Nitrato de amônio nos portos do Paraná: há motivos para preocupação?


Por Luiza Rampelotti Publicado 11/08/2020 às 19h03 Atualizado 15/02/2024 às 14h12

Na semana passada (04), uma tragédia no porto de Beirute, no Líbano, chocou o mundo: a explosão de um depósito que armazenava, há seis anos, mais de 2,5 mil toneladas de nitrato de amônio, em condições precárias. O desastre deixou, até agora, 157 mortos e mais de 05 mil feridos, além de ter destruído metade da cidade.

Ainda não se sabe o motivo da explosão, mas o presidente do país, Michel Aoun, disse que a detonação do produto pode ser a responsável. Está em andamento uma investigação sobre as causas, que busca evidências para averiguar se ela foi causada por acidente, negligência ou por ação externa, incluindo o possível uso de uma bomba.

Apesar de o nitrato de amônio, um produto químico, em seu estado bruto, não ser explosivo, certas condições, como o armazenamento em local precário e o contato com altas temperaturas e com outras substâncias, podem desencadear uma explosão.

No Brasil, a substância é muito utilizada em seu “grau fertilizante”, uma vez que é essencial para o agronegócio, justamente, para fertilizar a terra e prepará-la para as plantações. No entanto, ela não é produzida no país, somente importada, e a principal porta de entrada de fertilizantes é o porto de Paranaguá, segundo o Ministério da Economia.

O porto paranaense recebe 30% do total importado. Somente nos sete primeiros meses de 2020, foram movimentadas 207.860 toneladas de nitrato de amônio nos terminais de Paranaguá e Antonina, segundo a empresa.

Produto nos dois portos

A explosão em Beirute acendeu a preocupação dos moradores do litoral, especialmente de parnanguaras e antoninenses, que convivem, diariamente, com as operações portuárias e movimentações do produto. Porém, o diretor-presidente da Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia, afirma que os portos paranaenses nunca tiveram problemas relacionados à substância. “A autoridade portuária, assim como os terminais, operadores e armazéns, atuam com os devidos planos de segurança atualizados”, garante.

Para compreender melhor a respeito dos riscos existentes no transporte e armazenagem do produto, o JB Litoral conversou com o engenheiro Ademilson Ribeiro, diretor da Aspecto Ambiental, que presta serviços de consultoria e assessoria para as empresas que pretendem obter o devido licenciamento ambiental o qual possibilita o trabalho com fertilizantes. O esclarecimento sobre o assunto pode gerar mais tranquilidade à população.

Primeiramente, para que uma empresa possa trabalhar com a substância, ela precisa seguir uma rígida regulamentação que trata acerca de sua importação, transporte, armazenamento e fiscalização, feita pelo Exército Brasileiro. A Portaria nº 147 – COLOG, de 2019, dispõe sobre os procedimentos administrativos para o exercício de atividades com explosivos e seus acessórios e de produtos que contêm nitrato de amônio. Somente após receber o certificado especial de registro, concedido mediante ajustes e adequações que envolvem a construção de armazéns, segurança do produto (para impedir desvio ou roubo), armazenagem e treinamento de pessoal, é que o empreendimento está apto para trabalhar com esse tipo de substância.

Essa portaria separa o produto em seus dois tipos: o grau fertilizante, que é o mais utilizado e importado para a fabricação de fertilizantes para o agronegócio, e o grau técnico, usado para a fabricação de explosivos, que é um produto altamente sensível e, por esse motivo, só é comercializado embalado. Esse último, eu acredito que sua movimentação deva ocorrer em um volume muito baixo no porto de Paranaguá, pois faz 15 anos que trabalho na área e nunca tomei conhecimento”, comenta o engenheiro.

Fiscalização é feita pelo Exército

Segundo Ademilson, em todas as operações as empresas precisam prestar contas ao próprio Exército, e quem inspeciona as atividades é o Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados (SFPC) da 5ª Região Militar, que atua nos portos do Paraná e Santa Catarina, ligado ao órgão. Além dos produtos químicos, o SFPC também é responsável pela fiscalização de armas e munições e blindagem de veículos.

“Quando chega um navio carregado com a substância, o importador comunica o SFPC, que vem e realiza a vistoria nas condições de armazenamento, volume da carga e etc. Quando o transportador transporta o produto também faz um relatório e envia para o Exército, especificando de onde está tirando e para onde está levando”, explica.

O porto de Paranaguá é a principal porta de entrada deste tipo de produto no Brasil – por ali, entram 30% da importação total do país. Foto: Cláudio Neves/Portos do Paraná

Empresas que trabalham com o produto

Luiz Fernando Garcia informa que somente quatro operadoras portuárias (Rocha, Fortesolo, Harbor e Terminal Portuário da Ponta do Félix) operam o nitrato de amônio nos terminais dos portos paranaenses e que 11 armazéns são credenciados para receber o produto. Porém, o Coronel Paulo Roberto Aguiar da Costa, chefe do SFPC/5, afirma que, atualmente, há um número aproximado de 30 empresas que lidam com a substância em Paranaguá.

Coronel Aguiar é o chefe do Serviço de Fiscalização, que atua nos portos paranaenses e de Santa Catarina. (Foto: AEN)

Em entrevista exclusiva ao JB Litoral, o coronel Aguiar informa que a média de movimentação mensal do produto é de 80 toneladas, variando em torno de 20 toneladas por semana. Porém, o número é dinâmico e pode ser alterado de acordo com as épocas.

Ele também esclarece que as equipes do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados da 5ª Região Militar vêm, semanalmente, ao porto Dom Pedro II para realizar o “desembaraço alfandegário” do nitrato – esse é o procedimento de liberação da importação do produto, isto é, quando ele é nacionalizado.

Sobre a importação, movimentação e armazenamento do “grau técnico” do nitrato de amônio, utilizado para a fabricação de explosivos, o coronel afirma que é bem menor, uma vez que no Paraná só há uma fábrica de explosivos, localizada na cidade de Quatro Barras.

Há risco de explosão?

Questionado sobre o risco de explosão, nos armazéns que abrigam a substância nas duas cidades, o coronel Aguiar garante que é possível afirmar que os portos paranaenses são seguros e há um nível muito baixo dessa possibilidade.

O engenheiro Ademilson compactua da mesma opinião. Porém, ele alerta que é necessário seguir as preconizações do Exército: o produto deve ser armazenado em local arejado e protegido. “O nitrato de amônio é oxidante e seu risco se dá devido a isso, porque ele pode reagir com madeira, papel, combustível, etc. e também pode criar uma atmosfera explosiva a partir de altas temperaturas, acima de 210ºC, potencializado ainda se estiver em um ambiente sem os devidos cuidados, adequações e as medidas protetivas”, diz.

É um produto que de maneira natural não explode, mas se houver as condições de umidade, temperaturas elevadas, mistura com outros elementos químicos, pode acontecer, porque ele tem um grande potencial para se tornar explosivo. Então, se for mal cuidado, mal utilizado pelas empresas, os riscos aumentam, por isso elas têm que ter muita responsabilidade”, ressalta o chefe do SFPC da 5ª Região Militar.  

A substância é um sal branco e inodoro, usado na composição de certos tipos de fertilizantes na forma de grãos. Foto: Cláudio Neves/Portos do Paraná

Não há validade para o armazenamento

O coronel Aguiar também esclarece que não há um prazo específico para a validade da armazenagem, ou seja, a substância pode ficar abrigada durante longos períodos, porém, “obviamente que quanto menos tempo guardado, melhor, porque, com o tempo, o produto vai começar a umidificar e entrar em um processo chamado de sensibilização”.

Para o engenheiro Ademilson, a dinâmica do agronegócio, no Brasil, não permite que o nitrato de amônio seja armazenado por um grande período. “Esse produto é essencial para a agricultura, o produtor precisa desse fertilizante para preparar o solo para as plantações. Então, aqui, não chegamos a ter produto parado, porque nossa economia precisa muito dele”, comenta.

Segundo ele, a tragédia, possivelmente, foi ocasionada devido a um primeiro incêndio ocorrido em local próximo do depósito onde estava o nitrato, não somente pelo armazenamento de longa data do produto. “Deve, provavelmente, ter ocorrido um incêndio perto do local onde o produto estava armazenado, com a alta temperatura o nitrato se decompôs explosivamente, e, então, criou-se uma atmosfera explosiva”, avalia.

Supervisão intensificada

Assim como todas as empresas que exercem atividades ligadas ao produto – importação, armazenamento, transporte e utilização – necessitam do registro obtido junto ao Exército, todas também são fiscalizadas pelo órgão. O coronel Aguiar afirma que o Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados da 5ª Região Militar atua efetivamente na supervisão.

Ainda antes da explosão em Beirute, já estava em andamento, no Paraná e em Santa Catarina, a Operação Spartacus, realizada pelo SFPC, para a fiscalização de todos os produtos controlados. Ela começou no dia 21 de julho e terminou na quinta-feira (06) e, nesse mesmo dia, a fiscalização foi intensificada e todos os depósitos de Paranaguá e Antonina, que abrigam produtos controlados, foram verificados. “Durante a verificação não encontramos riscos de explosão e foram encontrados pouquíssimos problemas, mas nenhum de grau de risco. Os portos paranaenses sempre estiveram seguros e, da parte que cabe à fiscalização, tudo está sendo feito corretamente”, conclui o coronel.