Feminicídio em Paranaguá é uma realidade, assim como a falta de estrutura para atender as mulheres


Por Redação JB Litoral Publicado 09/03/2021 às 17h18 Atualizado 15/02/2024 às 20h30

Por Marinna Protasiewytch

Dia 8 de março deveria ser um dia lembrado pela luta da mulher para conseguir igualdade. No entanto, todos os anos, cada vez mais, a data é utilizada para ressaltar os perigos de nascer no sexo feminino. Exemplos não faltam, como os casos só em 2017, Odete dos Santos, de 52 anos, e Renata Lopes Cordeiro, de 24, que tiveram suas vidas interrompidas pelos companheiros. Ana Paula Fernandes, de 31 anos, e Janaína Cristina de Oliveira de Melo, de 22, foram mortas em 2018. Já Steffany Caroline da Silva, 25, foi assassinada pelo namorado em 2020.

O último exemplo de Paranaguá aconteceu na primeira quinta-feira (4) de março, Karine Rodrigues Lourenço, 19 anos, foi assassinada com um golpe de faca. O réu confesso? Seu ex-namorado, Keldison Wualan Lourenço.

“Em 2019 ele praticou um feminicídio tentado contra a ex-mulher. Foi preso em flagrante à época dos fatos, inclusive ele é réu na ação penal dessa prática. Permaneceu preso durante um tempo pelo decreto de prisão preventiva, posteriormente foi expedido um alvará de soltura. E acabou respondendo durante um tempo em liberdade”, descreveu o delegado que cuida do caso de Karine, Nilson Diniz.

O delegado Operacional da 1ª subdivisão de Paranaguá lamenta a situação encontrada na cidade, mas também em todo o Brasil. “Infelizmente, nós ainda vivemos emergidos em uma sociedade extremamente machista. Isso faz com que grande parte das mulheres não se sintam encorajadas a procurar a polícia para denunciar. Só que o estado tem que se fazer presente, estamos ainda muito longe do que é ideal para um atendimento digno para a mulher em situação de violência. Em Paranaguá, nós buscamos um atendimento para que a mulher não seja revitimizada na própria delegacia”, relata Nilson, que convive com a falta de uma delegacia especializada na cidade há anos.

A triste realidade das estatísticas

O caso de Karine entrou para mais uma estatística, que oportunamente levantamos com o Ministério Público do Paraná (MPPR). Para a promotora de justiça de Matinhos, Carolina Aidar, os números só refletem a cultura patriarcal que a sociedade brasileira ainda vive.

“A legítima defesa da honra acabou de ser extirpada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isso aconteceu porque em 2021 ainda tinha gente que chegava no tribunal do júri e falava que uma mulher poderia ser morta para limpar a honra do marido. Isso é algo que nos faz perceber que temos muito a avançar ainda. Nós cobramos do governo estadual a criação de uma equipe especializada para atender a mulher no litoral. Assim como a criação de uma Vara Criminal só para cuidar desses casos”, pontuou Carolina.

Karine Rodrigues foi assassinada com golpes de faca pelo ex-marido em frente à irmã

A ausência de uma justiça mais célere e competente para punir pode ter sido o motivo para que Keldison estivesse livre das grades. Sem o julgamento final da primeira acusação dele, de tentativa de feminicídio, ele pode estar solto e consumar o ato com a jovem mãe de 19 anos. Karine se juntou a outras centenas de mulheres que perderam suas vidas no litoral.

Apenas Antonina e Guaraqueçaba não registraram nenhum feminicídio no último ano e no início de 2021. O fato é que por traz desses dados, existem centenas de milhares de casos de tentativas não consumadas, de mulheres que conseguiram escapar, mas que se calaram.

*Fonte: MPPR

Paranaguá está no topo da lista dos registros do MPPR quando o assunto é violência contra a mulher. Não possuir uma delegacia especializada torna a situação ainda mais preocupante.

Há anos que o atendimento é feito na Delegacia Cidadã, mas divide o espaço com outros crimes e processos. Marcia Garcia, comandante-geral da Guarda Civil Municipal de Paranaguá, explica como funciona o sistema para o cumprimento das medidas de proteção à mulher, como ordens de distanciamento.

“Nós recebemos as medidas protetivas expedidas pelo Tribunal de Justiça. Nossa equipe faz o atendimento dos pedidos já acatados pelos juízes. Deixamos um canal aberto que é o 153 para elas acionarem quando for necessário. Em casos mais graves nós fazemos visitas semanais”, revela a comandante.

Márcia Garcia é comandante-geral da Guarda Municipal e uma das responsáveis pela Patrulha Maria da Penha

Necessidade de um lugar especializado

Para o delegado Nilson Diniz é imprescindível que “tivéssemos uma delegacia da mulher para que possibilitasse o atendimento especializado. Não é um atendimento comum, ele tem que ser de forma privativa, a mulher não pode ser exposta. Nós temos uma seção de atendimento à mulher hoje, que faz parte da 1ª DP. Estamos buscando, em um futuro bem próximo, que a cidade seja agraciada com a implementação de políticas voltadas para a defesa da mulher com a instalação de uma delegacia especializada”.

Segundo Marcia, o atendimento dos profissionais de segurança é bom, mas falta uma estrutura completa. “Nós só temos uma delegacia aqui, o Nucria também atende lá. Na Delegacia Cidadã o atendimento está sendo muito bom, porque tem uma escrivã que ouve essa mulher e a orienta sobre o direito que ela tem. Mas nós vemos que em vários casos muitas retornam ao lar, porque não têm condições financeiras. Nós estamos com um projeto, em conjunto com a assistência social de Paranaguá, para ser instituída na cidade a casa da mulher, com atendimento exclusivo, como em Curitiba que tem a casa da mulher brasileira”, contou.

Nova Delegacia Cidadã de Paranaguá, prédio conta com toda estrutura adequada para atendimento ao público, com sala de plantão, investigação, cartório e demais departamentos administrativos. Os investimentos ultrapassam R$ 5 milhões. Foto: Geraldo Bubniak/AEN

Projetos de assistência à mulher

O JB Litoral teve acesso, em primeira mão, aos planos de políticas públicas para atender as mulheres parnanguaras. Na Câmara dos Vereadores a Procuradoria da mulher na Câmara é dirigida pela vereadora Vandecy Dutra (PP), mas conta com o delegado Nilson Diniz (PSL), que também é vereador, e com Isabele Dias (PSB), primeira vereadora surda de Paranaguá.

“Estamos ampliando os debates com os diversos seguimentos nos âmbitos municipal, estadual e federal para fortalecer e estabelecer a rede de proteção para as mulheres vítimas de violência. Isso poderá vir a ser uma Casa de Acolhimento. Estamos nos primeiros diálogos com alguns seguimentos, como a Secretaria de Assistência Social à frente, com as Polícias Civil e Militar, com a Guarda Municipal, com o Ministério Público, com a 1º Vara Criminal, com o Conselho Municipal das Mulheres, entre outros atores. Estamos muito no início, mas existe o sonho e precisamos caminhar muito ainda. Seguiremos firmes a esse objetivo”, ressaltou Vandecy.

Gisele Cristina da Silva, secretária Municipal de Assistência Social afirma que as políticas públicas, para melhorar o atendimento à mulher, estão sendo discutidas já neste início da nova gestão. “Posso dizer que temos uma equipe técnica pequena, mas muito preparada e comprometida e que não mede esforços pra fazer o que está ao seu alcance em prol da mulher vítima de violência. Temos observado que, apesar de todos os esforços e qualidade do serviço prestado atualmente, a presença de uma delegacia especializada seria um grande avanço”.

Ela concluiu dizendo que “além da prestação de um serviço todo formatado para a mulher, ele desafogaria o atendimento da delegacia. Sem contar que serviços especializados são capazes de chamar a atenção das vítimas e encorajá-las a denunciar seus agressores”.