Após invasões seguidas ao IHGP, entidade recebe o apoio da comunidade parnanguara


Por Luiza Rampelotti Publicado 16/06/2020 Atualizado 15/02/2024

No início da semana passada, o Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá (IHGP) foi invadido duas vezes seguidas. A primeira, na madrugada de segunda-feira (08), e no dia seguinte, na madrugada de terça-feira (09). A sequência de arrombamentos gerou indignação na população e empresários parnanguaras, que se mobilizaram para prestar apoio ao IHGP.

O presidente do Instituto, o artista plástico, Diogo Rodrigues Alves, explica que as invasões aconteceram por meio de uma janela que dá acesso à cozinha. “Os meliantes adentraram pelo lado onde não se tinha ideia, até agora, de que por ali poderia entrar alguém. Eles pegaram uma barra de trilho de trem e estouraram a janela. Vergalhões de quase um dedo de grossura, que protegem as janelas do imóvel, foram entortadas. Com isso, tiveram acesso a toda parte interna – da reserva técnica, da sala de exposições e à biblioteca”, diz.

Segundo ele, várias peças do acervo foram levadas, na primeira invasão, como uma garrucha do século 18; um punhal de prata de etnia árabe; um apito de marinheiro de prata; uma taça de prata com a inscrição João Manoel e uma coleção de moedas raras de épocas passadas. No segundo furto, foram levados dois monitores; um computador; um projetor multimídia; um botijão de gás e duas garrafas térmicas.

Só não foi pior porque, na segunda-feira, nos lembramos que a porta chave e, então, fechamos. Por isso não foram furtadas mais peças do nosso acervo. Os primeiros objetos têm muito valor histórico, mas, valor venal, acredito que seja muito pouco”, informa Diogo.

União e solidariedade

Apesar de todo o sentimento de tristeza que envolve os diretores do Instituto, o momento difícil serviu para fortalecer a união da comunidade parnanguara em prol do IHGP. “É um momento muito complicado e triste, mas somos gratos porque estamos recebendo muita ajuda e apoio. Queremos agradecer ao senhor Luiz José de Castilho Junior, que realizou os reparos dos estragos feitos pelos ladrões, de forma voluntária, na janela e grades. Também somos gratos à empresa GCL – Guarda Metropolitana, que voluntariamente instalou alarmes e irá realizar o monitoramento diário no imóvel, bem como fará a manutenção nas câmeras de segurança. Várias pessoas fizeram doações monetárias na conta do Instituto e ficamos muito agradecidos; a Cattalini Terminais Marítimos nos doou computadores; o Museu de Arqueologia e Etnologia, o Museu Paranaense, entre outros, estão colocando à disposição a reserva técnica e seus laboratórios para auxiliar-nos. Então, concluímos que há males que vêm para o bem”, destaca o presidente.

Trabalho voluntário

Fundado em 1931, o objetivo do Instituto é preservar a história, cultura e tradições de Paranaguá e do litoral. Com um acervo bibliográfico de mais de dois mil exemplares, o IHGP recebe pesquisadores de todo o Brasil em busca de informações para teses de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), na graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado, entre outros estudiosos que buscam conhecer a história da cidade e do Estado. 

São livros, jornais, porcelanas, armas, moedas, instrumentos de trabalho e peças de mobiliário dos séculos 17 e 18, itens que retratam diferentes momentos da história. Destacam-se a imagem de Nossa Senhora das Vitórias e o canhão corsário francês, que naufragou na ponta da Ilha da Cotinga em 1718. “A importância do Instituto é inestimável. É o único, em Paranaguá, sem fins lucrativos, que detém a memória do município. São quase cinco mil itens no acervo, fora a parte de documentação. Graças a Deus tudo isso estava digitalizado e temos backup”, comenta Diogo.

O funcionamento do IHGP se mantém por meio de sua diretoria, que conta com 21 membros, os quais atuam voluntariamente. Desde 2013, o estabelecimento não recebe verbas públicas para auxiliar em sua atividade. “Na verdade, nós tiramos do bolso para poder manter o instituto, mas, até 2012, quando ainda existia a Fundação Municipal de Cultura, recebíamos uma dotação orçamentária para o Museu de Som e Imagem e para o IHGP, que ajudava a manter a estrutura, conservação preventiva dos objetos, documentação, entre outros, como água, luz, telefone e limpeza”, relembra o presidente.

Sem apoio público desde 2013

Por uma falha de comunicação, segundo ele, a partir do ano seguinte, o convênio com o Município não foi renovado, visto que a documentação do imóvel não estava completa.  “Um mês após eu assumir a presidência, em 2019, recebemos uma intimação judicial por uma inadimplência junto à prefeitura. O documento dizia respeito a uma taxa de IPTU, a qual somos isentos, então entramos em um debate com a prefeitura”, explica.

Diogo informa que, após longo embate, a diretoria descobriu, no final de fevereiro deste ano, que a taxa, na verdade, se trata de um imposto referente à limpeza pública, da qual o instituto não é isento. “Quer dizer, passou por três gestões passadas e ninguém nunca cobrou nada, nunca fomos comunicados, e viemos receber somente em 2019. Quando descobri do que realmente se tratava e comecei a buscar recursos para resolver a situação, veio a pandemia e parou tudo”, conta.

Segundo ele, a questão da documentação está praticamente resolvida. “Só estamos esperando o Fórum reabrir e, então, iremos até a prefeitura dar entrada na documentação. Em dois meses, se tudo correr bem, estaremos com um novo convênio firmado com a prefeitura”, menciona.

O presidente comenta que a falta da documentação era a principal razão para que o IHGP não recebesse mais apoio de empresas privadas e órgãos públicos. “Já estou em contato com algumas empresas de Paranaguá que afirmam estar dispostas a ajudar a qualquer momento, desde que tenhamos projetos. Então, desde quando assumi, tenho batalhado bastante para conseguir essa documentação e realizar um projeto de restauração, não só do prédio, mas de todo o acervo. Acredito que ainda neste ano teremos condições de atingir esse objetivo”, comemora.

De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, a prefeitura está aguardando apenas a regularização da documentação por parte do IHGP, a fim de firmar um convênio em conjunto com a entidade para que possa, então, prestar o devido auxílio.

Invasão despertou sentimento de pertencimento

Mesmo que involuntariamente, as invasões ao IHGP acabaram produzindo efeitos positivos para a entidade. “Nosso sentimento é misto: de tristeza, pela agressão à história e à memória do município, mas também estamos gratos, porque essa ação despertou um sentimento de pertencimento que estava adormecido em muitos parnanguaras, muitos empresários. Mesmo com a preocupação dos problemas em função do coronavírus, muitas pessoas se solidarizaram e estão apoiando o nosso instituto, e isso vai nos ajudar muito”, destaca Diogo.

Porém, ele lamenta que algum morador da cidade tenha tido coragem de furtar a entidade. “Isso é o que acontece quando não há investimento na educação, as pessoas não preservam a própria história. Uma pessoa que faz isso não deveria estar em Paranaguá, é totalmente sem noção. O que é preciso para que isso não aconteça mais? Não podemos deixar de notar a falta de um projeto claro de proteção ao patrimônio histórico de Paranaguá e o apoio efetivo do poder público na preservação da nossa memória. Não fossem os dedicados e apaixonados de IHGP, isso nem existiria”, conclui o presidente.

Diogo sente um misto de tristeza e gratidão, pois as invasões acabaram promovendo ações de solidariedade ao instituto