De São Paulo ao Joaquim Tramujas: conheça pessoas que vivem nas ruas de Paranaguá


Por Redação JB Litoral Publicado 14/10/2020 às 20h37 Atualizado 15/02/2024 às 16h34
moradores de rua - paranaguá

Por Gabriela Vizine

Os pedestres que percorrem a calçada do Ginásio de Esportes Dr. Joaquim Tramujas, não imaginam a infinidade de histórias que permeiam na vida de moradores em situação de rua, que geralmente se instalam ao redor do local. Muitos, são de diferentes cidades e tinham empregos e vidas estabelecidas. Grande parte destes, escolheram viver em praças em decorrência do uso de drogas.

Apesar da situação de vulnerabilidade, eles encontram apoio de instituições para as necessidades básicas. De acordo com a Secretaria Municipal de Serviço Social (SEMAS), cerca de 80 pessoas que vivem nas calçadas e marquises são atendidas pelo município.

O morador em situação de rua de 44 anos, que não quis se identificar, é de Juquiá, São Paulo, e vive há dois anos nas ruas. Segundo ele, o motivo que o levou às vias do município foi a dependência química. “Foi uma escolha que fiz errada e acabei por aqui”, conta.  Há 28 anos é usuário de drogas, fator que, de acordo com ele, contribuiu para que ele deixasse um casamento de 12 anos e dois filhos, um de 14 e outro de 15 anos de idade.

Curiosamente, ele revela que o contato com os filhos é apenas via internet. “Sinto muito a falta deles”, diz cabisbaixo. Por meio do aluguel de uma casa que ele tem em São Paulo, ele paga a pensão dos jovens, renda essa que é depositada na conta da ex-esposa.


O dependente que não quis se identificar, diz estar arrependido por ter experimentado drogas há 28 anos atrás

Sem forças para largar as drogas

Para seu sustento, além das refeições distribuídas pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), Robson cuida de carros para ganhar uns trocados. Indagado sobre onde mora, o homem aponta para um estabelecimento do outro lado da rua. “Minha casa é lá, depois das 18h quando a loja fecha. Meu colchão é aquele ali, debaixo do banco”, comenta.

17 anos como balconista, em São Paulo, ele também foi pedreiro, mas, atualmente, cuida de carros e, quando precisa de mais dinheiro, pede algumas moedas às pessoas que passam a sua volta. “Me arrependo de ter dado um trago no crack lá atrás, hoje não tenho força para sair”, expõe.

Frio e fome, de acordo com o rapaz, ele não passa. “Em questão de assistência, no Ginásio, por exemplo, nós temos. Eu fiquei alguns dias ali recebendo ajuda, estava trabalhando, inclusive, mas não aguentei devido à abstinência e saí”, relata.

Ele também acrescenta que os funcionários os tratam como da família. “Por exemplo, temos a Roseli (coordenadora do Centro POP) que chamamos de mãe. Ela luta pelos nossos direitos e cuida bem da gente”, fala.

Opressão nas ruas

Já a moradora em situação de vulnerabilidade, Waldirene Cândido, natural de Paranaguá, falou que, assim como o homem que não quis se identificar,  é bem tratada pelo serviço social. Aos 40 anos, “Wal” também é usuária de entorpecentes e vive com o seu companheiro em uma banca de jornais abandonada próxima ao Ginásio.

Ela conta que tem dois filhos e uma neta e que eles, junto a sua mãe, a visitam diariamente. “Eles não têm vergonha de mim. Tenho contato com minha família, pois sempre passam por aqui”, menciona. A mulher faz questão de mostrar foto dos familiares e pede à equipe de reportagem do JB Litoral para encontrá-los no Facebook. A cada imagem clicada na plataforma, ela esboçava um largo sorriso. “Eles não são lindos?”, perguntava, orgulhosa.

Embora todo o cuidado que recebe pelos profissionais, Waldirene comenta que, em contrapartida, encontra uma atitude hostil por parte de alguns policiais. “Não são todos. Alguns nos tratam muito bem. Já outros chegam chutando tudo e batem pra valer. Entendo que há alguns moradores que roubam e são pilantras, mas não são todos. Sou dependente química, não ladra”, comenta.

Cuidado com moradores

A coordenadora do Centro POP, Roseli do Santos, menciona que o Ginásio de Esportes tem sido usado para o acolhimento de moradores desde o dia 27 de março, quando, por meio de decretos municipais e estaduais, os estabelecimentos fecharam as portas, bem como a população precisou permanecer em casa, devido à pandemia da Covid-19.

Moradores que vivem dentro do ginásio recebendo marmitas.

No primeiro dia, o local teve a aderência de 17 moradores. Após alguns dias, havia 60. Visando a boa convivência, o recinto possui regras, como não usar drogas. Porém, muitos indivíduos desistem de permanecer no local para tratamentos. Atualmente, o Ginásio conta com 18 dependentes que preferiram permanecer no local, do que ir para as ruas.

“Além dos cuidados para evitar a propagação do vírus, buscamos ajuda e parceiros para fazer com que eles se afastem das drogas”, explica Roseli. No local, os moradores possuem auxílio médico, psicólogos, técnica de enfermagem e enfermeira. Além disso, é possível tomar banho e receber cinco refeições diárias. “Trouxemos o Centro POP para cá e continuamos com o trabalho de distribuição de alimentos, banho, documentação e auxílio na busca de emprego, além de medicamentos. Aqui eles são cuidados e amados”, diz.

A secretária da SEMAS, Gisele Cristina da Silva, ressalta que há vários meios de resgate dessas pessoas, mas que o maior passo precisa vir delas próprias. “Cuidamos dos direitos mais básicos e entendemos que esse é um direito social. Porém, são eles quem decidem se querem participar dos tratamentos. As pessoas são abraçadas e atendidas aqui”.