COHAPAR estima que 74% dos parnanguaras vivem em situação irregular


Por Luiza Rampelotti Publicado 23/09/2020 às 21h47 Atualizado 15/02/2024 às 16h04

Não é de hoje que a população parnanguara reivindica a garantia do direito universal à moradia adequada, aceito e aplicável em todas as partes do mundo, desde 1948, como um dos princípios fundamentais para a vida das pessoas, por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 também garantiu, em seu artigo 6º, a moradia, pois, ao lado da alimentação, a habitação figura no rol das necessidades mais básicas do ser humano.

Nesse sentido, durante as últimas semanas, Paranaguá presenciou uma série de manifestações que interditaram trechos da BR-277, na Avenida Bento Rocha. Os manifestantes, ocupantes irregulares de uma área privada, próxima ao Jardim Figueira, gritavam palavras de ordem como: “queremos moradia” e protestavam contra a ação judicial de reintegração de posse que os retirou do local ocupado.

Por conta da ação de reintegração de posse, que aconteceu no dia 01, os ocupantes irregulares da área realizaram um protesto em trecho da BR-277. (Foto: PRF/Divulgação)

Município conta com Fundo de Habitação sem recursos em caixa

Apesar de, desde 2010, existir uma Política Municipal de Habitação, dirigida à população de baixa renda, e um Fundo Municipal de Habitação, com recursos provenientes de diversas origens, previstos pela Lei 3100/10, quase nada se viu, desde então, realizado pelas gestões municipais que passaram pela prefeitura de Paranaguá, no sentido de oportunizar moradias populares.

No ano seguinte, 2011, a Lei 3224/11 estabeleceu os princípios, as diretrizes e os objetivos da Política de Habitação e instituiu o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS). Um dos princípios é o do “acesso à habitação e ao meio ambiente equilibrado, como garantia de qualidade de vida”, e uma das diretrizes fala sobre “promover o acesso à terra e à moradia digna, com a melhoria das condições de habitabilidade (…), priorizando as famílias de baixa renda”.

Além disso, a lei deve, entre seus objetivos, promover a urbanização, regularização e inserção dos assentamentos precários à cidade, bem como produzir lotes urbanizados e de novas habitações com vistas à redução progressiva do déficit habitacional e ao atendimento da demanda gerada pela constituição de novas famílias.

Ambos os programas e projetos habitacionais de interesse social, que são permitidos pelas leis, podem contemplar, entre outros, a aquisição, construção, conclusão, melhoria, reforma, locação social e arrendamento de unidades habitacionais em áreas urbanas e rurais; recuperação ou produção de imóveis em áreas encortiçadas ou deterioradas, centrais ou periféricas, para fins habitacionais de interesse social e etc.

Todos os serviços, com o objetivo de possibilitar a criação das moradias populares, teriam como verba os recursos oriundos do Fundo Municipal de Habitação. No entanto, de acordo com o secretário Municipal de Urbanismo, Koiti Cláudio Takiguti, atualmente, “quase nada existe nesse Fundo”.

Paranaguá é a 3ª cidade com maior necessidade habitacional

Com a falta de investimento público para a viabilização de projetos habitacionais de interesse social, Paranaguá é a terceira, entre 30 cidades do Estado, com maior necessidade habitacional. O dado foi divulgado em 2019, pela Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR), que elaborou o Plano Estadual de Habitação de Interesse Social (PEHIS-PR), no qual elencou as necessidades dos municípios paranaenses.

De acordo com o estudo, o município precisa construir mais 28.949 domicílios para atender a demanda das pessoas em situação de vulnerabilidade social, que residem em assentamentos precários. No Cadastro de Pretendentes da COHAPAR, existem 2.512 pessoas interessadas nos programas habitacionais da Companhia.

Além disso, o levantamento também mostrou que existem 50 favelas na cidade, com o total de 21.084 domicílios; 13 loteamentos clandestinos, que abrigam 5.325 residências; 03 cortiços e 25 residências na área rural que estão irregulares. O total é de 28.949 casas que estão em situação ilegítima.

Com, aproximadamente, 155 mil habitantes, quantidade quase 13 vezes menor do que a da cidade de Curitiba, capital do Estado, que possui cerca de dois milhões de moradores, Paranaguá enfrenta uma dificuldade muito maior com relação à falta de moradia.

Enquanto que, na capital, uma média de 309 mil pessoas não possuem residência regular, no município litorâneo são mais de 115 mil (considerando que cada residência abrigue uma família de 04 pessoas), ou seja, 74% dos parnanguaras vivem em situação ilegal, de acordo com os dados da COHAPAR.

PLHIS previa moradia para todos até 2020

Para explicar melhor sobre o assunto, o JB Litoral conversou com a arquiteta e urbanista Vânia Foes, servidora municipal aposentada, que atuou, de 1987 a 2018, em diversos cargos relacionados à área, especialmente à frente da extinta Secretaria Municipal de Regularização Fundiária.

Ela conta que, em 2010, quando houve a instituição do Plano Local de Habitação de Interesse Social, já havia um déficit de 08 mil unidades habitacionais em Paranaguá, entre moradias irregulares, coabitação e pessoas em situação precária. De acordo com a planilha de ação do PLHIS, até 2020 a deficiência de casas deveria estar zerada.

Últimos conjuntos habitacionais construídos com investimento da prefeitura, para beneficiar famílias carentes, foram entregues em 2011: foram os Ilha das Palmas e Ilha do Farol.

Segundo a arquiteta, a irregularidade fundiária existente se dá porque o município é muito antigo, o mais velho do Estado. “Por ser uma cidade muito antiga, temos vários imóveis herdados que eram grandes, mas passaram a viver muitas famílias em cima dessas áreas e, hoje, é difícil desmembrar. A solução seria construir condomínios, mas também não é muito fácil, pois teria que regularizar as construções”, explica.

Como se faz uma regularização fundiária

Vânia esclarece que outro fator que impulsionou a ilegitimidade das residências foram as ocupações irregulares, chamadas popularmente de invasões. Essas acontecem por meio da compra e ocupação de áreas sem legalidade, esclarece Vânia. “No Plano Diretor de 2007 já haviam sido determinadas as áreas passíveis de regularização fundiária”, conta.

Ela comenta, ainda, que existem vários loteamos que foram aprovados, porém, tiveram partes ocupadas de forma irregular, como o Jardim Cometa, Vale do Sol e Vila Garcia. Além das áreas particulares que foram invadidas e os proprietários brigam pela posse até hoje, como a Vila Marinho, Jardim Iguaçu e Jardim Figueira. Áreas públicas também foram indevidamente ocupadas. É o caso de praças, espaços da Marinha, manguezais, florestas e entre outros.

“No nosso município, é um trabalho gigantesco regularizar cada uma dessas áreas. Para se fazer uma regularização fundiária, a princípio, é necessário realizar um levantamento topográfico, um estudo socioeconômico da população residente, depois um plano urbanístico para essa reurbanização. Só então é possível promover uma licitação e regularizar a situação por meio da venda dos lotes, pois a prefeitura não pode doá-los. Porém, a venda se dá com valores bem baixos, até mesmo abaixo do valor de mercado, e o pagamento é facilitado para as famílias em situação de vulnerabilidade social”, explica.

Revisão do Plano Diretor deve auxiliar

Desde maio de 2019, a empresa Safra Geotecnologia e Gestão Ltda está realizando a atualização de diagnóstico e revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Paranaguá. O sócio-diretor da companhia, Fabrício Vergara Mota, também falou com o JB Litoral sobre a questão tratada na reportagem.

Ele informa que uma das necessidades, que foram diagnosticadas por meio do trabalho com a prefeitura, diz respeito à atualização e revisão do Plano Local de Habitação de Interesse Social, pelo Poder Municipal. “Com relação ao papel do (novo) Plano Diretor, ele vai buscar trazer diretrizes, uma legislação que facilite a questão habitacional na cidade, pois percebemos que é um problema muito grande no município”, diz.

Fabrício conta que outra avaliação, realizada pela empresa, concluiu que o que contribui para a falta de habitações é a inexistência de projetos oficiais aprovados pelo Município. “Então, é necessário procurar trabalhar na questão de loteamentos aprovados que possibilitem que essas pessoas tenham condições de comprar um lote regularizado”, comenta.

O secretário Municipal de Urbanismo, Koiti Takiguti, afirma que a prefeitura já está atuando em três frentes onde o assunto das áreas ocupadas irregularmente está sendo abordado: por meio da Revisão do Plano Diretor, Desenvolvimento do Programa de Regularização Fundiária e Desenvolvimento do Programa de Habitação, esse último em fase de diagnóstico e viabilização de recursos.

Déficit de cerca de 19 mil domicílios em 2020

Segundo ele, a quantidade de áreas de invasão foi levantada somente até o ano de 2010, quando havia a necessidade de 08 mil domicílios. No entanto, com a atualização do PLHIS, que tem previsão para publicação no ano de 2021, alguns dados estão sendo revisados. “Alguns levantamentos ainda estão em fase de execução, então podemos passar dados superficiais: por exemplo, nas áreas definidas popularmente como de Marinha, existem, aproximadamente, 8.500 unidades. Na Ilha dos Valadares, área da União, mais cerca de 4.500 unidades. Nas áreas privadas, pertencentes ao Estado e ao Município, estamos projetando uma média de 6 mil unidades”, informa.

O número total disponibilizado pela Secretaria de Urbanismo revela que Paranaguá enfrenta, neste ano, uma deficiência de cerca de 19 mil domicílios, quase 10 mil a menos do que o informado pela COHAPAR, no ano passado. Levando em conta que cada residência abriga uma família, com cerca de 04 pessoas, o JB Litoral calculou que, de acordo com a prefeitura, aproximadamente, 76 mil parnanguaras residem em um imóvel irregular.

Para solucionar o problema, Koiti esclarece que, durante a atual gestão, o Executivo já instaurou 11 processos de REURB (regularização fundiária) que estão em andamento e em vias de readequar o processo na Vila Marinho e Jardim Iguaçu. “Também estamos com trabalhos em parceria com a COHAPAR e, atualmente, iniciando tratativas com o Governo Federal, além de estarmos buscando parceria com diversos órgãos, tanto públicos como privados, para viabilizar um programa municipal permanente com recursos próprios”, garante.