Comunidade libanesa de Paranaguá vive angústia por familiares e amigos após explosões em Beirute


Por Luiza Rampelotti Publicado 05/08/2020 Atualizado 15/02/2024

Do Líbano ao Brasil, dá, em média, 20 horas de uma longa viagem de avião, que sai de ares brasileiros e aterrissa em Beirute, capital do país do Oriente Médio. Apesar da enorme distância geográfica entre os povos com culturas totalmente diferentes, a distância sentimental é muito curta, isto porque a comunidade libanesa é presente e forte em nossa nação e, especialmente, em Paranaguá, no Paraná.

Por isso, a tragédia ocasionada pelas duas fortes explosões ocorridas no porto de Beirute, na terça-feira (04), que deixou mais de 100 mortos, 04 mil feridos e 100 desaparecidos, e destruiu quase metade da cidade portuária, espantou moradores do Brasil e do mundo todo. Em Paranaguá, a comunidade libanesa lamenta o ocorrido e se preocupa, principalmente, com familiares e amigos que estão no Líbano.

Atualização 07/08 às 12h15 – Número de mortos e feridos subiu: 157 pessoas morreram, mais de 05 mil estão feridas e centenas continuam desaparecidas. Os números continuam sendo atualizados.

O parnanguara Gassan Sabra Bhay tem descendência libanesa, mas nasceu no Brasil após seu pai, Sabra Ali Bhay, conhecido como Jorge, vir para o país, procurando melhores condições para se viver, aos 18 anos, na década de 1958. Seu avô, Ali Bhay, mais conhecido como Alexandre, já estava no Brasil. Porém, parte de seus parentes, como sogros e cunhados, e amigos, continuam no Líbano.

Ele levou um susto quando soube das explosões, especialmente porque a família de sua esposa, Nabiha Youssef El Assal, vive no Oriente Médio e mora em uma cidade não tão distante da capital – 86 quilômetros separam Beirute de Kherbet Rouha, município no qual Gassan tem residência e, também, parentes. O casal conversou com os familiares via telefone e, felizmente, nada de ruim aconteceu com nenhum deles.

A situação foi uma tragédia. Graças a Deus nossos familiares moram longe do local, mas tenho amigos que trabalham próximo e relataram que a explosão foi tão estrondosa que chegou a abalar a estrutura dos prédios em um raio de um quilômetro. O relato deles é muito forte, eles comentam sobre uma situação tão grande quanto uma guerra. O vácuo da explosão passou pela nossa cidade, a nuvem vermelha que cobriu o céu do Líbano também cobriu a minha cidade”, diz ele.

Comunidade libanesa em Paranaguá

Gassan é empresário, proprietário do Hotel Monte Líbano e, também, presidente da Sociedade Beneficente Árabe Muçulmana de Paranaguá. Sua esposa, Nabiha, veio para o Brasil após o casamento, em 1993, e passou a auxiliar na administração do estabelecimento.

Antes de ser proprietária do hotel, que passou a existir em 1975, a família de Gassan era muito conhecida por ser dona de churrascarias na cidade. “Meu pai teve a churrascaria Espeto de Ouro, de muito prestígio. Depois, no local onde hoje é o hotel, também tivemos a Churrascaria Campestre, por 14 anos. Um dia ele cansou do ramo e mudou para a hotelaria”, conta.

De acordo com ele, atualmente, 147 famílias libanesas residem em Paranaguá, isto é, aproximadamente 450 pessoas. A maioria se estabeleceu na cidade como comerciante, sempre em busca de condições melhores de vida. Várias dessas famílias são tradicionais, domiciliadas no município há quase dois séculos.

A comunidade libanesa é muito unida, temos um grupo bem ativo, os próprios moradores da colônia árabe são muito atuantes. Em nome da Sociedade Beneficente Árabe Muçulmana de Paranaguá, quero prestar minha solidariedade ao povo libanês e a todos os moradores de Beirute, e à comunidade não só em Paranaguá, mas em todo o Brasil. Quero externar minha tristeza devido a esta tragédia”, lamenta Gassan.

Nabiha também se emociona ao falar sobre as explosões e destaca, especialmente, o carinho do povo brasileiro. “Temos muito a agradecer aos brasileiros por se preocuparem conosco. Hoje de manhã nosso telefone não parou de tocar, nossos amigos nos ligaram preocupados com nossos familiares, nossos parentes, mandando palavras de apoio. Agradecemos imensamente esse carinho e preocupação, o povo brasileiro é muito acolhedor, muito querido”, afirma.

Cenário de guerra

O desastre aconteceu por volta das 18h locais (12h, horário de Brasília) de terça-feira, 04, quando uma primeira explosão foi ouvida no porto de Beirute, seguida de outra muito mais potente. Os edifícios tremeram e os vidros das janelas quebraram em um raio de vários quilômetros.

O primeiro-ministro Hassan Diab afirmou que as explosões foram causadas pela detonação de 2.750 toneladas de nitrato de amônio. A substância é um sal branco e inodoro, usado na composição de certos tipos de fertilizantes na forma de grãos, altamente solúveis em água. Também é usado na fabricação de explosivos e já causou vários acidentes industriais.

Nas ruas da cidade, soldados evacuavam moradores atordoados, muito ensanguentados, com camisas atadas ao redor da cabeça para conter os ferimentos.

A tragédia se soma já à difícil situação do Líbano, que atravessa a pior crise econômica em décadas, marcada por uma depreciação cambial sem precedentes, hiperinflação e demissões em massa que alimentam a agitação social há vários meses. Os hospitais da capital, que já lidam com a pandemia do coronavírus, estão saturados.

Nabiha relembra que o povo do Líbano já vive com muito medo devido às constantes guerras que o país sofreu. “Essa explosão ativou na memoria da população libanesa aquele tempo de guerra. Eles têm essa vivência à flor da pele, por ser muito agressiva. Então sempre há esse medo de novas guerras, e o cenário da explosão foi igual”, diz.

O estrago foi muito grande, eles já estavam sofrendo pela crise econômica, a moeda sofreu desvalorização de 80%, muitas empresas não estão conseguindo pagar os funcionários e as que conseguem, reduziram o salário, que não dá para comprar nada. Antes, um saco de arroz custava cinco mil liras, hoje, custa 70 mil. Pasta de dente, escova de dente virou artigo de luxo, por exemplo”, conclui Gassan.