Um grupo de cientistas, todas referências em suas áreas de atuação, tem realizado diversas iniciativas e descobertas sobre a fauna e ecossistemas da zona costeira brasileira. Em linhas de pesquisa variadas, essas profissionais avaliam e monitoram a dinâmica e a biodiversidade costeira e marinha na interface com a Mata Atlântica. As pesquisadoras desenvolvem estudos sobre o comportamento da fauna e da flora, participam ativamente de ações de conservação e reabilitação dos animais, de educação ambiental e na formação e efetivação de políticas públicas que garantem qualidade e bem-estar ao Litoral do Paraná.
Essas cientistas do mar integram o Programa de Recuperação da Biodiversidade Marinha (REBIMAR), iniciativa patrocinada pela Petrobras e pelo Governo Federal. As pesquisadoras são ligadas a instituições como Universidade Federal do Paraná (UFPR e CPP-CEM), Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Instituto Federal do Paraná (IFPR). Além das profissionais com longa experiência, o REBIMAR integra jovens cientistas, que desenvolvem dissertações e teses de pós-graduação, e estudantes em estágios oficiais firmados com essas instituições de ensino.
O conjunto de pesquisas desenvolvidas por essas mulheres é fundamental para entender como o ecossistema costeiro e marinho vem sendo alterado e tem se adaptado à presença humana. As informações científicas geradas vêm sendo essenciais para embasar políticas públicas e ações regionais e internacionais de conservação da zona costeira, do oceano e de toda a biodiversidade. Parte dos trabalhos também é focada na valorização desse território e nas práticas tradicionais culturais realizadas nos ecossistemas.
Camila Domit, coordenadora técnica das ações com tartarugas marinhas
Tartarugas, tubarões e raias são apenas alguns dos colegas de trabalho de Camila Domit. Seus estudos e trabalhos são focados na conservação de ecossistemas e na biodiversidade marinha, com muita pesquisa e monitoramento de fauna. Ela participa de diferentes redes e fóruns nacionais e internacionais referentes à conservação do oceano e sua riqueza, assim como está engajada em estratégias que aproximam ciência, governantes e sociedade.
No REBIMAR, Camila coordena as pesquisas envolvendo as tartarugas-verdes, desenvolvendo ações de captura ativa, marcação e soltura dos animais, analise de saúde e uso do habitat, principalmente, na Ilha das Cobras, na Ilha do Mel e na área costeira do Paraná. Como parte dos trabalhos desenvolvidos, está o teste e uso de rastreadores para avaliação do comportamento e monitoramento da exposição dos animais a riscos e impactos ambientais.
“Temos no Paraná a presença das cinco espécies de tartarugas marinhas que ocorrem no Brasil, além de espécies de golfinhos, aves marinhas, tubarões e raias que são ameaçadas de extinção e que utilizam nosso litoral, seja durante o processo de migração, seja para reprodução ou alimentação. O Paraná é área considerada de grande relevância para conservação da biodiversidade marinha e costeira, tanto nas avaliações do Ministério do Meio Ambiente quanto em avaliações internacionais”, diz Camila.
Cassiana Baptista Metri, coordenadora da fauna de manguezal – especialmente caranguejos
O manguezal é a segunda casa dessa bióloga, mestre e doutora em Zoologia. No REBIMAR, está à frente de várias pesquisas para conservação e avaliação desses ambientes úmidos, para decifrar como são impactados pela presença humana. Além dos manguezais, a cientista Cassiana Metri é referência no estudo sobre os caranguejos-uça, espécie mais comercializada e consumida no Brasil, segundo o IBAMA.
O acompanhamento dos manguezais é feito desde 2018 e as pesquisas demostram a grande capacidade de regeneração desses bosques de mangue. Mas a fauna marinha já tem sido bastante impactada pela ação humana. “Os animais que passam parte da vida no manguezal terão presença de contaminantes no corpo e as outras espécies, que se alimentam deles, vão acumular em escala. Assim como os tubarões e golfinhos, o homem é um consumidor de topo de cadeia e se alimenta dentro desse processo”, explica Metri. Entre seus estudos mais recentes, está a quantificação de metais pesados nos caranguejos-uça.
Cassiana Metri também é professora na Unespar, no Campus de Paranaguá (PR) e dedica-se à educação científica com os projetos de extensão Todos Contra a Dengue e Coleção de Zoologia.
“Meu pai era pescador esportivo e me ensinou a amar o mar. Na adolescência eu firmei um objetivo de ver o mar todos os meses, o que, morando em Curitiba nem sempre era possível. Porém, durante a graduação, ao visitar o Centro de estudos do Mar da UFPR eu senti que tinha encontrado o meu ambiente. Nessa época comecei a fazer estágios e estou perto do mar até hoje”, conta.
Cláudia Namiki, consultora de Ictioplâncton (ovos e larvas de peixes)
Os olhos atentos dessa bióloga contribuem com diversas pesquisas relacionadas a descrição, ecologia e biologia de ovos e larvas de peixes. A bióloga quer entender como os fatores físicos e biológicos operam em diferentes escalas espaciais e temporais e afetam a distribuição, crescimento e mortalidade desses pequenos seres.
“Sempre gostei do mar, desde criança, mas minha história com o mar começou de verdade na graduação em Biologia, quando comecei a estagiar no Laboratório Integrado de Zooplâncton e Ictioplâncton. Fiquei fascinada em pensar que animais tão pequenos viviam à deriva nesse imenso oceano, e que alguns deles, como as larvas de meros, poderiam crescer e se tornar animais imponentes”, conta Claudia Namiki, mestre em Ecologia e doutora em oceoanografia biológica.
Uma de suas pesquisas avalia como os Recifes Artificiais implantados pelo REBIMAR no Litoral do Paraná serviram de proteção contra atividades destrutivas de pesca de arrasto e ofereceram habitat para a fauna local para recuperação da biodiversidade. Ela estudou e comparou as larvas de peixes presentes nos recifes artificiais e naturais do Arquipélago de Currais.
Com armadilhas luminosas e rede de plâncton, o estudo identificou 12 famílias e 14 espécies, ampliando a lista total de espécies da área em oito espécies e três famílias. Chama-se atenção especial para o “efeito atrator” dos recifes artificiais para algumas espécies. A grande abundância de ovas de peixe sugere que essas estruturas artificiais podem melhorar a produção local de peixes.
Fernanda Possatto, vice-coordenadora da pesquisa em microplástico
A oceanógrafa Fernanda Possatto integra a equipe de pesquisa que acaba de levantar dados científicos inéditos sobre a presença de microplástico na água, em sedimentos e a ingestão por aves como atobás, gaivotas e fragatas.
O estudo é feito pelo REBIMAR na zona costeira do Paraná, na área conhecida como Complexo Estuarino de Paranaguá. As análises são feitas na água, nos sedimentos e nos animais encontrados nas praias, especialmente em aves costeiras. Os resultados encontrados até agora são preocupantes.
“Já confirmamos uma quantidade bem relevante de animais ingerindo plástico. Também encontramos microplástico em regiões próximas à cidade de Paranaguá e também em áreas de preservação ambiental como Guaraqueçaba. Grande parte dos resíduos fica na superfície da água, logo, a dispersão dos mesmos pode ser influenciada por diversos fatores como as variações de marés e a dinâmica das correntes de um modo geral.”
A pesquisadora e professora do ITFPR é uma grande incentivadora de estudantes do ensino médio na iniciação científica que participam da coleta e análise das amostras coletadas. O trabalho realizado no REBIMAR vai contribuir com dados para embasar políticas públicas e ações de educação ambiental.
Marília Cunha Lignon, coordenadora Ecossistema Manguezal
A bióloga Marília Lignon tem liderado um grupo de mulheres no estudo dos manguezais paranaenses e paulistas, campo até então dominado por homens, pela dificuldade física de “caminhar” na lama e nas raízes. É uma grande incentivadora das equipes femininas e prova que o desafio pode ser facilmente vencido com técnica.
“O contato com o mar, areia e sol sempre fizeram parte da minha vida. Fiz biologia e procurei o enfoque marinho-costeiro nas escolhas de linhas de pesquisa por onde passei. Quando coloquei o ‘pé na lama’ não saí mais. Os manguezais entraram na minha vida para ficar. Esse ecossistema, entre a terra e o mar, provê tantos benefícios para a vida no planeta, que me encanta mais e mais a cada dia que passa”, afirma a doutora em Oceanografia.
Suas pesquisas têm trazido dados novos sobre os manguezais, como a capacidade de regeneração desses ambientes e a importância dessas florestas de mangue que oferecem serviços ecossistêmicos à humanidade, como a mitigação dos efeitos negativos das mudanças climáticas. Seu novo estudo avalia o estado de conservação do complexo estuarino de Iguape-Cananéia-Paranaguá e a Baía de Guaratuba. Trata-se da maior área de manguezal no sudeste e sul do Brasil, reconhecido como Patrimônio Natural da Humanidade da UNESCO.
Em outra publicação recente, Lignon investigou fatores que levam à colonização e à disseminação de plantas não nativas nos manguezais. A pesquisa descobriu que a baixa salinidade e o aumento da disponibilidade de nitrato no sedimento têm, não só favorecido o sucesso de plantas não nativas nas florestas de mangue, como resultado também em grande quantidade de troncos de mangue mortos.
Natascha Wosnick, coordenadora de Elasmobrânquios (raias e tubarões)
A coordenadora das pesquisas sobre Elasmobrânquios (raias e tubarões) do Rebimar, Natascha Wosnick, desenvolve diversos estudos científicos sobre as espécies que frequentam a costa brasileira, envolvendo pescadores e comunidades tradicionais na conservação e na conscientização sobre a importância de proteger as espécies ameaçadas de extinção.
Bióloga, com mestrado em Fisiologia e doutorado em Zoologia pela UFPR, é pesquisadora da Associação MarBrasil e do Laboratório de Predadores de Topo da Universidade de Haifa (Israel). Participa do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Tubarões e Raias Marinhos Ameaçados de Extinção (Pan-Tubarões) e faz parte do Grupo de Estudos de Elasmobrânquios do Maranhão (GEEM) e do Paraná (GEEP).
“Não se faz conservação sem ajuda das comunidades tradicionais e do setor pesqueiro. Precisamos dessa sinergia e dessa parceria para realizar as atividades e fazer com que as medidas de conservação que a gente venha a propor sejam mais efetivas, buscando formas de preservar os animais sem prejudicar as atividades econômicas dessas pessoas.”
Atualmente Natascha vem desenvolvendo estudos em diversas frentes, incluindo os efeitos da pesca e poluição na saúde e sobrevivência de raias e tubarões, com particular interesse em espécies ameaçadas de extinção. Seu projeto principal envolve a parceria com pescadores artesanais para avaliar como o estresse causado pela captura pode afetar a recuperação de espécies com pouco valor comercial e que são pescadas de forma acidental.
Com estes dados, será possível propor medidas de manejo baseadas na soltura destes animais, considerando as chances que eles têm de sobreviver quando devolvidos à natureza. O projeto também visa a mapear quais são as injurias causadas pelos aparatos de pesca, como por exemplo cortes e fraturas, procurando assim aprimorar o manejo de animais vivos e aumentar as chances de sobrevivência após a soltura.