Em briga judicial de milhões de reais, importadora paraguaia afirma que deixará de fazer rota via Paranaguá


Por Flávia Barros Publicado 26/04/2022 Atualizado 17/02/2024

O que era para ser uma transação internacional, com importação de pneus da China por uma empresa paraguaia, a Sunset Tires Corporation, que atua há 34 anos com importação, exportação e distribuição de pneus, acabou em processos judiciais e cargas ainda retidas no porto de Paranaguá. O imbróglio começou a ser noticiado pelo JB Litoral no começo de fevereiro, quando moradores do bairro Vale do Sol denunciaram que um terreno particular, na região das ruas João Groth Elias Filho e João Estival, estava servindo de depósito para contêineres, fato que vinha causando transtornos e danos em calçadas e no asfalto.

Após as denúncias de moradores, a prefeitura montou uma força tarefa, mas, quando foi ao local, o dono dos terrenos afirmou que apenas locava a área. Identificado o locatário, Claudemir de Souza, dono da transportadora Transideia Transportadora Logística Internacional, chegou a dizer à reportagem que usaria os contêineres para projetos de construção civil. Na ocasião, a prefeitura afirmou que os terrenos naquela região residencial não podiam ser usados para armazenar contêineres, nem as consequências geradas para a movimentação das estruturas, com caminhões e outros veículos pesados.  No mês passado, a situação no Vale do Sol voltou a ser noticiada quando a transportadora foi alvo de uma ação de reintegração de posse movida pela CMA CGM do Brasil Agência Marítima, que ganhou na justiça o direito de ter de volta 50 contêineres, os quais, segundo texto do processo, pertenciam à CMA, mas não haviam sido devolvidos pela Action Agenciamento de Cargas e a Transideia Transportadora Logística Internacional.

Em março a CMA conseguiu na justiça a reintegração de posse dos contêineres que estavam armazenados em área residencial, no Vale do Sol. Foto: Diogo Monteiro / JB Litoral

BEM MAIS DO QUE 50


Os contêineres de toda a confusão são da CMA, e fazem parte dos cerca de mil utilizados para a importação dos pneus da China, comprados pela empresa paraguaia Sunset Tires Corporation, volume que começou a chegar em agosto do ano passado e chegaria a seis mil contêineres em um ano.  Após a publicação das duas reportagens, o presidente da empresa, Nabil Chamseddine, procurou o JB Litoral. Segundo ele, a opção de importar os pneus via porto de Paranaguá foi da própria fabricante chinesa. “Antes da pandemia nós importávamos vindo por Buenos Aires e de lá até o Paraguai. Mas, com a pandemia, começou a ficar tudo muito demorado por essa rota, então a própria fábrica, na China, sugeriu que fizéssemos a mudança, trazendo por Paranaguá e depois via terrestre até o Paraguai. Tudo ia bem, quando, para a nossa surpresa, recebemos a intimação de que a Action estava nos processando em uma quantia absurda por algo que nem estava previsto em contrato e que é ilegal, cobrando de nós pela não devolução dos contêineres, o que vinha gerando despesas gigantescas com diárias porque a CMA não quis recebê-los de volta”, disse ao JB Litoral.

O CEO da Sunset também detalhou os valores cobrados, alegando que vem sendo prejudicado e que suspendeu as importações por meio do porto parnanguara. “É um valor absurdo na ordem de R$ 30 milhões. Eles alegam que temos que pagar uma estadia diária pela falta de devolução por cada contêiner, são mais de 400. Estão praticando ‘demurrage’, prática que não consta em contrato. Com isso, ficam retendo nossa carga. Já conseguimos liberar alguns contêineres ainda carregados e vamos entrar com uma medida cautelar para liberar os 10 que ainda estão retidos. Somos uma empresa séria, sempre honramos com os nossos compromissos, nunca deixamos de cumprir os nossos contratos. Com tudo isso que vem acontecendo, criou-se uma insegurança jurídica para que continuássemos com as operações por Paranaguá, então decidimos encerrá-las”, disse Nabil Chamseddine.   

A prática de demurrage ou ocean freight éa cobrança de sobreestadia do destinatário quando o contêiner fica no terminal por mais tempo do que o prazo contratado com o armador. O período conta a partir da data que a estrutura chega ao porto de destino até sua retirada.


PROTESTO E TENTATIVAS


No último dia 28, um protesto foi realizado em frente à representante da CMA em Paranaguá, a agência Lachmann, e em frente ao terminal, por cerca de 20 caminhoneiros que não conseguiam autorização para devolver os contêineres vazios da CMA. A situação, segundo Claudemir de Souza, da transportadora Transideia, que desta vez também procurou o JB Litoral, vem se arrastando porque ele já não consegue mais um lugar para guardar os contêineres. “Tenho vários documentos que comprovam a minha dificuldade em devolver os contêineres para a CMA. Como não conseguia devolver, não tinha como ficar pagando diárias aos caminhoneiros, então comecei a colocar em terminais privados, foram sendo geradas cobranças dessas estadias, e eu me prejudiquei também por isso. Não tenho como arcar com uma despesa que não é de minha responsabilidade. Depois, nem os terminais privados queriam mais receber os contêineres, aí tive que alugar os terrenos para ir guardando até que a CMA resolvesse receber. Nunca me neguei a devolver”, explicou. Claudemir também lamentou a suspensão da importação por parte da Sunset. “O volume que ela importava dava trabalho direto para, pelo menos, 270 pessoas. Eram 200 caminhoneiros e 70 despachantes, agora toda essa dor de cabeça”, finalizou.

Segundo o advogado que representa a Transideia, Matheus Portela, “a CMA alega que as tentativas de devolução não respeitavam o prazo, por isso condicionam a autorização para devolução ao pagamento pelo ‘atraso’, mas essa prática é ilegal e chama-se autotutela. O senhor Claudemir nunca quis se apropriar dos contêineres, quando ele falou em usá-los em projetos de construção civil, ele iria armazená-los, por exemplo, em forma de muros de terrenos, até o dia da devolução, de forma a aproveitar melhor o espaço, uma vez que não consegue devolvê-los à CMA”, defendeu.

O advogado também afirmou que vai cobrar da CMA por todas as despesas que envolvem o armazenamento das estruturas. “Vamos acionar judicialmente para que todas essas despesas com terminais particulares, maquinários para transportar e empilhar os contêineres, além de todo o dano moral que vem sendo causado ao senhor Claudemir, sejam arcadas pela CMA”, disse Matheus Portela ao JB Litoral. Até 20 de abril, esse valor era estimado em R$ 700 mil.

Com entrave na devolução dos contêineres vazios após levar os pneus importados para o Paraguai, as estruturas vão se acumulando em terminais particulares. Foto: divulgação/Transideia

RESPOSTA


O JB Litoral entrou em contato com a CMA, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. Na página da empresa na internet, consta o procedimento para a entrega de contêineres vazios no Brasil:

• Em até 48 horas antes da data pretendida para a entrega do contêiner vazio, acesse nosso site https://www.cma-cgm.com/local/brasil/links no item “Devolucao de CNTR Vazio”; nesta página, você verificará o local do depósito para devolução do vazio e emitirá o Termo de Devolução a ser impresso.

• Se a data de entrega do seu contêiner estiver dentro do free time, a CMA CGM indicará o depósito onde seu equipamento deve ser entregue.

• Se a data de entrega do seu contêiner ultrapassar o free time, você encontrará no site como proceder para entrar em contato com a CMA CGM para fornecer a fatura relacionada ao período extra. Assim que o comprovante de agendamento de pagamento for recebido, a CMA CGM irá enviar o local do depósito e o prazo para a entrega do contêiner, sendo que o vencimento para pagamento é de até 24 horas após a efetiva devolução da unidade.

É essencial receber a confirmação da CMA CGM antes de enviar seu caminhoneiro para o DEPOT.