Em apenas três meses, Litoral registrou 66 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp), de janeiro a março deste ano, o Litoral registrou 66 ocorrências de violência contra crianças e adolescentes de 1 a 17 anos. O número corresponde a 26,9% do total de 2022, que atingiu 245 casos.
Paranaguá foi o município com maior incidência, totalizando 26 registros nos primeiros três meses de 2023, seguido de Matinhos (14), Pontal do Paraná (9), Guaratuba (6), Guaraqueçaba (5), Antonina (4) e Morretes (2). Em 2022, a Cidade Mãe do Paraná também liderou o ranking, com 101 casos de violência sexual contra o público infantil.
Ainda que chocantes, os números não correspondem ao total de casos contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, uma vez que esses crimes são subnotificados pelo medo das vítimas, que temem as ameaças dos agressores e o julgamento dos responsáveis. É o que revela o delegado chefe do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes de Paranaguá (Nucria), Emmanuel Brandão.
“Pelo que vemos na delegacia, os casos de abuso sexual são uma constante. Infelizmente, a sociedade brasileira é muito patriarcal e enxerga a criança e adolescente como objeto, principalmente a mulher. Então, os números refletem a cultura social, mas não englobam todos os casos”, diz o delegado.
Ao JB Litoral, Brandão conta que, quanto maior o fomento às campanhas, mais vítimas tomam consciência sobre os crimes e adquirem coragem de denunciar, seja para familiares ou professores de confiança, o que acaba aumentando o número de registros até mesmo de crimes que aconteceram anos antes da denúncia, quando a vítima não tinha consciência do abuso.
“As vítimas desses crimes sofrem em silêncio. Porém, notamos que quanto mais campanhas, maiores os índices, mas não é que a quantidade de casos aumentou; é porque as vítimas estão mais conscientes, elas criaram coragem de contar. A quantidade de registros é produto de uma consciência coletiva de combate ao abuso”, ressalta.
Maioria das vítimas são meninas
A escola e o Conselho Tutelar estão na linha de frente das denúncias. É no ambiente escolar que as vítimas se sentem seguras para contar sobre os casos para pessoas de confiança. Também é nele que os profissionais podem perceber vestígios físicos ou comportamentais dos abusos.
“Quando a criança é vítima de violência, geralmente ela sofre calada, internaliza toda aquela angústia e só fala quando não aguenta mais. A escola é um local onde ela se sente mais segura e acaba revelando o caso. É a partir desse relato, que fica registrado na Ata Escolar, que o Conselho Tutelar registra a ocorrência”, explica Brandão.
De acordo com o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, lançado neste mês de maio, entre 2015 e 2021, no Brasil, as vítimas de violência sexual são predominantemente do sexo feminino: 76,9% das notificações de crianças e 92,7% das notificações de adolescentes ocorreram entre meninas.
Em Paranaguá, essa realidade não é diferente. Cerca de 70% dos casos ocorrem contra meninas dos 8 aos 14 anos, aponta o chefe do Nucria. Segundo ele, a maioria dos crimes acontece enquanto as crianças ainda são muito novas e não têm força ou maturidade para enfrentar o agressor, que tende a cessar os abusos conforme a vítima vai crescendo.
“Quando elas crescem ou quando entram na idade menstrual e começam a se defender, o abusador tende a parar de cometer o crime. Porém, também depende do perfil, pois existem aqueles que se interessam por crianças muito novas, com 6 ou 8 anos, e existem aqueles que abusam de meninas mais velhas, entre os 12 e 14 anos”, explica o delegado.
Atendimento humanizado
Quando há as suspeitas do crime e a realização de um registro do boletim de ocorrência, não é necessário que a vítima esteja presente, especialmente se for uma criança, que pode ser influenciada pelo depoimento. Outro motivo para manter o distanciamento é a preocupação em não revitimizar a criança ou adolescente, diz Brandão.
“Quando chegam aqui, não deixamos a vítima ouvindo o depoimento para não revitimizar, para ela não precisar reviver o acontecimento durante a narração dos fatos”, destaca.
Para evitar que as vítimas precisem contar o trauma diversas vezes para diferentes órgãos, o delegado diz que seria necessário implantar um psicólogo no Nucria Paranaguá para realizar o atendimento. “Se tivesse um psicólogo aqui, enquanto o responsável registra a ocorrência, o psicólogo poderia ir atendendo a criança, conversando, explicando os próximos passos, porque a criança ou adolescente muitas vezes fica sem voz nessas situações”, pontua.
A partir da conversa com a vítima, o psicólogo pode obter revelações sobre o crime e fazer um relatório, o que agiliza o inquérito policial e adianta o encaminhamento do caso para o Ministério Público. “Fizemos uma reunião com o prefeito Marcelo Roque e ele se dispôs a contratar o psicólogo para atender, pelo menos, duas vezes na semana. Desde o acordo, já estamos em contato com a Secretaria de Segurança Pública para formalizar o convênio, porque essa adição é crucial para que possamos acolher essas crianças e adolescentes da forma mais humanizada possível, e agilizar as investigações para que os agressores sejam responsabilizados por seus atos”, conclui Brandão.