Ministério Público investiga servidores de prefeitura e Câmara de Pontal; denúncia é de improbidade administrativa


Por Flávia Barros Publicado 31/03/2022 às 14h56 Atualizado 17/02/2024 às 05h09
Prefeitura e câmara têm até a primeira semana de abril para prestar esclarecimentos ao MP; prefeito está na lista. Foto: Rafael Pinheiro/ JB Litoral

O Ministério Público do Paraná, por meio da Promotoria de Justiça de Pontal do Paraná, instaurou um Inquérito Civil Público (ICP) para investigar se os servidores da prefeitura e da câmara municipal da cidade estão cometendo improbidade administrativa. Na portaria que define a conversão da notícia de fato em inquérito, a qual o JB Litoral teve acesso, são apontados 13 servidores da prefeitura, entre eles o prefeito Rudão Gimenes, e três da câmara. A lista é de servidores que também seriam advogados e estariam exercendo a advocacia, o que pode configurar improbidade administrativa, definida na Lei 8429/1992. Segundo a lei, são caracterizados como atos de improbidade administrativa, dano ao erário, enriquecimento ilícito e violação aos princípios administrativos.

ORIGEM E PRAZOS


O ICP foi instaurado há pouco mais de dois meses, em 14 de janeiro, e teve origem da Notícia de Fato realizada em setembro do ano passado, em decorrência de um outro ICP anterior, em que foi investigada a improbidade administrativa do então assessor jurídico da Presidência da câmara de Pontal do Paraná, Carlos Eduardo Borges Marin, que estaria praticando a advocacia privada em horário incompatível com o exercício do cargo público comissionado. Naquele ICP (0188.18.000346-2) foi ventilada a informação no sentido de que inúmeros agentes públicos do Município de Pontal do Paraná exercem, ao mesmo tempo, função pública em regime de dedicação exclusiva a advocacia privada e, ainda, de que a prática é comum e reiterada nos órgãos do Município de Pontal do Paraná.

A partir da instauração do atual ICP, foram feitas diligências iniciais, em que o MP expediu ofícios à prefeitura e à câmara solicitando o rol dos agentes públicos integrantes de seus quadros, comissionados ou efetivos, que são bacharéis em direito e possuem registro na OAB; cópias das leis e demais atos normativos que regulamentam os cargos dos aludidos agentes públicos e cópia das fichas funcionais desses servidores, em que constem data de ingresso no cargo; se exerce cargo efetivo ou comissionado e a remuneração mensal.

Os órgãos foram notificados em 3 e 4 de março, com o prazo de 30 dias para enviar as documentações ao MP. Assim, prefeitura e câmara têm até o começo de abril para cumprirem o solicitado.

CITADOS


De acordo com o ICP, as informações prestadas indicam que pode haver agentes públicos em regime de dedicação exclusiva exercendo atos de advocacia privada, o que configura improbidade administrativa. O JB Litoral consultou os nomes de todos na OAB-PR. No documento, são citados, pela prefeitura:

Já na câmara, são citados:

Servidor/Agente PúblicoCargoInscrição OAB
EVANDRO MARIO LAZZARIProcurador MunicipalSim, ativa
IGOR SILVEIRAProcurador MunicipalSim, ativa
MARCELO HENRIQUE LOPESProcurador MunicipalSim, ativa
VERGINIA MARA PEDROSOProcuradora Geral MunicipalSim, ativa
MARINA MARIA KAMAROWSKI NASCIMENTODefensora PúblicaSim, ativa
RUDISNEY GIMENES FILHOPrefeito MunicipalSim, ativa
VINICIUS EPPINGERFiscal Municipal (licenciado para desempenhar o cargo de Secretário de Finanças)Sim, ativa
RENATO KOEKE TRAMUJASSetor de Compras e Licitações da SMSSim, ativa
JULIA DOMINGOS TROJANNão consta no organograma da prefeitura (disponível no portal da prefeitura)Sim, ativa
ANTÔNIO CARLOS CRUZDep. de Indústria e Comércio e Relações de Trabalho da Sec. Turismo e Desenvolvimento EconômicoNão localizada (nome pode estar incompleto)
ALINE DE CAMARGOSetor de execução fiscal da Procuradoria do MunicípioNão localizada
EMANUELLY LAISDivisão de Cadastramento e Informações da Sec. de Finanças e OrçamentoNão localizada
BRUNO PEDRUNTI DE BRITOAtua na Secretaria de Finanças e OrçamentoNão localizada (aprovado em alguns concursos para o cargo de advogado, mas não consta, ainda, no site da OAB)

Já na câmara, são citados:

ServidorCargoInscrição OAB
JOYCE MAUS MISCHURAdvogado – estatutárioSim, ativa
KELLY DEFANI SCOARIZENão consta no quadro da câmara (Portal da Transparência)Sim, ativa
MABEL VIANA DOS SANTOS BRAIANOAssessor jurídico da presidência – comissionadoSim, ativa


O QUE DIZEM OS ENVOLVIDOS


O JB Litoral procurou o Ministério Público, a prefeitura e a câmara de Pontal do Paraná.

Segundo informou a assessoria de comunicação do MP, “o inquérito civil está em andamento, não há mais informações que possam ser fornecidas nesta etapa do processo”.

Já a prefeitura afirmou ser uma investigação de rotina e nega que os servidores estejam advogando irregularmente, que estão impedidos apenas de advogar no horário de expediente e em causas contra o Município. Afirma, ainda, que respondeu ao MP que os agentes públicos e servidores não estão cometendo irregularidades, uma vez que o procurador-geral não tem processos em tramitação e até o prefeito, que também é advogado, não está exercendo a função, no momento.

A Câmara Municipal não se manifestou até o fechamento desta edição.

ESTATUTO E LEI


Para entender o que diz o Estatuto da Advocacia e a legislação em relação ao assunto e ao ICP que investiga a situação em Pontal do Paraná, o JB Litoral conversou com a especialista em Direito de Família, Processo Civil, Processual Civil e Pós-Graduanda em Gestão e Administração Pública, Lázara Daniele Guidio Biondo Crocetti, (OAB/PR n.º 42.294).


JB Litoral – Mesmo com regime de exclusividade, em quais casos os servidores públicos do legislativo e do executivo municipais podem advogar?


Especialista – Inicialmente, é necessário que se compreenda que todos os advogados, sejam eles integrantes da Advocacia Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública, Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal dos Municípios e das entidades de administração Direta e Indireta, além do regime legal próprio do ente para o qual atuam, estão subordinados ao Estatuto da Advocacia, que prevê os limites éticos e disciplinares para a advocacia. O Capítulo VII do Estatuto arrola as incompatibilidades e impedimentos. No contexto do Inquérito em questão, os cargos incompatíveis, que são aqueles que proíbem a prática da advocacia, mesmo em causa própria, são os de chefe do poder executivo, membros da mesa do poder legislativo e seus substitutos, os ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da administração pública direta ou indireta, em suas fundações, empresas controladas ou concessionárias de serviços públicos, ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais. Já os impedimentos não proíbem, mas limitam a prática da advocacia aos servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora e os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público. O Estatuto traça o limite ético para os advogados, que é bem claro. Já a legislação específica dos entes públicos traça o limite entre o servidor e a administração pública e é onde entra a questão da improbidade administrativa.

JB Litoral – Quando pode configurar improbidade administrativa?


Especialista Nos termos da Lei de Improbidade Administrativa, a conduta do servidor, vinculado à administração pública em dedicação exclusiva, mesmo que não atue nos casos em que é impedido, pratica sim ato de improbidade administrativa. Primeiramente porque a Administração Pública está remunerando o tempo integral do servidor e ele, atuando na advocacia particular, na minha interpretação, causa prejuízo ao erário, uma vez que se dedica a outra atividade que não àquela do cargo, emprego ou função vinculada à administração pública. Um exemplo simples é do advogado que, mesmo estando em expediente no serviço público, realiza, no seu expediente uma audiência para uma causa particular. No entanto, a improbidade administrativa requer a prova do dolo e do efetivo proveito do servidor em sua conduta, desta forma, o que configuraria a improbidade seria a demonstração do prejuízo ao erário, por exemplo, o servidor deveria estar prestando seus serviços no ente público, mas está em público e notório atendimento particular, ou ainda obter, por algum ato da influência do seu cargo, emprego ou função, benefício para seus patrocinados, ou seja, a improbidade depende de prova do dolo e do proveito para ser configurada. O simples fato de atuar na advocacia privada sendo caso de incompatibilidade ou impedimento por si só não levarão à condenação pelo crime contra a administração pública.

JB Litoral – Caso comprovada a improbidade administrativa, o que pode acontecer com esses advogados?


Especialista – Pela Lei de Improbidade Administrativa, as sanções vão desde a devolução ao patrimônio público dos prejuízos causados, multa, proibição da contratação com o poder público, sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica até a perda do cargo, emprego ou função. Do ponto de vista das penalidades previstas no Estatuto da Advocacia, o advogado poderá, ainda, sofrer sanções pela infração disciplinar prevista no art. 34, inciso I, cuja penalidade aplicada será a de censura, nos termos do art. 35 do Estatuto.