Em plena temporada, aterro sanitário de Pontal virou lixão a céu aberto, sem tratamento adequado do chorume


Por Redação JB Litoral Publicado 28/12/2018 às 00h00 Atualizado 15/02/2024 às 06h14

Desde o ano 2000, as cidades de Matinhos e Pontal do Paraná contam com o Consórcio Intermunicipal para Aterro Sanitário (CIAS), que, segundo seu Estatuto, tem o objetivo de assegurar condições para uma disposição adequada do lixo sólido domiciliar e resíduos de serviços de saúde. Para isto, foi criado um aterro sanitário, projetado e implantado no intuito de sanar os problemas dos antigos lixões existentes nos municípios envolvidos.

O problema crônico está relacionado a sua origem e produção, que compromete cada vez mais o meio ambiente, quando disposto inadequadamente sobre o solo. A produção, crescente em grandes centros urbanos, como é o caso do litoral do Paraná, deve-se ao aumento populacional e a intensidade de veranistas durante o período de alta temporada, gerando um aumento considerável.

No entanto, moradores da região de Pontal do Paraná, localizados próximos ao aterro sanitário, relatam transtornos com relação ao que dizem ter se transformado em um lixão. Além disto, denunciam o vazamento do chorume – líquido resultante do processo de apodrecimento de matérias orgânicas – às lagoas próximas, que desaguam no mar aberto, afetando sua balneabilidade.

Devido ao forte fedor, além do derramamento do líquido no mar, residentes e turistas têm optado por passar a temporada de verão, período em que a população do litoral quadruplica, chegando perto de 1,2 milhão de pessoas, em outras praias, como Matinhos e Guaratuba.

Para averiguar a situação, o JB Litoral esteve no local e apurou que, efetivamente, o cenário é o de um lixão a céu aberto. Com toneladas de lixos, acumuladas em uma única célula, sem qualquer cuidado com o solo e o mau cheiro, urubus aglomeram-se no local.

Além disto, também é possível observar que não existe um tratamento adequado para o chorume, o qual fica parado na lagoa e, a qualquer momento, principalmente caso haja grandes quantidades de chuva, pode vazar, poluindo os rios.

Lixo acumulado preocupa possível contaminação do solo

Sem tratamento

De acordo com o Biólogo Caio Fernandes, para um tratamento eficaz, é necessário que as lagoas possuam aeradores. “O aerador é um equipamento que possibilita a oxigenação do líquido, fazendo com que as bactérias aeróbicas se alimentem da matéria orgânica em decomposição e de microrganismos que não necessitam de oxigênio, tornando os índices de pureza da água apresentáveis para o retorno aos rios e aos mares”, explica.

Ele também esclarece que, diferente do que vem ocorrendo, os detritos acumulados precisam ser enterrados, além de outras medidas para evitar a poluição do solo. “Pelas regras vigentes, o lixo não pode estar em céu aberto, é necessário, ainda, que haja uma cobertura vegetal, para evitar erosão e que o líquido contamine o solo. Toda célula tem que estar com uma manta por baixo, para não ter contato com a terra e, inclusive, que seja feita a cobertura vegetal do detrito enterrado, com grama e árvores. Além disto, são necessários os encanamentos para a saída dos gases tóxicos, para que não ocorra nenhum tipo de erosão e desmoronamento. O que vemos naquela região é que o lixo vai chegando e sendo acumulado, sem seguir nenhum tipo de regra para o aterro sanitário”, informa.

Segundo biólogo, tratamento do chorume realizado pelo CIAS é ineficiente

Irregularidades encontradas

Com o objetivo de compreender a situação e as condições do aterro sanitário, o biólogo, por meio de visita técnica, realizada com a equipe da empresa Programa Território Animal, que presta assessoria ambiental, enviou, em setembro deste ano, um ofício à Prefeitura de Matinhos, apontando as irregularidades encontradas.

Ele afirma que a estrutura observada necessita de melhorias para acondicionar a demanda de resíduos provenientes da alta temporada 2018/2019 e, para que isto seja possível, é necessário a elaboração de um laudo técnico ambiental, para que, posteriormente, seja requisitado, junto ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP), o Termo de Ajuste de Conduta (TAC). “Diante de tudo isto, algumas providências deverão ser tomadas para a finalização desta célula e início do licenciamento da área onde serão implementadas as novas”, diz.

Durante a visita, foram constatadas diversas irregularidades, tais como: dificuldade nas vias de acesso; ausência de vegetação para fins de bloqueio visual; ausência de área de contenção no caso de as lagoas de tratamento extravasarem; sistema de captação de chorume defasado e entupido; sistema hidráulico de transferência do líquido entre as lagoas ineficiente; falta de aeração; sistema de vazão do gás metano ineficaz; ausência de vegetação de contenção e sustentação das células e fauna sinantrópica nociva no local.

Descumprimento de lei

Ainda, durante a visita in loco, os profissionais tiveram dificuldades em assimilar quais resíduos o Consórcio Sanitário acondiciona, pois foram encontrados materiais que estavam fora da Norma NBR 10/2014, que afirma que aterros só podem receber aqueles que estão licenciados pelo órgão fiscalizador estadual.

A lei institui instrumentos, diretrizes, metas e ações a serem adotadas pelo Governo Federal para alcançar esta finalidade, isoladamente ou em cooperação com estados, municípios e particulares. No caso do órgão, de acordo com o biólogo, ele não vem cumprindo as diretrizes. “Todo e qualquer aterro sanitário tem que estar de acordo com a Política Nacional. É preciso que se cumpra, efetivamente, a lei, de forma que não agrida e não impacte o meio ambiente e a saúde coletiva da população que mora em torno do local”, declara.

MPPR entrou com ação

Em agosto deste ano, o Ministério Público do Paraná (MPPR), por meio da Promotoria de Justiça de Pontal do Paraná e da 2ª Promotoria de Matinhos, ajuizou uma ação civil pública para garantir a regularização da destinação dos resíduos sólidos dos municípios, após constatar que, estes, vinham sendo dispensados de maneira irregular. De acordo com as Promotorias, o aterro transformou-se em um verdadeiro “lixão a céu aberto”, gerando graves riscos à saúde e ao meio ambiente e contaminação do solo e dos recursos hídricos.

Ajuizada contra as duas cidades, os respectivos prefeitos, o Consórcio e o IAP (este porque, mesmo ciente das irregularidades, não adotou nenhuma medida para a solução do problema), a ação requeria, liminarmente, no prazo de 15 dias, a suspensão das atividades irregularmente desenvolvidas, bem como a apresentação, pelos gestores públicos, de plano para a superação do problema.

O que diz o CIAS

Segundo o Coordenador Geral do Consórcio Intermunicipal, Airton de Souza, é realizado tratamento contínuo do líquido percolado, a partir do tratamento biológico que, de acordo com ele, não necessita do uso de aeradores. “O aterro possui lagoas adequadas à contenção do chorume e não há riscos de vazamento desse material”, garante.

Ele também afirma que são produzidas análises mensais sobre a qualidade do líquido produzido e, são entregues, mensalmente, ao órgão, ficando disponíveis para o controle interno do corpo técnico, bem como para a consulta de entidades de fiscalização e demais autoridades. “Também se faz necessário esclarecer que, recentemente, foram entregues os projetos de ampliação do Aterro Sanitário e estes serão executados após o devido procedimento legal de licitação, adequando o CIAS ao volume de resíduos recebidos pelos municípios consorciados. Por fim, cumpre esclarecer que o Consórcio vem cumprindo com todas as recomendações de todos os órgãos estatais, incluindo o Ministério Público”, declara Airton.