Heróis anônimos: equipe do SAMU Litoral se emociona ao falar sobre a atuação ao longo dos 10 anos do órgão


Por Luiza Rampelotti Publicado 15/07/2022 às 17h20 Atualizado 17/02/2024 às 12h41

Na semana passada, o JB Litoral falou sobre o início do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) no Litoral, há 10 anos, em 4 de julho. Na reportagem especial, informamos sobre as dificuldades enfrentadas pela equipe no começo da atuação do órgão, além das atuais condições de equipamentos e recursos.

Para esta semana, o jornal apresenta os benefícios garantidos pelo SAMU à população litorânea ao longo da última década. Vale destacar que, antes de o órgão ser instituído, não havia nenhum tipo de serviço semelhante ao que, atualmente, é realizado por ele.

Quem conta mais sobre isso é a médica plantonista Valéria Santos de Oliveira. “Trabalho no Litoral desde 2002 e, antes da criação do SAMU, quando tínhamos qualquer agravo à saúde em pacientes mais críticos eram os próprios médicos ou equipe da unidade de saúde que tinha que se ausentar para transferir o paciente ao hospital de referência. E isso era bastante complexo, pois, em algum momento, estávamos atendendo um município com um único médico, por exemplo, e precisávamos nos ausentar para levar o paciente crítico à Paranaguá. Nesse meio tempo, o município ficava descoberto, o que configura para nós como uma infração ética”, comenta.

Ela comemora que, com a instituição do SAMU, em 2012, muitos desses problemas citados foram resolvidos, já que foi possível criar um sistema de atendimento primário aos pacientes e, também, um sistema secundário de transporte.

Hoje posso dizer com bastante orgulho que, apesar de o tempo ser curto, o caminho foi longo, e ainda estamos percorrendo. Temos pontos de melhorias que devem ser conquistados e que vêm sendo conquistados, mas hoje podemos dizer que temos um SAMU que consegue resolver as questões de grande parte da nossa população e que também podemos dar assistência a todos os municípios dentro dos limites da nossa legalidade”, diz a médica.

Atuar no SAMU é trabalhar com emoção


Doutora Valéria está no SAMU desde a sua criação, há 10 anos. Em um relato bem emocionado, ela conta que atuar no órgão é trabalhar com “emoção, coração e adrenalina”.

É subir num telhado, se embrenhar no mato, se jogar no mar. Tudo com um único propósito: salvar uma vida”, confessa.

Em sua visão, o Litoral do Paraná sempre foi carente de políticas públicas de saúde, e a criação do SAMU foi um divisor de águas no que diz respeito à essa situação. Além disso, ela também destaca a importância do Hospital Regional do Litoral (HRL), inaugurado em 2009, em Paranaguá, para a região.

Depois que essas duas entidades começaram os seus trabalhos, o prognóstico de vida melhorou muito. O SAMU vai buscar o paciente até nas mais longínquas ilhas e o traz ao HRL para ser salvo”, diz.

Valéria relembra as dificuldades enfrentadas pelos profissionais ao longo dos 10 anos de atuação no órgão. Segundo ela, foram situações de greve, falta de alimentação e até de água potável para os funcionários, trabalho no calor escaldante, entre outros.

Trabalhávamos num calor de 40º, com aquele macacão quente, e chegávamos na base que não possuía um ar condicionado e absolutamente nada, nem água. Mas o SAMU não pode parar, tem que ter pessoas comprometidas, que são o ponto chave do serviço. Elas têm que ter compromisso social, ou seja, saber qual é a importância do SAMU para a população. Não ficamos esperando agrado de ninguém, temos que simplesmente fazer”, desabafa.

“Levamos a doença para casa”


Ela ainda destaca o período crítico que o mundo inteiro passou com a pandemia de coronavírus. Porém, diferentemente de outros setores, o de saúde não pôde parar de funcionar durante as 24 horas do dia.

Quase todos nós pegamos a doença e graças a Deus não houve nenhum óbito entre os funcionários, mas, como levamos o vírus para dentro de casa, perdemos avós, mães, irmãos. Alguns de nós perderam marido e mãe ao mesmo tempo. Isso parte nosso coração por termos prejudicado nossa família”, lamenta.

Entretanto, apesar das dificuldades, a médica revela que o amor pela profissão e por vidas é o que faz com que todos trabalhem com muita dedicação. Ele conta que todos os profissionais têm várias histórias com o SAMU, desde pessoais até as relacionadas aos atendimentos.

Por exemplo, existe um envolvimento muito grande nos partos que a gente faz, que é uma dádiva, comemoramos com alegria porque é uma vida que está vindo. Também nos conectamos com aquele paciente que tentou suicídio e ficamos horas no telefone junto com ele, às vezes perseguindo a pessoa para descobrir onde ela está, chamando a polícia”, conta.

Valéria reforça que a missão de quem trabalha no SAMU é a de salvar o máximo de vidas possíveis. Por isso, ela diz que os profissionais já entraram, até mesmo, no meio de tiroteios para tentar resgatar uma pessoa. “E a gente faz isso independente do que o paciente fez ou deixou de fazer, porque não somos juízes, nossa missão é salvar vidas, de quem quer que seja”, diz.

Heróis anônimos


A médica também comenta sobre o sentimento dos profissionais que atendem acidentes de trânsito, por exemplo. Ela fala que, nessas situações, muitas vezes as circunstâncias são causadas por imprudência e alcoolismo. “Nestes casos, em que se perdem famílias por erros que poderiam ter sido evitados, a gente chora, fica no chão, e dá o nosso melhor para tentar salvar as vidas”, se emociona.

Ela ainda fala sobre as situações de atendimento a pacientes em parada cardiorrespiratória, onde já teve que atender o caso no chão, em telhados e pontes. “Aonde for, a gente está lá, com o intuito de trazer aquela vida de volta, fazendo a reanimação, a massagem e, nos casos mais difíceis, acolhendo a famílias. Essa é uma outra parte muito importante do nosso trabalho, quando acontece o óbito e precisamos contar para a família, e buscamos confortar e acolher”, diz.

Com tudo isso, ela se diz muito orgulhosa de trabalhar na instituição desde o seu início. “São 10 anos de SAMU e 10 anos de luta, onde tivemos muitas dificuldades, mas também muita alegria. Conseguimos manter uma equipe unida, que se ajuda, somos companheiros de uma vida, porque o SAMU é uma pinga saborosa, licorosa, geladinha e gostosa, que a gente faz questão de tomar, porque ali o nosso intuito é um só: salvar vidas, independentemente de qualquer coisa, de dinheiro ou fama. A equipe é composta por heróis anônimos que estão ali e só representam uma bandeira – SAMU Litoral para todos, assim como é o SUS, tentando levar a vida para frente”, conclui a médica.

Os funcionários do órgão relatam histórias emocionantes, como o afogamento de dois adolescentes na região de Morretes. Apenas o mais velho foi salvo. Foto: Felipe Luiz Alves/JB Litoral

Casos emocionantes


A radioperadora Daniele Brinhosa de Oliveira trabalha no SAMU Litoral há três anos. Durante o período, ela já atuou em milhares de casos, mas, um específico a marcou para sempre.

Uma ocorrência que me emocionou muito aconteceu no início da primeira Operação Verão que eu trabalhei. Uma família estava vindo de Curitiba – o pai, a mãe, dois irmãos e uma menina. Eles queriam descer pela Serra da Graciosa para ver as paisagens, e a mãe parou para mostrar para os filhos a cachoeira. Era um menino de 16 anos e outro de 18”, começa Daniele.

Ela conta que era dezembro, num dia ensolarado e de muito calor, e os adolescentes aproveitaram para entrar na cachoeira, em Morretes. Porém, o mais novo acabou se afogando e o mais velho foi tentar salvá-lo.

O menino de 16 anos veio a óbito e o de 18 acabou se afogando também. Como era no início da Operação Verão, tínhamos uma equipe da Bravo e uma da Alfa que já estavam em Morretes e foram deslocadas, e também a aeronave Falcão”, comenta.

Quando as equipes do SAMU chegaram no local da ocorrência, Daniele relembra que o rapaz mais velho foi transferido para o hospital de Morretes, com vida, porém o mais novo acabou falecendo. “Esse caso mexeu muito comigo. Como radioperadora, sou o olho fora da base, consigo ver o sentimento das pessoas pelo telefone, e perceber aquela tragédia naquela família foi horrível. Infelizmente um filho morreu, mas conseguimos salvar o outro”, finaliza.

Nova vida


Apesar dos casos tristes de morte, o SAMU também está presente na alegria e esperança que uma nova vida traz. Para a técnica de enfermagem socorrista Priscila Aguiar, um caso de nascimento foi o mais marcante de toda sua trajetória no SAMU, que começou logo no início do órgão.

Em seu 1º ano como técnica de enfermagem no SAMU, em 2012, Priscila realizou seu primeiro parto, no meio de rua, em uma mulher em situação de rua. Foto: Reprodução/Priscila Aguiar

Teve uma situação bem no início do SAMU, que foi o 1º parto que eu fiz. Lá pelas 4h da manhã, deu entrada uma ocorrência de uma gestante próximo ao Mercado do Café, em Paranaguá, e a Bravo foi atender. Chegamos lá e pensamos: o que uma grávida está fazendo em uma ladeira como essa?”, conta Priscila.

Para sua surpresa, a gestante era uma pessoa em situação de rua, e estava dormindo em um pequeno pedaço de colchão em uma pracinha atrás do Mercado do Café. “A criança já estava coroando e não tinha como tirarmos a mulher dali porque o bebê já estava nascendo. Pedimos apoio da Alfa e, nesse meio tempo, a criança nasceu. A alfa levou a criança – que nasceu bem, linda e grande – para o HRL, e eu a gestante. Essa situação me marcou muito”, relembra.