Aterro sanitário recebe 5x mais lixo do que o permitido; capacidade máxima deve ser atingida em outubro


Por Luiza Rampelotti Publicado 01/06/2022 às 20h25 Atualizado 17/02/2024 às 09h48
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Desde 2021, o JB Litoral tem acompanhado as frequentes reclamações de moradores e vereadores contra o aterro sanitário do Complexo Industrial Eco Tecnológico (CIETec), localizado em Alexandra, na cidade de Paranaguá. Os protestos são recorrentes e motivados pelo vazamento de chorume de caminhões que transportam o lixo até o aterro, poluindo o meio ambiente próximo às residências e prejudicando a comunidade com o mau cheiro, gerando prejuízos comerciais e riscos de problemas de saúde.

Diante da situação, a Câmara de Vereadores, em março deste ano, criou a Lei 4.132/2022, de autoria do vereador Oséias Bisson, que dispõe sobre a implantação de restrições ao tráfego de caminhões que transportam resíduos orgânicos e não inertes e inertes em algumas ruas de Alexandra. Agora, estes veículos que transportam lixo não podem mais transitar pela rua Savino Tripodi, Dino Albini, Antonio Miotto e no Parque Industrial Paranaguá Estrada Velha de Alexandra. A única exceção é com relação aos veículos credenciados à prestação de serviços públicos de Paranaguá, que realiza o itinerário para coleta seletiva e de entulhos na região. 

A legislação prevê que os caminhões que transportam lixo e resíduos de classe IIA (orgânicos e não-inertes) e de classe IIB (inertes), que não fazem parte da exceção, devem trafegar pela BR-277 sentido Curitiba, virando à direita na estrada Rio das Pedras para ter acesso ao aterro sanitário apenas de segunda-feira a sábado.

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No entanto, recebe mais de 232 toneladas por dia e, ainda, resíduos químicos, que são perigosos, da Portos do Paraná. Foto: Rafael Pinheiro/ JB Litoral

Capacidade de 50 toneladas por dia


No entanto, o vazamento de chorume dos caminhões que transportam o lixo não é o único problema relacionado ao aterro sanitário. Em investigação, o JB Litoral descobriu que a capacidade do empreendimento, com as estruturas existentes e sem qualquer ampliação à vida útil da atual área de disposição de resíduos, é de aproximadamente dois anos a contar de maio de 2022, conforme o Instituto Água e Terra (IAT).

Porém, o IAT afirma que o CIETec está licenciado para receber apenas resíduos Classe II, ou seja, os não perigosos, e tem capacidade máxima licenciada de recebimento de 50 toneladas por dia. O curioso é que somente a prefeitura de Paranaguá envia cerca de 4.467 toneladas de resíduos por mês para o aterro sanitário, ou seja, aproximadamente 149 toneladas por dia, três vezes mais que o permitido. A informação é da própria prefeitura e diz respeito à média mensal de 2021, que totalizou 53.6 mil toneladas no ano.

Contratos vigentes


Entretanto, vale destacar que o aterro ainda atende, com contratos anuais e vigentes, mais três cidades do Litoral – Antonina, Morretes e Pontal do Paraná, além da empresa pública Portos do Paraná. Também há registros de um caminhão da prefeitura de Tijucas do Sul (PR) despejando o lixo da população da cidade no local, porém o JB não encontrou o contrato no Portal da Transparência. O CIETec é o único aterro sanitário licenciado e em operação na região litorânea, exceto pelo aterro municipal de Guaratuba.

Com Antonina, o contrato vigente até fevereiro de 2023 prevê a destinação de 4.080 toneladas de lixo domiciliar por ano, 120 toneladas de mobiliários e 12 toneladas de resíduos eletrônicos, totalizando 4.212 toneladas ao ano.

Já em Morretes, o contrato vai até março de 2023 e prevê a destinação de 7 mil toneladas por ano de resíduos domiciliares. Em Pontal do Paraná são dois contratos ativos: o primeiro vale até setembro deste ano, para a gestão da destinação final de 8.615 toneladas de resíduos gerados no município, e o segundo tem prazo até março de 2023, para a destinação de 17 mil toneladas por ano de resíduos sólidos domiciliar, peixe e entulho.

Com a Portos do Paraná, o contrato tem prazo de 30 meses, contados a partir de janeiro deste ano, para a destinação final de resíduos sólidos gerados pelos portos paranaenses e resíduos líquidos, tais como os oleosos e químicos. No entanto, não há no contrato ou edital a definição da quantidade anual destinada ao aterro sanitário.

Recebe 232 toneladas diariamente


Com as informações mencionadas acima, é possível ter certeza de que, pelo menos, 83.427 toneladas de resíduos são recebidas pelo CIETec, que tem o objetivo de gerir sua destinação final. Isso significa que, diariamente, o aterro recebe cerca de 232 toneladas, sem contar com a quantidade coletada da Portos do Paraná.

O JB Litoral procurou, na Consulta de Processo de Licenciamento SGA Gestão Ambiental do IAT, que é pública e deve divulgar as licenças ativas, a Licença de Operação do aterro sanitário. No entanto, não há nenhum resultado.

De acordo com o IAT, os documentos que não se encontram para visualização pública são apresentados a órgãos superiores, a fim de esclarecimentos. “A Licença de Operação à referida atividade é a de nº 16324 e encontra-se automaticamente prorrogada, em conformidade com o parágrafo 3º do artigo 4º da Resolução CEMA 107/2020”, diz. Além disso, o órgão ambiental afirma que o sistema de consulta SGA não exibe as licenças em análise.

Vida útil de 5 meses

Rogerio Cietec - Aterro - Foto Rafael Pinheiro - JB Litoral
Rogério Francisco Gonçalves é sócio do CIETec e foi procurado pelo JB Litoral, mas não respondeu aos questionamentos. Rafael Pinheiro/ JB Litoral

Conforme o próprio IAT, recebendo 50 toneladas de resíduos diariamente, o aterro sanitário CIETec teria vida útil de, aproximadamente, dois anos. Porém, como o local recebe, comprovadamente, cerca de cinco vezes a mais do que o licenciado, sua capacidade máxima deve ser atingida em, aproximadamente, cinco meses, isto é, em outubro de 2022.

O JB Litoral também procurou Rogério Francisco Gonçalves, sócio da empresa, e enviou questionamentos acerca do assunto trazido nesta reportagem, como por exemplo, qual é a capacidade máxima e a data limite de uso do aterro sanitário em suas condições atuais, entre outras. Entretanto, não obteve respostas.

A reportagem ainda entrou em contato com o Ministério Público do Paraná (MPPR) para entender se existem ações em andamento no sentido de fiscalizar o empreendimento. Segundo a Promotoria de Justiça de Paranaguá, que tem atuação na área do Meio Ambiente, existem dois procedimentos em andamento.

O que diz o MPPR


O primeiro é o Procedimento Preparatório que visa investigar o registro do recebimento de denúncia sobre vazamento de chorume em cursos hídricos e no solo proveniente, em tese, do aterro sanitário. O segundo é o Procedimento Administrativo em trâmite no Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (GAEMA), que busca acompanhar a regularização da coleta, tratamento, transporte e destinação de resíduos sólidos nos municípios do Litoral.

Porém, o Procedimento Investigatório Criminal que apura a prática, em tese, de crime previsto no artigo 60 da Lei nº 9.605/1998 (construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes) pelo CIETec, que foi instaurado no final de março deste ano, já foi encerrado. De acordo com o MPPR, a investigação é se o empreendimento afrontou a condicionante nº 11, constante na Licença de Operação nº 16324.

Dano ao erário


Outro procedimento encerrado foi a Notícia de Fato instaurada em setembro de 2021, que dava conta do registro do recebimento de ofício do Escritório Regional de Paranaguá, órgão do IAT, em que o MPPR encaminhou seis autos de infração ambiental à empresa. O processo foi encerrado em outubro do mesmo ano.

O CIETEc foi licenciado a operar com carga máxima de 50 toneladas por dia. Em agosto de 2021, a empresa foi autuada pelo IAT por não cumprir este requisito e receber uma demanda maior do que a permitida”, afirma o IAT.

Além disso, desde 2008, está em andamento a Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa de dano ao erário, em que os réus são o IAT, a prefeitura de Paranaguá, o CIETec, entre outros. Em 2020, também houve o Cumprimento Provisório de Sentença por violação aos princípios administrativos.

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