20 anos de luta: catadores de Paranaguá conquistam título de Utilidade Pública e lutam por futuro mais digno

A Associação de Catadores de Material Reciclável da Vila Santa Maria (Assepar) recebeu, por meio do Decreto nº 5.184, o reconhecimento oficial de Utilidade Pública


Por Luiza Rampelotti Publicado 15/06/2024 às 18h25
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A Assepar reúne 20 catadores que, unidos por uma causa comum, transformam o lixo em uma fonte de renda e esperança. Foto: JB Litoral

A Associação de Catadores de Material Reciclável da Vila Santa Maria (Assepar), em Paranaguá, comemora um marco em sua história: a conquista do título de Utilidade Pública Municipal. Concedido por meio do Decreto nº 5.184, assinado pelo prefeito Marcelo Roque (PSD) em abril deste ano, o reconhecimento oficial destaca o papel fundamental da associação na promoção da sustentabilidade ambiental e na geração de empregos para a comunidade local.

O Projeto de Lei que deu origem ao título foi apresentado pelo vereador Thiago Kutz (Podemos), que ressaltou a importância da Assepar na gestão sustentável de resíduos sólidos. “A associação desempenha um papel crucial na redução da quantidade de resíduos enviados aos aterros sanitários, além de oferecer oportunidades de emprego para pessoas em situação de vulnerabilidade social“, explicou o vereador.

Assepar

Fundada em 2004 por um grupo de pessoas que antes trabalhavam no antigo “lixão do Embocuí” (encerrado em 2008), a Assepar reúne 20 catadores que, unidos por uma causa comum, transformam o lixo em uma fonte de renda e esperança. O trabalho da associação se resume a receber o material reciclável, fazer a triagem, prensar e vender, dividindo os lucros entre os associados.

Adriana do Rocio Machado, presidente da associação, relembra os desafios de superar a realidade precária do trabalho no lixão. “Era muito sofrido. Eu saí do lixão em 2006, mas muita gente tinha resistência em acreditar na associação. Passaram mais de 50 pessoas por aqui, algumas desistiram, e os 20 que ficaram são guerreiros”, diz ao JB Litoral.

O barracão onde a Assepar funciona hoje foi doado pela Prefeitura de Paranaguá e representa a luta e a perseverança dos catadores. A atual estrutura, que substituiu o antigo espaço minúsculo e improvisado onde os trabalhadores eram obrigados a enfrentar sol e chuva, é um marco significativo para a associação.

O local foi construído pela Ecovia – Caminhos do Mar e fechado pela Águas de Paranaguá, conforme dois Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) firmados com o Ministério Público em 2012 e 2015, respectivamente. “Tivemos muita dificuldade, mas hoje, graças a Deus, estamos em um espaço digno e estruturado“, conta Adriana.

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A Associação de Catadores de Material Reciclável da Vila Santa Maria foi fundada em 2004 por um grupo de pessoas que antes trabalhavam no antigo “lixão do Embocuí”. Foto: JB Litoral

Novas oportunidades

Apesar da importância do seu trabalho, a Assepar enfrenta dificuldades. Segundo a presidente, até então, o apoio do Poder Público se limita à doação do terreno em que se localiza o barracão e à coleta de material reciclável efetuada pelos caminhões da Paviservice, empresa contratada pela Prefeitura. No entanto, as demais necessidades, como a estrutura e a pavimentação do barracão, ainda são promessas. Por outro lado, a associação conta com o apoio fundamental de empresas privadas de Paranaguá, que contribuem por meio da doação de material reciclado.

Também temos nosso caminhãozinho, que roda pela cidade coletando material reciclável, faz uns 10 anos. Esse veículo é custeado pelos 20 associados. Tínhamos um bauzinho antes, mas já está bem velhinho. Então, há pouco mais de um ano, compramos esse outro, que também faz a coleta junto conosco. Além disso, até então, a gente pagava todas as taxas, como água, IPTU, e todos os documentos exigidos pela Prefeitura, bombeiros, IAT, IBAMA, vigilância sanitária”, explica Adriana.

Com o reconhecimento de Utilidade Pública, a Assepar ganha acesso a novas oportunidades, como apoio financeiro, doações, isenções fiscais e outros recursos que podem ampliar significativamente os serviços prestados à comunidade.

Sustento familiar

Daniela Cardoso Rodrigues, uma das catadoras da Assepar, explica com orgulho e com uma pitada de tristeza a importância do trabalho dos catadores. “Estou aqui há 15 anos e antes trabalhava no antigo lixão. A gente faz um serviço para a sociedade. E tem pessoas que não valorizam isso porque têm nojo, preconceito”, lamenta. “Imagine o que seria da cidade se não existisse a reciclagem. Seriam só montanhas e montanhas de lixo, porque esses materiais levam muito tempo para se degradar. A gente está ajudando a tornar a cidade mais limpa“, reflete.

Ela também revela que os catadores conseguem lucrar, em média, R$ 800 por mês; em meses melhores, o valor chega a um pouco mais de R$ 1000. Apesar da quantia modesta, Dona Sandra Regina Cordeiro, de 62 anos, compartilha que criou seus nove filhos com o trabalho inicialmente realizado no lixão e, posteriormente, na Assepar.

Para mim, é um trabalho importante, é cansativo, é pesado. Entramos às 8h e saímos às 17h, o dia inteiro catando e separando. Mas é daqui que eu tiro o sustento de casa. Criei todos os meus nove filhos com o que eu conseguia no lixão. Fiquei viúva. Hoje em dia, tenho um filho que trabalha comigo aqui na associação“, diz Dona Sandra.

Futuro mais digno

Com o título de Utilidade Pública, a Assepar sonha com um futuro mais digno. A associação espera reduzir as taxas e investir em um caminhão maior, capaz de transportar o material diretamente para a fábrica, sem depender de atravessadores, o que aumentaria o lucro das vendas.

Foi muito difícil conseguir o que temos hoje, corremos muito atrás, levamos quase 20 anos para isso, e ainda temos muito a melhorar. Então, o plano futuro é conseguir um caminhão grande para levar nosso material direto para a fábrica e receber um preço melhor”, conclui Adriana do Rocio Machado.

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