Cerca de 200 professores do Litoral participam de mobilização em Curitiba contra projeto que terceiriza escolas públicas


Por Luiza Rampelotti Publicado 04/06/2024 às 11h57

Na tarde desta terça-feira (4), às 14h, os deputados estaduais do Paraná retomam a votação do Projeto de Lei 345/2024, que institui o programa “Parceiro da Escola”, pelo Governo do Paraná, que visa terceirizar a gestão administrativa de 204 colégios públicos do estado, a partir de 2025. A votação ocorre em meio a protestos e greve dos professores da rede estadual, que se opõem à iniciativa.

A primeira discussão do projeto foi aprovada em sessão remota na noite de segunda-feira (3), durante a ocupação da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) por manifestantes contrários ao texto. A ocupação resultou em confronto, com o lançamento de bombas de gás lacrimogêneo e pelo menos três pessoas feridas.

Em resposta ao projeto, os professores da rede estadual entraram em greve na segunda-feira (3). Cerca de 200 professores do Litoral do Paraná se deslocaram para Curitiba, participando da grande manifestação na ALEP. Segundo Cida Reis, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), Núcleo de Paranaguá, quatro ônibus, duas vans e carros levaram os professores até a capital.

Fizemos uma passeata linda, com mais de 20 mil pessoas, pacífica e consciente em defesa da escola pública. Porém, ao chegar no Centro Cívico, tivemos que resistir, pois esse é um espaço público e é importante, nós temos o direito de nos manifestarmos. Então, tivemos que fazer resistência para que pelo menos um dos nossos caminhões pudesse entrar e ficar posicionado em frente à ALEP, porque havia cordões da polícia com carros impedindo a passagem dos nossos carros de som. Da mesma forma, na entrada da Assembleia, havia restrições em relação ao número de pessoas para assistir a uma sessão tão importante”, diz Cida ao JB Litoral.

Cida explica que a ocupação da ALEP tinha como objetivo pressionar os deputados. “A nossa pauta era que esse projeto fosse retirado da pauta. No entanto, a sessão foi suspensa no início da tarde, mas logo em seguida nos informaram que reabririam a sessão de modo virtual. É uma vergonha para o Paraná e para os deputados um projeto tão importante para a sociedade ser votado numa sessão online. É um tratoraço. Mas nós vamos continuar fazendo a luta e resistindo. Nós temos mais de 200 escolas na lista e nós precisamos fazer com que elas permaneçam públicas na sua totalidade”, comenta.

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Cerca de 200 professores do Litoral do Paraná se deslocaram para Curitiba, participando da grande manifestação na ALEP. Foto: Arquivo pessoal/Cida Reis

Entenda o projeto:

A proposta foi apresentada pelo governo estadual há uma semana, no dia 27 de maio, e tramita em regime de urgência, o que significa que terá menos tempo de debate pelos deputados. Cida Reis avalia que o projeto “transfere a gestão administrativa e financeira das escolas para empresas privadas“.

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Cida Reis avalia que o projeto “transfere a gestão administrativa e financeira das escolas para empresas privadas“. Foto: Arquivo pessoal/Cida Reis

Na verdade, o projeto se constitui num cheque em branco para os empresários, porque é vago, não diz exatamente quais os critérios para as empresas, não diz como é que serão geridos esses recursos, quais os mecanismos de transparência. Hoje já existem duas escolas neste modelo aqui no Paraná. Em 2022, o governo criou um programa da SEED, e colocou 27 escolas na lista. Dessas 27 escolas, apenas duas disseram sim ao projeto”, afirma.

Segundo a representante do APP Sindicato, as duas escolas que atualmente já contam com o modelo recebem R$ 800 por aluno. No entanto, esse valor é transferido para a empresa privada que realiza a gestão escolar. “Numa escola, por exemplo, com mil alunos, a empresa terá R$ 800 mil do governo para administrar a escola. Isso é um absurdo. Por que nós somos contra? Primeiro porque a escola é pública, o recurso é público e nós queremos o recurso público direto na escola pública. Terceirizar significa que o intermediador terá lucro de qualquer forma com essa gestão da escola. E a escola pública não é para gerar lucros. A escola pública é para investimento efetivo”, explica.

De acordo com ela, atualmente, os diretores das escolas públicas recebem de fundo rotativo menos que R$ 8,00 por aluno para as despesas cotidianas da escola. No entanto, com o Programa Parceiro da Escola, as empresas receberão R$ 800,00 por aluno e terão poder absoluto para contratar professores, funcionários e utilizar o dinheiro sem necessidade de licitação. “As duas empresas que gerenciam os recursos atualmente operam sem qualquer critério de transparência. Mesmo solicitando informações ao TCU, não conseguimos acesso aos dados sobre como esses recursos estão sendo utilizados”, diz Cida Reis.

Já o Governo do Estado afirma que a transferência da gestão administrativa e de infraestrutura de 204 colégios estaduais para a iniciativa privada será realizada por empresas com expertise comprovada em gestão educacional, garantindo a realização de consulta pública antes da assinatura dos contratos. O governo afirma que a medida visa permitir que diretores e gestores se concentrem na melhoria da qualidade educacional, enquanto os professores e demais servidores públicos serão mantidos em seus cargos.

Confira abaixo o Projeto de Lei 345/2024 na íntegra:

Professor de Paranaguá estava na ALEP

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Professor Francelino atua há mais de 27 anos na educação pública em Paranaguá. Foto: Arquivo pessoal/Francelino Corrêa Neto

Outro professor de Paranaguá que participou da manifestação na segunda-feira foi Francelino Corrêa Neto, que atua no Colégio Estadual Dr. Arthur Miranda Ramos. Ele também estava dentro da ALEP para acompanhar a votação do projeto de lei.

Nós aguardamos a abertura dos portões da ALEP para adentrarmos e assistirmos à sessão, uma vez que a Assembleia é a casa do povo, para se debater, discutir e refletir sobre os projetos. Fui o terceiro a entrar, fiz meu cadastro, passei pelo detector de metais e adentrei, com autorização, porque havia me cadastrado anteriormente. Nós não invadimos, nós adentramos. Ocupamos o espaço permitido e aguardamos a chegada dos deputados”, conta ao JB Litoral.

Sobre a votação, o professor lamentou o fato de o projeto ter sido aprovado no plenário em 1º turno na segunda-feira. O PL também recebeu emendas e voltou para análise pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALEP, que realizará uma reunião às 13h30 desta terça-feira para debater as emendas. Em seguida, a proposta volta ao plenário para segunda e terceira votações. Se for aprovada, será votada ainda nesta terça a redação final.

A greve continua

A greve realizada pelos professores da rede estadual foi decidida durante Assembleia Geral da APP Sindicato com a categoria, realizada no dia 25 de maio. Desta forma, a paralisação, que seguiu todos os trâmites sindicais necessários para ser legalizada, só pode ser encerrada com uma nova Assembleia Geral.

Agora, a questão é conscientizar a comunidade escolar e conscientizar a sociedade de que este é um projeto que está fora do processo de constituição, tramitou totalmente de forma irregular. Pessoas que estariam ali para representar a população, representando o interesse de um grupo. E que interesse é esse? Hoje, o projeto propõe de R$ 800 a mil reais por aluno. As escolas não recebem nem R$ 8 por aluno. Então, para financiar ou pagar uma empresa que iria se dizer administradora da escola, tem recursos. Mas para dar recursos para uma direção que foi eleita pela comunidade escolar através do processo democrático de votação, daí não tem recurso. Estas são as incoerências desse governo”, lamenta o professor Francelino.

Francelino atua há 29 anos na educação. Iniciou sua carreira profissional na Associação de Crianças e Adolescentes de Paranaguá (CAP), em 1995, quando também assumiu suas primeiras turmas no Colégio Regina de Mello, que está na proposta de terceirização do “Programa Parceiro da Escola”, em Paranaguá.

O professor também já lecionou nos Colégios Faria Sobrinho, Alberto Gomes Veiga, Instituto de Educação, Escola Carmen Costa, além de instituições particulares. Há 24 anos ele atua no Colégio Dr. Arthur Miranda Ramos, no Samambaia.

Eu tenho um vínculo grande com a comunidade escolar. E a gente pede que essa comunidade reconheça o trabalho da escola pública que educa seus filhos e que forma seus filhos. Será que privatizando nós teremos esse vínculo, essa questão dessa responsabilidade de querer educar a todos? Ou ela vai ser uma escola excludente? Esse é o nosso grande medo, de excluir aquele aluno que mais precisa da escola para sair das suas situações de risco, para sair das suas situações de dificuldade social”, finaliza o professor.

Estudantes mobilizados

A presidente da APP Sindicato em Paranaguá, Cida Reis, também fez questão de destacar a organização e mobilização dos estudantes do Litoral. “Em Matinhos, alunos do Gabriel de Lara, com representantes do Tereza e do Sertãozinho, fizeram uma passeata linda nas ruas do centro da cidade na semana passada. Também participaram da mobilização em Curitiba, na segunda, estão organizados, fazendo luta no movimento em defesa da escola pública. Isso é muito importante, porque os estudantes também não vão aceitar isso tranquilamente, essa entrega assim, dessa forma”, conclui.

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