Mais de 280 alunos de Paranaguá estão em evasão escolar; pais e responsáveis podem responder criminalmente


Por Luiza Rampelotti Publicado 20/07/2022 às 11h16 Atualizado 17/02/2024 às 13h10

Enquanto a pandemia de coronavírus estava em seu pior momento, com inúmeros casos e mortes sendo registrados diariamente, as medidas sanitárias para evitar o contágio pela doença incluíram a suspensão das aulas presenciais. Com isso, todos os estudantes do Brasil passaram a participar das aulas de maneira remota, isto é, on-line.

Em Paranaguá, com o avanço da vacinação contra o vírus e afrouxamento das medidas sanitárias, as aulas presenciais foram retomadas na rede estadual de educação em maio de 2021. Já na rede municipal, elas voltaram presencialmente em julho.

No entanto, de lá para cá, muitos alunos simplesmente não apareceram nas escolas, ou seja, abandonaram os estudos. O nome dessa situação se chama evasão escolar e é um problema que tem preocupado os órgãos de educação e, especialmente, o Conselho Tutelar.

No ano passado, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou um levantamento mostrando que o Paraná obteve taxa de evasão de 1,3% entre alunos do Ensino Médio e de 0,6% entre estudantes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Os dados informados representam 7.098 alunos que deixaram de frequentar as aulas em 2021 nos colégios estaduais, sendo 4.080 do Ensino Médio e 3.018 das séries finais do Fundamental. Porém, as séries iniciais não foram contempladas pela pesquisa.

Abandono intelectual é crime

Na cidade-mãe do Paraná, o Conselho Tutelar (CT) afirma que, somente em 2022, cerca de 284 casos de evasão escolar estão sendo registrados entre alunos, dos 4 aos 10 anos, da rede municipal e da rede estadual (Ensino Fundamental e Médio). São 136 ocorrências nas escolas municipais e 148 nas estaduais.

Como a maioria dos casos são de alunos menores de idade, a situação é caracterizada, por lei, como abandono intelectual, crime previsto no artigo 246 do Código Penal Brasileiro. O abandono intelectual ocorre quando o pai, a mãe ou responsável deixa de garantir a educação primária de seu filho sem justa causa, já que, no Brasil, o ensino é obrigatório entre 4 a 17 anos. A pena prevista é de 15 dias a 1 mês de detenção ou multa.

“Tem pai que bate o portão na nossa cara”, diz conselheira

A conselheira tutelar Camila do Rocio Lacerda Correa explica como funciona a atuação do Conselho Tutelar nestes casos. “Por lei, a escola tem que comunicar ao CT quando o aluno tiver mais de três faltas injustificadas consecutivas ou cinco alternadas. Com essa informação, vamos até a residência notificar os responsáveis, questionamos o motivo das faltas e os pais vão até o órgão para assinar uma declaração do porquê as crianças não estarem frequentando as aulas, recebem uma advertência e são comunicados que, caso a evasão continue, será realizado um Boletim de Ocorrência por abandono intelectual e o Ministério Público será comunicado”, diz.

Em casos reincidentes, após três advertências concluídas, o CT realiza o Boletim de Ocorrência contra os pais ou responsáveis pelo aluno infrequente e encaminha o caso ao Ministério Público.  

Camila comenta que, durante a pandemia, a evasão escolar foi bastante alta. Segundo ela, as justificativas dos pais eram relacionadas à falta de equipamentos eletrônicos como televisão, computador e celular. 

No entanto, mesmo com o retorno das aulas presenciais, muitos estudantes não voltaram para as escolas. “Os pais não dão muita importância, não se preocupam. Tem pai que bate o portão na nossa cara e diz que o filho não vai para escola e dane-se o Conselho Tutelar”, desabafa a conselheira.

Ela destaca que, enquanto os pais e responsáveis não se conscientizarem de que a criança precisa ir à escola, que é uma garantia para o futuro delas, os alunos ficarão abandonados e a educação irá piorar cada vez mais.

Semedi possui busca ativa pelos estudantes

A professora Luci Gonçalves Alves, chefe da Divisão de Orientação Educacional da Secretaria Municipal de Educação e Ensino Integral (Semedi), conta que a rede municipal de ensino de Paranaguá tem um projeto de busca ativa que tenta resgatar os alunos infrequentes.

Buscamos realizar um acompanhamento constante em todas as instituições através dos pedagogos orientadores educacionais, que desenvolvem ações diretamente com os estudantes e seus familiares. Com esses atendimentos, é possível gerar alguns dados que possibilitam quantificar os estudantes retidos por infrequência e por evasão”, informa.

Ela comenta que a situação de evasão escolar se agrava mais nas áreas de maior vulnerabilidade social, mas que isso não significa que outras crianças que nasceram num contexto social melhor estejam com seus direitos garantidos. “À família, à sociedade e, ao Estado, cabe a missão de fazer valer os direitos da criança e do adolescente, garantidos pela Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, reforça.

Ela também ressalta que é responsabilidade da família conduzir a criança à escola, e que isso não está acontecendo como deveria. Por isso, diante da situação, a Semedi tem feito um trabalho de investigação e prevenção, buscando as providências necessárias para que o índice de evasão escolar diminua até ser erradicado.

A integração e a conscientização de todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem são essenciais através do serviço de orientação educacional, com apoio do CT, Secretaria Municipal de Assistência Social e Ministério Público. Somente por meio dessa parceria será possível elaborar ações que visem contemplar e assegurar a permanência e o sucesso da aprendizagem dos estudantes matriculados na rede municipal”, conclui.

Cerca de 1.7 mil alunos das escolas estaduais estão evadidos

O professor Adauto Santana, chefe do Núcleo Regional de Educação (NRE), diz estar preocupado com o número de alunos da rede estadual fora das escolas. O NRE é um órgão do Estado e atende aos sete municípios do Litoral, e afirma também estar em combate constante à evasão escolar.

Chefe do Núcleo Regional de Educação comenta que 10% dos 17 mil alunos das escolas estaduais de Paranaguá estão em evasão escolar. Foto: JB Litoral

Somente em Paranaguá, existem 25 escolas estaduais, as quais são apoiadas pelos técnicos e tutores do Núcleo, que fazem um trabalho de busca ativa pelos estudantes evadidos em parceria com os equipamentos da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente. Atualmente, mais de 90% dos 17 mil alunos da rede estadual da cidade frequentam as instituições de ensino.

Porém, cerca de 1.700 estudantes não estão frequentando as escolas. “O número de alunos fora da escola ainda é preocupante. Por isso, programas como o ‘Presente na Escola’ e ‘Cultura da Paz nas Escolas’ fazem parte de ações realizadas pelo Núcleo Regional de Educação em combate à evasão escolar”, afirma o professor Adauto.