Com hospital lotado, mulher que tinha parto marcado no HRL é mandada para casa, volta e tem filha no chão do setor obstétrico


Por Flávia Barros Publicado 02/02/2022 às 12h43 Atualizado 17/02/2024 às 01h02

Com as bochechas rosadas, pesando 3.095 kg e medindo 46 cm, chegou ao mundo a bebê tão esperada por um casal que mora em Guaratuba. A caçula da família nasceria por meio de uma cesárea, marcada para a manhã do último dia 23, no Hospital Regional do Litoral (HRL). Mas, ao chegar na unidade, o casal foi informado que deveria retornar apenas no dia seguinte, por falta de leito. Foi aí que o pai começou a ficar preocupado, pois acompanhou a “saga”, que o JB Litoral também reportou, de uma moradora de Morretes que estava com um feto morto no ventre e não conseguia vaga para ser submetida ao parto no HRL. Como não havia outra alternativa, segundo relatou o pai ao JB Litoral, o casal voltou para Guaratuba. Entretanto, poucas horas depois, no final da tarde do mesmo dia, chegaram novamente ao HRL, pois Camila* estava com contrações e sentia muita dor. Naquele momento Camila e Marcos* (nomes fictícios utilizados nesta reportagem para preservar a identidade do casal, que prefere não ter os nomes divulgados) nem imaginavam a situação pela qual passariam e que foi possível saber depois de um desabafo de Marcos em seu perfil no Facebook.

“MINHA FILHA NASCEU NO CHÃO DE UMA SALA DE ESPERA”

De acordo com o texto postado por Marcos, e confirmado por ele ao JB Litoral, a filha nasceu no chão do hospital, após 1h30 de espera, na segunda vez que o casal estava no HRL, no final da tarde do dia 23. “Chegamos lá por volta das 16h30 e tinha pelo menos cinco grávidas no local, nenhuma em trabalho de parto, isso que o parto estava agendado para sete horas da manhã, fomos no horário combinado e o médico mandou voltar no outro dia por falta de quarto, não apenas nós, mas também duas gestantes que estavam com 40 semanas. Voltamos pra casa e por volta de 16h minha esposa sentiu dores, voltamos para o regional e ela ficou até às 17h54 quando estourou a bolsa, enquanto esperávamos. Nos disseram que havia apenas um obstetra de plantão e a equipe de enfermagem, para minimizar a incompetência do sistema de saúde do estado, alegou que tem quatro médicos afastados por Covid. Mas já não é de hoje que o setor obstétrico conta com apenas dois médicos de plantão. Minha filha nasceu no chão de uma sala de espera, aquele momento tão desejado, por alguns minutos se tornou um pesadelo sem tamanho, minha esposa na frente de um monte de desconhecido, parindo ao lado de um balcão de informação, a menos de dois metros do elevador restrito a pacientes com Covid. Esse é nosso sistema de saúde precarizado e sem estrutura para atender a demanda do nosso litoral”, disse o pai.

DEPOIS DA TENSÃO, A REVOLTA

Com mãe e filha já de alta, em casa, Marcos conversou com a reportagem depois de registrar um boletim de ocorrência na 1ª Subdivisão Policial de Paranaguá, na quarta-feira (26). “Chegamos no hospital e não fizeram nem um toque nela, não fizeram nem a triagem com ela na hora que ela chegou. O que mais me revolta é o pouco caso que foi feito, se eles tivessem avaliado a situação dela, tudo isso não teria acontecido, nenhuma enfermeira se dispôs a ver como ela estava, por mais que eu pedisse. Quero que a justiça seja feita e os responsáveis paguem por isso”, contou Marcos. Ele ainda detalhou que quando o médico chegou na recepção, para auxiliar o parto feito no chão, proibiu as pessoas que estavam lá de fazer qualquer tipo de foto ou vídeo da situação. “Ele mandou todo mundo guardar os celulares. Depois que minha mulher teve nossa filha ali no chão, a levaram para a enfermaria da obstetrícia e após três horas que foi para a maternidade”, contou emocionado. Marcos e Camila são um jovem casal que, agora, têm três filhos.

HOSPITAL LOTADO

O JB Litoral procurou o HRL e a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), que se manifestou por meio de nota, neste sábado (29). A Sesa reconhece que recebeu a gestante na manhã do dia 23 para realização de cesárea eletiva, mas que, segundo a nota, após avaliações, teve o procedimento agendado para o dia seguinte. “Durante a tarde, a gestante retornou ao HRL por volta das 16h, reportando quadro de dor. Foi prontamente encaminhada para a sala de espera do centro obstétrico. Permaneceu acompanhada pelo esposo durante um período de aproximadamente 1h30min, evoluindo com parto normal no local. Recebeu atendimento pela equipe assistencial e o recém nato foi levado à sala para atendimento pediátrico”, diz a nota, que também tentou justificar o ocorrido, devido à grande procura por atendimentos no HRL.

A demanda para atendimento obstétrico registrou média acima do habitual, especialmente no dia do ocorrido e também nos dois dias anteriores, sobretudo devido à necessidade de isolamento de pacientes com Covid que, somado aos atendimentos clínicos e cirúrgicos, causou uma superlotação até o manejo assistencial e a possibilidade de altas. O atendimento foi registrado e será avaliado pela Comissão de Revisão de Prontuários”, finalizou a nota da Sesa.

RECORRENTE

O caso de Camila* aconteceu no dia seguinte ao da Bruna, que penou por três dias, com dores, para conseguir uma vaga no HRL e retirar o bebê que ela tanto esperava, mas estava morto em seu ventre. Caso que, como tantos outros, foram reportados pelo JB Litoral.