Assessor de vereador é suspeito de vender terrenos em área de ocupação


Por Katia Brembatti Publicado 08/09/2021 às 11h19 Atualizado 16/02/2024 às 12h37

Quase tudo era mato em 2013, a região próxima à PR-407, perto da Vila Garcia, em Paranaguá, mas agora a estimativa é de que 500 famílias morem na área que ganhou o nome de Vila das Torres. Além do desmatamento evidente, a partir de imagens de satélite, o local virou um foco de expansão habitacional. A área de ocupação tem sido procurada por pessoas com dificuldades financeiras, que não tiveram mais condições de pagar aluguel e outras despesas de moradia.

Quem é apontado como o responsável pela área é Flávio Henrique Cordeiro da Silva, assessor do vereador Edilson Caetano, do partido Republicanos.

O JB Litoral conversou com vários moradores da região que contaram que Flávio negocia terrenos, por meio de contratos de gaveta (sem registro em cartório) e também decide quem recebe água e luz, por meio de ligações clandestinas, mediante pagamento.

A região é de difícil acesso, com ruas enlameadas. A maior parte das pequenas casas é de madeira, mas também há algumas construções em alvenaria. O último ponto de ônibus fica na Vila Garcia. Andando pelo lugar é possível ver grossos fios elétricos, escorados em tocos e paus, que improvisam a rede de energia. Por ser uma área irregular, não há prestação de serviços públicos. A prefeitura de Paranaguá respondeu que a região é alvo de uma disputa na Justiça.

Imagens de satélite mostram a diferença da ocupação da área entre 2013 e 2021

Posicionamento


Depois que a reportagem entrou em contato pedindo explicações, Flávio esteve na redação do JB Litoral na tarde de sexta-feira (3), acompanhado do vereador Edilson. O assessor afirma que mora no local há mais de cinco anos. Disse que comprou a área de alguém de nome Nilson, mas não se lembra do sobrenome nem o ano exato da negociação. 

Flavio declarou, também, que o terreno comprado tinha 70 por 218 metros, o que dá 15 mil metros quadrados, equivalente a dois campos de futebol, ao preço de R$ 30 mil, de forma parcelada. A partir disso, mantinha uma plantação de banana e umas cabeças de gado. Disse que decidiu vender parte da área.

Questionado pelo JB Litoral, Flávio preferiu não responder para quantas pessoas vendeu terrenos na região, em que ano comprou a área e o nome completo do vendedor, se entrou com processo judicial de usucapião e se negociou áreas em 2021, depois da nomeação.  

Famílias em dificuldades financeiras para pagar aluguel se mudaram para a região


Pessoas que foram despejadas, ficaram sem emprego ou não estão conseguindo bancar todas as despesas diante da alta dos preços estão recorrendo à Vila das Torres como opção de moradia. Apesar das condições precárias, a ocupação irregular aparece como única alternativa para algumas famílias. O JB Litoral conversou com vários moradores da região, que preferiram não se identificar por temer represálias ou porque simplesmente não querem mais algum incômodo. Eles confirmaram que Flávio Henrique Cordeiro da Silva é quem manda na área, negociando terrenos e serviços, como água e luz.

Uma das moradoras é Kauane Karine Henrique, de 24 anos. O JB Litoral optou por colocar o nome de Kauane na reportagem porque ela não pediu anonimato e porque já tinha se identificado em uma pergunta que mandou para a rádio Esperança, no programa Comunidade em Ação, que foi ao ar na quarta-feira (1°). Depois que começou uma mobilização entre os moradores para reclamar das condições na vila, Flávio deu uma entrevista.

Situação precária

Imagens feitas com drone mostram ligações elétricas improvisadas na região

Kauane foi morar na região em abril do ano passado. Ela trabalha em um restaurante de Paranaguá, ganhando salário mínimo, e, logo no início da pandemia, recebeu a ordem de ficar em casa. Temeu pelo emprego. Sem saber como pagaria os R$ 300 de aluguel, mais despesas de água e de luz, na Vila Labra, achou que era hora de buscar uma alternativa mais barata.

Juntou algumas economias com outros familiares e mudou-se para uma casa de dois cômodos, de madeira, na Vila das Torres. O contrato de venda do terreno está em nome de Flávio. O lote foi negociado a R$ 6 mil, com entrada de R$ 1 mil e o restante em 17 parcelas de R$ 300. Desde que foi para lá, ouve a promessa de que a área será regularizada. Durante a campanha eleitoral, a movimentação de políticos na região era intensa. Kauane se sente desamparada, como muitas famílias que não enxergam a solução de problemas em curto prazo.


Disputa por água e luz marca a comunidade


Os serviços básicos de água e luz representam mais uma dor de cabeça para os moradores da Vila das Torres. Para conseguir o fornecimento, muitos estariam sendo cobrados: R$ 1,5 mil pela luz e R$ 500 pela água, a partir de ligações clandestinas. E mesmo pagando, não estariam recebendo o serviço: a energia elétrica, por exemplo, estaria em meia-fase, insuficiente para manter ligados eletrodomésticos como geladeira.

Cano corte abastecimento Vila das Torres
Encanamento foi cortado por falta do repasse para a utilização da água. Foto: Diogo Monteiro/JB Litoral

Kauane Karine Henrique, de 24 anos, mora na área desde abril do ano passado e conta que, depois que reclamou sobre as condições dos serviços, acabou ficando sem água. A mangueira que passa na frente da casa foi cortada, mas aconteceu a mesma situação em outros pontos da Vila das Torres. Para garantir água para as três filhas, Kauane depende de um poço no fundo do quintal.

O responsável pela área seria Flávio Henrique Cordeiro da Silva. Ele afirma que não fornece os serviços de água e luz e que os moradores da região se unem e dividem as despesas com cabos, canos e mão de obra. “A água não chega sozinha na casa de ninguém”, disse.

Flávio confirma que são ligações alternativas, por ser uma área de ocupação não regularizada. Sobre a energia elétrica, confirmou apenas que é puxada da Vila Garcia, sem especificar de qual ponto. Sobre a água, declarou que vem de um rio, sem tratamento. Ele também nega que tenha cortado a mangueira de fornecimento de algum morador. Por ser uma área irregular, a Copel e a Paranaguá Saneamento não podem fazer as ligações.


Vereador afirma que alertou funcionário e que tomará medidas, se provas aparecerem


O vereador Edilson Caetano, do Republicanos, foi questionado sobre as atitudes de seu assessor, Flávio, e preferiu comparecer, juntamente com o funcionário, à Redação do JB Litoral, para dar explicações. Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, ele afirma que está na cidade há três anos, vindo de Morretes, período em que a Vila das Torres já estava ocupada. Sobre a relação com a área, respondeu que é só de “trabalho de campanha”, afirmando que assim como ele, outros candidatos e também eleitos estiveram no local durante o período eleitoral, sendo bem votados.

O vereador também destaca que a situação fundiária é um problema crônico na cidade e citou que 74% do perímetro estão em áreas de ocupação irregular. Afirma, ainda, que tem conversado com representantes da prefeitura sobre a regularização da área e que a região, até o ponto em que passam as torres de transmissão de energia, estariam dentro do espaço que pode ser legalizado pelo plano diretor do município. Durante uma audiência pública on-line, realizada no dia 10 de junho, o assunto teria sido discutido.

Sobre as atividades de Flávio na Vila das Torres, Edilson disse que tinha conhecimento de situações anteriores à nomeação na Câmara Municipal e que conversaram, antes da contratação, alertando que se o funcionário praticasse qualquer irregularidade, haveria consequências. Segundo o vereador, se surgir qualquer prova de atuação ilícita, ele tomará providências. Flávio consta no portal de transparência da Câmara Municipal de Paranaguá como nomeado para cargo comissionado, desde janeiro, com salário base de R$ 4,3 mil.