Em Paranaguá, idosa volta a estudar aos 83 anos: ‘Ficar em casa fazendo o quê?’


Por Luiza Rampelotti Publicado 07/06/2022 às 11h46 Atualizado 17/02/2024 às 10h05

Dona Maria Izabel Alves Velomin é a aluna mais velha da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de Paranaguá. Aos 83 anos, ela decidiu que é muito melhor estar na escola do que ficar em casa “fazendo nada”, conforme suas próprias palavras.

De segunda à quinta-feira ela coloca o tênis e vai caminhando, junto com uma amiga, cerca de 950 metros – do Porto dos Padres, onde mora há mais de 60 anos, até a Escola Municipal José de Anchieta, na Vila Guarani. As aulas acontecem no período noturno.

A gente poderia vir de ônibus, mas minha amiga não tem a carteirinha, então eu venho caminhando para acompanhar e ela não vir sozinha”, conta dona Maria.

Na escola, ela está sendo alfabetizada pela professora Rosane Poletti Kirchhoff, da educação pública municipal de Paranaguá. A turma de alfabetização conta com cerca de 10 alunos que, em sua maioria, são idosos.

É muito gratificante vermos o esforço deles, que não tiveram a oportunidade de estudar quando eram crianças porque, naquele tempo, tinham que trabalhar, moravam na roça, tinham que ajudar em casa etc. Mas depois de idosos tiveram a vontade de aprender. Alguns querem aprender a ler para ir para a igreja, ler a bíblia; outros pelo prazer de poder pegar um ônibus sem errar; ler uma placa; ir ao banco; serem independentes”, comenta a professora.

“Ficar em casa fazendo o quê?”


Dona Maria é a mais velha da turma, mas muito participativa e esforçada nas aulas, além de bem humorada com os colegas de classe. Ela já consegue ler as sílabas simples e comemora cada pequena conquista.

Ela conta que, quando criança, morava em Antonina e as escolas eram muito distantes de sua casa, por isso, todos os irmãos foram criados sem estudo. Depois, perdeu os pais muito jovem e precisou começar a trabalhar para poder sobreviver.

Trabalhava catando café no armazém, escolhia o café bom e enchia o saco. Fiquei um bom tempo, porque tinha que trabalhar para poder comer. Depois fui trabalhar como empregada em casas de famílias”, diz.

Logo veio o primeiro casamento, o qual ficou viúva muito nova, os filhos, os netos, e os estudos foram ficando para depois, mas nunca esquecidos, apenas aguardando o momento certo para a realização do sonho. “Agora os filhos já estão todos criados, netos, bisnetos, tataranetos, resolvi vir para cá estudar. Ficar em casa fazendo o quê? Almoço, janta e café, se aborrecendo? Melhor vir para a escola, aqui a gente tá aprendendo”, diz a idosa aos risos.

Exemplo de mulher”, diz filha


Ela mostra, com muita alegria, o avanço no aprendizado ao ler algumas palavras simples. Mas diz que está aprendendo devagarzinho, já que tem problemas na vista. “Estou indo devagar, mas faço. Não estou achando muito difícil, com a professora Rosane aqui o que eu não sei ela me ensina, é uma professora muito boa para mim”, conta.

Professora Rosane dá aulas de alfabetização para a turma de 10 alunos. Foto: Luiza Rampelotti/JB Litoral

Casada há 30 anos com o segundo marido, ela teve 12 filhos, dos quais oito estão vivos. A filha Noemi Alves Velomi afirma que são mais de 50 netos, mais de 20 bisnetos e quatro tataranetos.

Minha mãe é um exemplo de garra e força, ainda nova perdeu o meu pai, lutou, criou oito filhos, sempre com honestidade e muita fé. Hoje olhamos e vemos que exemplo de mulher. Muitas vezes me levou para o serviço, dividia o prato de comida comigo. O que falar de uma pessoa dessa? Queria dar o céu para ela”, homenageia.

Noemi conta que no documento da mãe consta a idade de 80 anos, mas que, na verdade, ela tem 83. Além disso, diz que dona Maria está tendo problemas de esquecimento e os estudos colaboram com sua memória. Por isso, os filhos incentivam que ela continue estudando.

A mãe nunca teve estudos, perdeu os pais muito nova, aí teve que trabalhar na catação de café. Voltou a estudar por vontade própria. Ela fica muito animada, qualquer letra que faz é uma alegria. Ela é bem ativa, acorda cedo com as galinhas, faz café, compra pão, lava a louça, a roupa”, conta.  

“Uma coisa eu sei: não desisto dos estudos não”, afirma dona Maria


Assim como os filhos são orgulhosos da mãe, a professora Rosane também está muito contente com o avanço de dona Maria. “As atividades são adaptadas porque ela tem dificuldade na vista e só consegue ler em letra de forma, mas ela já lê as sílabas simples e sempre é uma alegria. Ela é super alto astral, participativa. É muito gratificante podermos contribuir com nossos alunos”, finaliza.

Para depois que terminar a escola, dona Maria diz que ainda não sabe o que vai fazer. Os colegas de classe se divertem dizendo que ela vai ser a advogada da turma.

Depois que terminar aqui não sei o que vou ser, mas já tenho uma idade. Vou aprender o que eu puder para não ser burra, porque a gente não aprende e fica o quê? Burra, porque não consegue ler nada. Mas uma coisa eu sei: não desisto dos estudos não”, reflete.