Fandangueiros de Paranaguá são autorizados pelo IAT a explorar a árvore Caxeta


Por Amanda Batista Publicado 05/04/2023 às 16h21 Atualizado 18/02/2024 às 08h38

Três fandangueiros de Paranaguá, da mesma família, receberam autorização do Instituto Água e Terra (IAT) para produzir instrumentos musicais com a Caxeta (Tabeuia cassinoides), uma árvore ameaçada de extinção. A licença, que possui uma série de obrigações para os artesãos, busca preservar a cultura caiçara e proteger a árvore nativa do Litoral.

A cerimônia de entrega da dispensa de Licenciamento Ambiental Estadual (DLAE) para a família de fabricantes de instrumentos, que vivem na Ilha dos Valadares, foi realizada no Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP) no final de março e contou com a participação de representantes do IAT e autoridades do município.

Os fandangueiros beneficiados foram Aorélio Domingues, Taquinha Domingues e Elyson Domingues, primos e netos de Rodrigo Domingues, construtor de rabecas do Valadares. Eles se comprometeram a explorar, no máximo, 15 m³ anuais por hectare e a utilizar técnicas que não prejudicam a sobrevivência da espécie. Para isso, o IAT também contará com “fiscais da Caxeta”, que vão monitorar os locais de exploração e garantir que os termos acordados sejam cumpridos.

A liberação da Caxeta para os construtores é uma reivindicação antiga da Associação de Cultura Popular Mandicuera, presidida por Aorélio Domingues, que é mestre de Fandango. De acordo com ele, a lei de preservação da espécie entrava em conflito com a preservação do Fandango, considerado Patrimônio Cultural Imaterial desde 2012 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Essas leis eram conflitantes. Agora, com a força tarefa do IAT, que se debruçou sobre nosso pedido e considerou a nossa forma de manejo não-degradante, poderemos dar continuidade ao nosso conhecimento tradicional”, afirma Aorélio.

O mestre de Fandango lamenta os anos em que os artesãos caiçaras eram proibidos de produzir os instrumentos e passar a tradição para os filhos. “Éramos proibidos de cortar a Caxeta. Foram muitos anos tentando liberar o corte, para que o caiçara pudesse realizar uma atividade cotidiana da sua cultura sem ser criminalizado. Era triste demais não poder passar essa tradição”, diz.

Com a autorização, caiçaras poderão passar a tradição de pai para filho. Foto: Flávio Rocha/Agência Estadual de Notícias

Segundo a engenheira agrônoma do IAT, Margit Hauer, o projeto atende à Portaria n° 466/2022, de dezembro do ano passado, e foi autorizado após a constatação de que a atividade possui baixo impacto ambiental por não necessitar do corte completo da árvore.

 “A Caxeta tem a capacidade de regenerar depois de cortada e se reproduz por brotações que nascem a partir das raízes. Então criamos essa portaria para atender especificamente aos mestres fandangueiros após comprovarmos que a atividade não causa impacto substancial à preservação da espécie. Agora eles podem trabalhar tranquilamente e podem ser fonte de informação para o estado”, destaca Margit.

Sobre o Fandango Caiçara

O Fandango Caiçara é considerado Patrimônio Cultural Imaterial desde novembro de 2012. A prática acontece no Norte do litoral paranaense e no Sul do litoral paulista, por meio de expressão musical-coreográfica-poética e festiva.

De origem espanhola e portuguesa, a tradição reúne diversas etnias em seu cordão umbilical, mas se tornou uma arte tipicamente brasileira. “Acredito muito que o Fandango que temos aqui é um Fandango nosso, brasileiro, mas que tem origens em outras regiões da Espanha e Portugal“, argumenta Aorélio.

Ele conta que a dança caiçara foi proibida no litoral no começo do século XVII, por volta de 1600. “Era proibido porque era tido como indecente e barulhento”, explica.

O mestre ressalta que o Fandango não se resume a uma dança típica, mas que existe todo um contexto cultural de apresentações como o terço cantado em latim, a folia do Divino Espírito Santo e o Boi de Mamão que engloba o uso dos instrumentos.

O Manejo da Caxeta vai permitir que mestres fandangueiros possam continuar a fazer os instrumentos que animam as festas caiçaras. Foto: Flavio Rocha/AEN

Apesar da conquista, Aorélio fala que o povo caiçara, presente no litoral do Paraná há mais de 500 anos, ainda tem uma longa batalha pela frente para defender seu território do desmatamento ambiental e preservar sua cultura.

Essa é a ponta do iceberg em relação ao território e manutenção da nossa identidade cultural. Nosso trabalho é de subsistência, não de acúmulo, então precisamos nos manter firmes para preservar nossas tradições e evitar o desmatamento desenfreado que algumas empresas propagam, que foram responsáveis por causar o risco de extinção da Caxeta”, conclui o construtor.

*Com informações da AEN