Checamos: Não houve invasão à Unidade de Acolhimento Institucional em Matinhos


Por Publicado 17/03/2022 às 18h04 Atualizado 17/02/2024 às 04h11
Denúncia contra a vereadora Nivea Gurski surgiu em um perfil fake. Foto: Reprodução/ Redes Sociais

O JB Litoral recebeu, por meio dos leitores, uma denúncia publicada nas redes sociais de que a Unidade de Acolhimento Institucional de Matinhos, que abriga crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, teria sido invadida pela vereadora Nivea Gurski (PSD).

Como são lugares protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e envolvem questões judiciais de grande escala, não é permitida a entrada e saída de pessoas que não vivem ou trabalham nas chamadas popularmente “casas-lares”. Portanto, uma invasão de qualquer indivíduo seria considerado crime perante a legislação de 1990.

Para entender essa situação, que já repercutia entre eleitores matinhenses sem qualquer checagem, o JB Litoral entrou em contato com a Secretaria de Assistência Social e, também, com a vereadora Nivea para entender os fatos.

De acordo com a parlamentar, chegou ao seu gabinete, de forma anônima, uma denúncia de que a instituição estava com problemas graves no estoque de alimentação dos abrigados. “Como sempre gosto de ir direto à fonte, fui até a Secretaria de Assistência Social após receber a denúncia sobre a alimentação das crianças e adolescentes. Na mesma hora a secretária Enelida se prontificou a ir até a localidade para me mostrar como funciona a rotina de lá”, explicou Nivea.

Ao chegar na instituição, tanto a vereadora quanto a secretária, notaram que não havia nenhuma irregularidade em relação aos produtos disponíveis e refeições preparadas. “As crianças são muito bem tratadas. A alimentação está impecável, com leite condensado, iguarias. Estava tudo uma maravilha. Deu para notar que eles estavam super bem”, reforçou a legislativo .

Em contato com a reportagem, a secretária Enelida Ramos de Lima confirmou o teor das informações prestadas por Nivea Gurski.

Unidades de acolhimento não podem ser identificadas

Responsável por abrigar crianças e adolescentes sob o cuidado do Estado, as instituições de acolhimento não podem ter identificação pública, fotos das crianças e maiores informações divulgadas por questões legais.

Todos os moradores desses espaços foram retirados das famílias por algum tipo de violência ou maltrato. A situação é ainda mais agravada porque a prioridade da justiça é a de repassar a guarda para algum parente, sejam os avós, tios, ou primos – a chamada Família Extensa.

Portanto, a ida para um abrigo só ocorre em último caso, quando há necessidade de que a criança ou adolescente deixe de passar pela situação irregular em que vivia, informou a 1ª Vara da Infância e do Adolescente à reportagem.

Antes chamados de orfanato, essas instituições passaram a ser denominadas como Unidade de Acolhimento Institucional porque apenas 5% dos residentes são, de fato, órfãos. Os outros 95% foram retirados das famílias, o que é descrito na literatura acadêmica como “órfãos de pais vivos”.

Perfil que denunciou é fake

A reportagem teve acesso ao perfil oficial que fez a denúncia da suposta invasão ao abrigo. Chamada “Paula Moleira”, o perfil tem apenas 12 dias desde a sua criação. A foto oficial é de uma mulher, mas, ao invés de ser uma imagem própria, é um print screen, onde é possível reparar que a captura foi feita por um Iphone, às 10h25 da manhã. A foto foi copiada de outra pessoa, no aplicativo WhatsApp.

O próprio nome de usuário faz referência a um perfil de postagens políticas da cidade de Matinhos: Paulada na Moleira. A página conta com 1.400 seguidores e a última publicação é datada em 5 de dezembro de 2020. Todo o conteúdo compartilhado tem teor político e crítico as autoridades locais.

A vereadora Nivea lamentou a divulgação caluniosa e afirmou que já denunciou o perfil à plataforma, além de ter pedido para que outras pessoas próximas façam o mesmo.

A criação , divulgação e disseminação de notícias falsas pode caracterizar a prática de crimes como a calúnia, difamação e injúria. Quando a notícia dá causa à instauração de procedimento contra alguém, pode caracterizar a prática do crime de denunciação caluniosa, que possui pena de reclusão de 2 a 8 anos“, disse o delegado Nilson Diniz da Polícia Civil de Paranaguá, em entrevista ao JB Litoral em 2021.

Felipe Harmata Marinho, professor universitário de jornalismo, concorda com o que diz o Delegado. “As pessoas compartilham algo não por aquilo ser verdadeiro ou falso, mas por aquilo ser confortável à visão de mundo que a pessoa tem. Se você for olhar a questão do isolamento social, por exemplo, sempre vão ter pessoas compartilhando pesquisas enviesadas dizendo que é melhor fazer isso ou aquilo. No fundo, esse tipo de distorção está falando mais sobre quem está compartilhando do que sobre um fato concreto em si”, explica o jornalista.