Condutor de ambulância do SAMU, com CNH suspensa, provoca acidente com morte e bebê ejetado


Por Redação Publicado 12/01/2022 às 09h38 Atualizado 16/02/2024 às 23h32

Era a primeira tarde do ano e a família do parnanguara Antônio César Amoedo Francisco, 62 anos, portuário aposentado, voltava para o Mato Grosso, onde mora atualmente, depois de passar Natal e Réveillon em uma casa alugada, em Matinhos. Por volta das 13h de 1º de janeiro, a família foi marcada por uma tragédia, que, em teoria, poderia ter sido evitada. O Fiat Doblò, conduzido pelo genro do aposentado, foi atingido frontalmente por uma Renault Duster, que atravessou a rodovia PR-508, km 26, após ser atingida na traseira por uma ambulância do SAMU.

De acordo com o Boletim de Ocorrência (BO), o qual o JB Litoral teve acesso, ao volante do veículo de socorro estava um condutor socorrista, de 46 anos, cuja carteira nacional de habilitação (CHN) está suspensa. Ainda segundo o documento, a ambulância havia acabado de fazer uma ultrapassagem, quando atingiu a Duster na traseira, a qual perdeu o controle e bateu de frente com a Doblò, que capotou. No veículo, estavam a filha da vítima, o marido dela, dois filhos do casal, Seu Antônio e a esposa. Com o impacto, o neto mais novo, um bebê de seis meses, foi ejetado do veículo. A criança e o avô foram levados para o Hospital Regional do Litoral (HRL).

DIAS FELIZES X TRAGÉDIA

A família havia passado dias felizes, de descanso e diversão em Caiobá onde, poucas horas antes do acidente, havia festejado a chegada de 2022. No dia 1º, eles seguiram viagem, depois de almoçar, com destino a Sorriso (MT), mas não foram longe. Após serem vítimas da colisão, o bebê de seis meses logo recebeu alta, mas o avô não saiu mais com vida do HRL, a morte veio no terceiro dia de internamento, em quatro de janeiro.

O JB Litoral falou com o caminhoneiro Paulo Willian Pereira, que dirigia a Doblò e perdeu o sogro. De acordo com ele, o corpo do aposentado foi trasladado para o Mato Grosso, onde foi sepultado no sábado (8), uma semana depois do que deveria ter sido a volta da família para casa.

Meu bebê e meu outro filho de seis anos estão bem, mas minha esposa e minha sogra ainda estão em choque. Eu registrei um boletim de ocorrência contra o motorista da ambulância porque ele poderia voltar a trabalhar no outro dia e machucar outras pessoas. Dirijo caminhão há 15 anos, sei que todo mundo precisa sustentar sua família, mas ele foi muito negligente, tirou a vida do meu sogro e poderia ter matado minha família inteira, ter tirado a vida também das pessoas que estavam no outro carro”, disse.

Ainda segundo o caminhoneiro, a Ecco Salva se responsabilizou pelo traslado do corpo e o sepultamento da vítima.

ESCALAS EXAUSTIVAS

Além da irregularidade do condutor dirigir com a CNH suspensa, o JB Litoral recebeu a denúncia de que as equipes que estão prestando serviço ao SAMU Litoral, por meio do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Litoral do Paraná (CISLIPA), estão sendo submetidas (ou suas chefias permitindo) a escalas exaustivas de até 36 horas ininterruptas, quando o contrato determina escalas de 12 horas trabalhadas seguidas de 36 horas de folga, em todas as equipes, e que o profissional não poderá ultrapassar 24 horas de serviços seguidos, independentemente do vínculo. Essa equipe da ambulância de suporte avançado, composta por condutor socorrista, enfermeiro socorrista e médico, estaria trabalhando há 36 horas e voltando do HRL, onde haviam deixado um paciente para a Unidade de Pronto Atendimento, em Guaratuba, e pegariam mais uma pessoa que precisava ser transferida da UPA para o hospital. Também segundo contou a fonte ao JB Litoral, que protocolou denúncia e pedido de informações no Ministério Público do Paraná, a ambulância trafegava sem os sinais sonoros e luminosos obrigatórios.

MAIS DE R$ 11 MIL POR DIA

A ambulância que teria provocado o acidente custa R$ 5.543,67 por dia aos municípios do litoral. Como são duas, uma baseada na UPA Guaratuba e a outra da UPA Shangri-lá, o CISLIPA desembolsa R$ 11.087,34 por dia para ter as duas unidades de suporte avançado a serviço da população das sete cidades, pelo período da Operação Verão 2021/2022. As ambulâncias começaram a atender em 18 de dezembro de 2021 e cumprem contrato até seis de março de 2022. O valor homologado para a prestação do serviço, pela empresa Ecco Salva, é de R$ 875.900,00 pelos 79 dias.

COMO FUNCIONA

O reforço dessas ambulâncias para a Operação Verão é feito via contratação de empresas que devem seguir diversos critérios estabelecidos no edital do pregão eletrônico. A empresa que oferecer o serviço pelo menor valor, ganha o processo. Nesse caso, o valor máximo estipulado era de  R$ 1.056,785,60  e a Ecco Salva foi a vencedora, cobrando R$ 2.250,00 a menos, por dia, para “prestação de serviços no atendimento pré-hospitalar (APH) por intermédio de duas ambulâncias de Suporte Avançado de Vida (Alpha), com equipe formada por médico intervencionista, enfermeiro socorrista e condutor socorrista, para operacionalização de cada uma das unidades de suporte avançado de vida, 24h (vinte e quatro horas) por dia, no litoral do Paraná, com fornecimento de EPI’s e de insumos hospitalares, gases medicinais, medicamentos, veículo tipo D UTI móvel, manutenção dos equipamentos, manutenção veicular, bem como combustível e demais custos de operacionalização”, segundo prevê o edital.

FISCALIZAÇÃO

O JB Litoral entrou em contato com o diretor executivo do CISLIPA, André Luís da Costa Pereira, que se pronunciou por meio de nota. Segundo a resposta, “a ambulância, bem como a equipe que a tripulava, fazem parte de contrato de prestação de serviços de empresas terceirizadas para a Operação Verão, considerando o alto fluxo e demanda no período de alta temporada. A contratação das empresas se dá por meio de licitações, conforme determina a lei; o regime de escala de trabalho segue as normas da CLT e convenções trabalhistas das classes. Ressalta-se que, no momento da contratação da empresa terceirizada para prestação de serviços de atendimento pré-hospitalar (APH), a mesma apresentou documentação regular conforme o edital do Pregão Eletrônico 09/2021. Com a informação de que o motorista da ambulância, envolvido na ocorrência, possuía CNH em desconformidade com o Detran-PR, o CISLIPA esclarece que está averiguando a situação juntamente com a empresa prestadora dos serviços. Informamos, ainda, que todas as medidas administrativas e legais contratuais cabíveis estão sendo tomadas, e que uma sindicância está sendo instaurada para apurar as irregularidades até aqui apresentadas. Assim sendo, informa-se também, que a empresa terceirizada já está prestando todo o auxílio e assistência necessários às vítimas envolvidas no acidente”, diz a nota.

ESTÁ NO EDITAL

De acordo com o edital, o contratante, no caso o CISLIPA, pode e deve fiscalizar a empresa contratada. “Pelos prepostos designados por meio de portaria, exercerá ampla, irrestrita e permanente fiscalização sobre a execução do presente contrato”. E a Ecco Salva precisa aceitar.  “A contratada declara aceitar integralmente todos os métodos e processos de inspeção, verificação e controle a serem adotados pelo contratante. A fiscalização poderá avaliar a atuação de qualquer empregado da contratada e exigir a sua dispensa se verificar que sua conduta é prejudicial ao bom andamento dos serviços, objeto deste termo, devendo ser providenciada a sua substituição no prazo de 24 horas, a contar da data da notificação expedida pelo contratante, o qual ficará isento de responsabilidade se dela originar-se qualquer tipo de ação judicial”, diz o contrato que ambos assinaram.

O JB Litoral vai continuar acompanhando a situação.