Em vulnerabilidade com o coronavírus, índios se sentem invisíveis diante do Poder Público


Por Luiza Rampelotti Publicado 04/05/2020 às 21h38 Atualizado 15/02/2024 às 09h46

Um estudo realizado por antropólogos e geólogos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostra que mais de 81 mil índios no Brasil estão em situação de vulnerabilidade crítica – ou seja, correm alto risco de serem dizimados, caso a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) chegue às suas regiões.

Doenças respiratórias já são a principal causa de morte entre as populações indígenas brasileiras, o que torna a doença especialmente perigosa para esses grupos. Além disso, há uma dificuldade muito grande de acesso a itens que ajudam na prevenção da nova doença, como sabonete, máscara, álcool em gel etc.

“Sentimos que a população indígena fica invisível perante todos os governos”, diz a cacique da aldeia. Foto: Reprodução/Peita.me

Em Paranaguá, apesar da gravidade do cenário, a cacique da Aldeia Tekoa Takuaty (Aldeia das Taquaras), na Ilha da Cotinga, Juliana Kerexu, afirma que o Poder Público não tem adotado providências para proteger as comunidades, e que os materiais básicos, como máscaras e álcool em gel, só chegam devido às doações de voluntários. “É muito importante mostrarmos a realidade das comunidades, ainda mais neste momento tão delicado que todos estamos passando. Quem mais está em risco são os povos indígenas e o que estamos vendo é que os índios nem foram colocados nas faixas de risco. Todos esses anos que estamos na luta, sentimos que a população indígena fica invisível perante todos os governos”, lamenta.

A Tekoa Takuaty é uma aldeia recente, fundada em novembro de 2018, e é formada por seis famílias, totalizando 27 pessoas. A cacique foi escolhida pelos demais membros da aldeia. Na Ilha da Cotinga, também existe a aldeia Pindoty, com cerca de 52 índios da etnia Guarani e Mbya Guarani, segundo a Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde. Ou seja, a Cotinga é a residência de, aproximadamente, 79 índios.

Proteção contra o coronavírus

De acordo com Juliana, a aldeia Tekoa Takuaty está se protegendo contra a Covid-19 como pode. “Estamos evitando ao máximo sair para a cidade, somente duas pessoas vão, e apenas se for necessário comprar algo essencial. Nessa ida, quem vai usa máscara, álcool em gel, e na volta, se cuida bastante para não trazer isso pra dentro da aldeia”, diz. Ela também informa que a aldeia está isolada durante a pandemia, tendo sido canceladas todas as atividades programadas, além das visitações.

A respeito da aquisição de materiais de higiene e proteção pessoal, como álcool em gel, sabonete e máscara facial, a cacique afirma que os produtos só chegaram até a aldeia graças à doação de voluntários. “Graças a Nhanderú temos alguns voluntários que nos ajudam e recebemos a doação de máscaras e álcool para manter a proteção. Mas cada pessoa também está sendo orientada sobre como tem que se prevenir e cuidar, lavando bem as mãos com água e sabão, higienizando os objetos com álcool, entre outros. As pessoas que vão para a cidade têm todos os equipamentos de proteção, e quando retornam, são orientadas a tomar banho e trocar de roupas. Vamos fazendo o possível para evitar que esse mal entre na nossa aldeia e nas outras”, comenta.

Sobrevivência da aldeia

A cacique explica que dentro da aldeia é mantida e preservada a cultura guarani, além da língua, cantos, danças e a Casa de Reza. “Todas as noites nos juntamos para fazer as rezas e pedir pela humanidade”, diz.

A comunidade sobrevive do plantio e do trabalho direto com a produção de artesanato, como cestarias, esculturas de madeira, arco e flecha, chacoalhos, colares e brincos. Neste ano, já houve a colheita do milho guarani, mandioca, melancia, amendoim e batata doce. “A cada ano queremos ter mais colheitas. A partir de junho, julho e agosto começa a época do plantio novamente. Mas estamos numa situação delicada com toda esta pandemia, pois não temos como sair da aldeia para vender o artesanato, então estamos dependendo bastante de doações”, conclui Juliana.

O que dizem os órgãos competentes

O JB Litoral procurou a prefeitura, além da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a Coordenação Técnica Local da FUNAI, em Paranaguá, para saber, entre outros, de que forma esses órgãos estão atuando no combate ao coronavírus nas aldeias indígenas existentes no município. No entanto, até o fechamento desta reportagem, não houve respostas.