Famílias que ocupam terreno de empresa de transportes estão prestes a ser despejadas, em Paranaguá


Por Flávia Barros
Valdineia – Imagens Juan Lima JB Litoral 17 08 2024 (7)

ATUALIZAÇÃO EM 27/8, ÀS 11H27: A versão da empresa detentora do terreno foi incluída na reportagem.

Foto: Juan Lima/ JB Litoral

As 19 famílias que vivem em uma área de aproximadamente 1.500 m² – entre a alça de acesso da Avenida Atílio Fontana e a BR-277 –, em Paranaguá, vivem a angústia da possibilidade de serem despejadas nesta sexta-feira (23). Algumas delas alegam ocupar o local há décadas, como a dona de casa Valdineia do Rocio dos Santos, de 36 anos. Ela mora na área desde que nasceu e, atualmente, vive na casa modesta com o marido, os três filhos do casal e o genro, marido da filha mais velha.

A gente tá bem preocupado. Quando eu nasci, minha mãe, que hoje tem 59 anos, já morava aqui”, disse ao JB Litoral. Segundo Valdineia, as pessoas que moram na área nunca haviam sido questionadas sobre a propriedade do terreno, até que mais famílias começaram a ocupar o espaço.

Daí a empresa que disse ser a dona do terreno colocou a gente na Justiça, muitas famílias aqui deixaram de comer para pagar um advogado que nada fez por nós”, lamentou a dona de casa.

Agora, as famílias estão sendo auxiliadas pelo setor jurídico do Coletivo Roda D’Água, que atua na defesa das comunidades periféricas do Litoral, e tenta reverter a situação. “Se nada acontecer até o dia 23, vai vir o oficial de justiça, com trator, com polícia e a gente vai ter que sair, mas não temos para onde ir”, lamentou Valdineia.

Foto: Juan Lima/JB Litoral

Processo judicial


Com a reintegração de posse sendo solicitada pela proprietária do terreno, a empresa Miramar Transportes e Serviços LTDA, as famílias e vários entes púbicos, tais como o Ministério Público do Paraná, a Defensoria Pública do Estado e o Município de Paranaguá, entre outros, foram intimados a debater o assunto. A primeira audiência de conciliação aconteceu em outubro do ano passado, mas não se chegou a um acordo, uma vez que a empresa não concordou em disponibilizar uma outra área para a qual as famílias fossem realocadas, nem auxílio financeiro para que desocupassem o local. À Prefeitura, foi solicitada a inclusão das famílias no programa de aluguel social, porém, a Administração Municipal, por meio da Procuradoria Geral do Município, afirmou que, em princípio, a medida impactaria no orçamento do Município e as famílias não atenderiam aos critérios de inclusão no auxílio.

Uma nova audiência foi realizada em dezembro de 2023 e, novamente, não se chegou a um consenso. Porém, segundo despacho assinado pelo juiz José Augusto Guterres, o Município de Paranaguá se comprometeu a informar e comprovar documentalmente nos autos, em 60 dias, “o início de estudo e eventual apresentação de projeto de lei municipal, visando a contemplar todas famílias requeridas de baixa renda com aluguel social municipal (mesmo que com renda superior a R$ 300,00 per capita)”, diz trecho do documento a que o JB Litoral teve acesso.

No entanto, em abril deste ano, a Procuradoria Geral do Município se manifestou no processo com o resultado do pedido. “Verificou-se a impossibilidade de atendimento do solicitado quanto ao aluguel social diante do orçamento municipal e inúmeras ações judiciais em trâmite perante a Justiça Federal aguardando a realocação de famílias em área de risco, vulnerabilidade ou em áreas de preservação permanente”, afirma o documento assinado pela Procuradora-Geral do Município, Brunna Helouise Marin de Oliveira Santos, embasado na análise da Secretaria Municipal de Assistência Social de que, de fato, as famílias não se enquadrariam na inserção do benefício.


Características que dificultam a questão da moradia


Em conversa com o secretário de Urbanismo de Paranaguá, Koiti Takiguti, ele explicou que existem mecanismos de proteção à população e também de análise de responsabilidades da empresa. “Se houvesse a possibilidade de fazermos a regularização fundiária na área, nós faríamos, mas ali seria, a princípio, incompatível com o uso. As pessoas estariam em situação de risco, principalmente em relação ao sistema viário. É uma área destinada à ocupação industrial, além de não ter o acesso viário e uma série de problemas de infraestrutura”, detalhou ao JB Litoral.

Paranaguá é uma área cercada por mar, mangue e Mata Atlântica. Existem, hoje, aproximadamente 8.500 famílias residindo em Área de Preservação Permanente, isso sem falar das ocupações irregulares. Não é algo simples de se resolver, mas estamos avançando e, em muitos casos, dependemos de programas governamentais, nas esferas federal e estadual”, completou o secretário.

Koiti reforçou que a questão habitacional é complexa a nível nacional, mas que as características geográficas de Paranaguá dificultam, ainda mais, em alguns panoramas. “Sermos cercados por água, rios, mangues, Mata Atlântica, dificulta muito para conseguir uma licença; um licenciamento com a liberação para qualquer tipo de loteamento regular é muito difícil. Então, tem todos esses aspectos, não é um privilégio de Paranaguá, o problema é do país inteiro”, concluiu o secretário.

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Empresa afirma que famílias antigas não serão despejadas

De acordo com a empresa, a reintegração se limita à área invadida em 2020, e não afeta as famílias que residem no local há mais de 30 anos. “A reintegração de posse em questão não contempla os imóveis das famílias situados a direita da estrada de terra de acesso ao imóvel, sendo estas famílias, as que residem no local a mais de 30 anos, estando resguardado eventual direito adquirido pelo tempo de ocupação“, informou.

Em nota enviada ao JB Litoral, a Marimar ainda esclareceu sua posição sobre o processo de reintegração de posse. “A liminar que determinou a reintegração foi concedida há três anos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, mas seu cumprimento foi suspenso devido à pandemia. Durante esse período, várias tentativas de conciliação foram realizadas, com a participação de representantes de diversas entidades públicas, mas sem sucesso”, disse.

A empresa também informou que, ao longo das negociações, foi constatado que invasores continuaram realizando obras e alterações no imóvel, desobedecendo uma decisão judicial que determinava a paralisação de qualquer modificação na área sob pena de multa.

Por fim, a empresa esclareceu que a reintegração de posse não ocorreria na sexta-feira (23), como noticiado. “A liminar somente será cumprida após a intimação de todos os envolvidos no processo, o que deverá acontecer nos próximos dias. Caso as famílias não desocupem o local voluntariamente após o prazo de 30 dias, a medida será cumprida de forma forçada, com o auxílio da Polícia Militar do Paraná”, afirmou.

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