram e assinam o TCU.

Para a liberação do alvará de construção, o EIV já deve estar aprovado e o TCU, que tem força de título executivo extrajudicial, já assinado com o cronograma de execução das medidas compensatórias ou mitigatórias.

Desde 2016, o TCP não entrega sede da AMIV

No entanto, o JB Litoral recebeu denúncias de que várias empresas, já instaladas na cidade e operando normalmente, não concluíram as ações compensatórias as quais se propuseram e, inclusive, não existe transparência municipal para que a população possa acompanhar quais são as obras/serviços/ações que deveriam ter sido realizadas, e em qual prazo.  

Uma dessas obras diz respeito à “construção da sede da Associação dos Moradores de Valadares, conforme projeto apresentado pela entidade” pelo Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP). Essa construção foi uma das 49 condicionantes apresentadas pela empresa para que a prefeitura permitisse a ampliação da área de atividades do terminal.

O Termo de Compromisso foi assinado no dia 28 de dezembro de 2016, mas o cronograma de execução das ações só foi apresentado pela empresa, e aprovado pela prefeitura, em maio de 2018. Nesse lapso temporal de um ano e cinco meses, todos os prazos obrigatórios para a apresentação do documento foram descumpridos. Inclusive, até o último sábado (30), não era possível encontrar o anexo com o cronograma no site da prefeitura. Segundo a cláusula 5.1 do Termo de Compromisso, a empresa deveria arcar com multa de R$ 300 por cláusula descumprida.

“Eu acredito que essa obra não sai porque a prefeitura me vê como oposição e não permite que o TCP o faça”, diz Mirian

Obra atenderia mais de 35 mil moradores

Do início de 2017 para cá, a presidente da Associação dos Moradores da Ilha dos Valadares (AMIV), Mirian Mathias, luta para que a obra seja iniciada, porém, sem sucesso.

Acompanhada de sua vice-presidente, Jurema Ferreira, a líder comunitária esteve no JB Litoral e falou sobre o assunto que se arrasta há quatro anos.

De acordo com ela, a empresa informa que tem interesse em começar a construção, mas, é barrada pela prefeitura. “Eles mostram o interesse em fazer, inclusive, já existe até o projeto, que a empresa afirma que já apresentou à Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Eu acredito que essa obra não sai porque a prefeitura me vê como oposição, principalmente agora que sou pré-candidata à vereadora, e não permite que o TCP o faça”, lamenta ela.

Ela explica que a obra irá ampliar a sede da AMIV, permitindo na execução de diversos projetos sociais para os mais de 35 mil moradores da região. “A ampliação da nossa sede irá fortalecer o projeto Construindo Sonhos por uma Ilha Melhor, permitindo que mais pessoas sejam atendidas pela associação. Na AMIV, nós queremos que exista uma cozinha comunitária, salas para que as pessoas possam participar de cursos e etc.”, diz.

Mirian comenta que, por meio da criação de uma cozinha comunitária no local, as mulheres da Ilha dos Valadares poderão utilizar o espaço como uma forma de auxílio na renda. Também é prevista a execução de uma sala multiuso para a continuidade das aulas de ballet, ginástica e capoeira para a comunidade. Além disso, a ampliação possibilitará a criação de mais três salas para o oferecimento de cursos de capacitação profissional aos jovens ilhéus. “A gente sabe que a maioria das empresas não contrata devido à falta de capacitação. Então, gostaríamos de ajudar e, para isso, precisamos dessa ampliação, um espaço mais adequado para poder atender o maior número de pessoas. Já temos a sede há quase 40 anos, um lugar pequeno e sem condições, por isso, queremos estender os atendimentos para mais gente da comunidade, com a segurança e o conforto adequados”, afirma.

Caso chegou à ALEP

A presidente da associação comenta que buscou ajuda na Câmara de Vereadores de Paranaguá e, como não conseguiu que nada fosse feito, recorreu à Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP). Em 16 de abril deste ano, o deputado estadual Tadeu Veneri (PT), na condição de presidente da Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania, enviou o Ofício nº 2/2020 ao prefeito Marcelo Elias Roque (Podemos) e à procuradora-geral Brunna Helouise Marin, pedindo informações sobre o cumprimento do Termo de Compromisso firmado entre o Município e o TCP, em dezembro de 2016.

Segundo relato dos moradores da comunidade da Ilha dos Valadares, as famílias sofreram grandes impactos negativos pela ampliação do cais do porto de Paranaguá. Na tentativa de mitigar os efeitos dessa obra, requisitaram a realização de um projeto social denominado ‘Construindo Sonhos para uma Ilha Melhor’ pela empresa TCP, que realizou a obra. Tal projeto foi contemplado no Termo de Compromisso”, diz o deputado.

Ele explica que a AMIV informou à Comissão de Direitos Humanos da ALEP que tal projeto, até o momento, não foi implantado e que a comunidade vem sofrendo os impactos da obra, sem qualquer contrapartida da empresa, bem como despesas arcadas pela própria associação para implantação das ações previstas no projeto. 

Devido a esse quadro, pedimos que esta digníssima prefeitura informe sobre o cumprimento do Termo de Compromisso firmado, bem como que visite a área, realizando atendimento, a fim de tomar providências que garantam melhor qualidade de vida e respeito aos direitos básicos dos moradores. Ademais, pedimos informações para a Procuradoria do Município de Paranaguá-PR sobre medidas jurídicas a serem tomadas a fim de efetivar o Termo de Compromisso pela empresa, executando as multas pelo seu descumprimento”, relata o ofício.

Prefeitura não se manifesta

O JB Litoral procurou a empresa TCP, a prefeitura e o Ministério Público Estadual, que dá respaldo à aprovação do EIV e fiscaliza o cumprimento dos TCUs junto ao município. No entanto, até a conclusão desta reportagem, o Executivo Municipal não se manifestou.

Os questionamentos enviados aos envolvidos diziam respeito à transparência do Termo de Compromisso, bem como ao cronograma das ações de compensação do TCP, e o motivo de a construção da sede da AMIV ainda não ter sido iniciada, uma vez que já se passaram quase quatro anos após a assinatura do termo, entre outros.

De acordo com o Ministério Público do Paraná (MPPR), o cumprimento do Termo de Compromisso firmado pelo TCP com o Município é acompanhado pela 2ª Promotoria de Justiça de Paranaguá. “O cumprimento pode ser acessado pelo procedimento administrativo nº 0103.16.001026-2, diante de seu teor público”, diz a assessoria de comunicação do órgão.

MPPR diz que não há notícias de irregularidades

O MPPR ressalta, ainda, que, das informações coletadas no procedimento administrativo, por ora, não há notícias de irregularidades no cumprimento das obrigações pela empresa, mas que, após os questionamentos, instaurou procedimento administrativo, na qualidade de fiscal da ordem jurídica, podendo adotar as providências pertinentes em caso de irregularidades.

O órgão também esclarece que o Termo de Compromisso firmado pelo Município e seus aditivos podem ser solicitados diretamente ao ente municipal, diante do seu teor público. Porém, como já informado anteriormente, a prefeitura não respondeu aos questionamentos.

As informações quanto a valores e contratos firmados pela empresa não se submetem ao regime jurídico de direito público, portanto, não têm caráter público, e a disponibilidade depende da liberalidade da empresa”, responde o Ministério Público, quando questionado sobre quanto, até o momento, o TCP já investiu em medidas compensatórias e quais foram as empresas contratadas para executar as obras/serviços/ações.

O Ministério Público também informa que desconhece a existência de condicionante que beneficie diretamente a AMIV. “Existe condicionante referente à estruturação de espaço comunitário para os moradores da Ilha dos Valadares, cujo cumprimento esbarra em questões urbanísticas”, conclui.

O que diz o TCP

De acordo com a empresa, o TCP firmou com a prefeitura um Termo de Compromisso com o objetivo de emissão da anuência ambiental municipal para a liberação das obras de ampliação do terminal. “Esse termo gerou um conjunto de projetos/ações que estão em franco desenvolvimento e aqueles ainda não iniciados estão dentro do cronograma de execução firmado com a prefeitura”, diz.

Com relação ao acesso ao cronograma de execução das ações, ela comunica que “eventuais informações adicionais devem ser tratadas e solicitadas conforme os trâmites da prefeitura”.

A respeito do acesso ao Termo de Compromisso, a empresa afirma que a súmula e seus aditivos foram publicados no Diário Oficial do Município e em um jornal local, e que outras informações adicionais devem ser tratadas e solicitadas junto à prefeitura. Porém, o documento deveria estar disponível no site da prefeitura, na aba Secretarias/ Urbanismo/ Serviços/ EIV/ Relação de EIV aprovado, e, até o sábado (30), não se encontrava no local.

A respeito das ações já executadas e seus contratos, o TCP declara que “por questões de segurança e compliance, os contratos firmados, pelo Terminal com prestadores de serviço, são atrelados às partes, inclusive com cláusula prevendo obrigação de sigilo”.

O JB Litoral também questionou quanto a empresa já investiu, até o momento, em medidas compensatórias na cidade. A resposta foi que o TCP possui seu licenciamento ambiental a nível federal, ou seja, o IBAMA e outros diversos anuentes (IPHAN, FUNAI, prefeitura, etc.) estabelecem diferentes medidas compensatórias, das quais a empresa se compromete em realizar entregas satisfatórias em conformidade com o estabelecido, não cabendo a apresentação dos recursos despendidos.

Por último, com relação à entrega da obra da Associação de Moradores da Ilha dos Valadares, a empresa informa que aguarda orientação da prefeitura para prosseguimento do projeto de viabilização do Centro de Convivência na Ilha dos Valadares, “visto que o mesmo foi considerado sobrestado, frente à instauração do processo de regularização fundiária na ilha”.