Novo problema antigo: mudança de concessionária não impede caos na travessia de Guaratuba


Por Luiza Rampelotti Publicado 07/04/2022 às 14h53 Atualizado 17/02/2024 às 05h47

Foram os vários problemas de acidentes, espera acima do limite, longas filas etc. que fizeram o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) do Paraná suspender o contrato para o serviço de travessia de balsa, em Guaratuba, com a BR Travessias, em fevereiro deste ano. A empresa estava atuando desde abril de 2021, mas a concessão deveria durar pelos próximos 10 anos.

No entanto, mesmo com a mudança de operadora, os problemas continuam os mesmos. Desde o dia 10 de fevereiro é a Internacional Marítima que está realizando, emergencialmente, a travessia. Porém, diariamente, inúmeros relatos demonstram o descontentamento dos usuários e, no domingo (27), o ápice: duas balsas colidiram provocando medo às pessoas e danos aos automóveis.

O acidente inédito é apenas mais uma das situações caóticas ocorridas na balsa durante o mês de março. Desde o dia 18, os usuários têm registrado, por meio de vídeos e reclamações nas redes sociais, as longas filas, lentidão na travessia e transtornos nas embarcações.

De acordo com o DER, o órgão solicitou esclarecimentos à empesa e abrirá processo administrativo para apuração das responsabilidades e aplicação das medidas cabíveis. A Marinha do Brasil, por intermédio da Capitania dos Portos do Paraná (CPPR), também informou que enviou, no mesmo dia, uma equipe de Inspeção Naval para averiguar a situação do acidente e que instaurou um inquérito administrativo a fim de apurar a causa do incidente e possíveis responsabilidades.

Entenda o acidente: O ferry-boat Piquiri bateu na balsa Vitória durante a atracação em Caiobá. Não houve registro de vítimas e nem de grandes avarias nas embarcações, mas, pela inércia, alguns veículos se movimentaram e sofreram danos.

Diante da situação, a Controladoria-Geral do Estado (CGE) adiantou para segunda-feira (28) a visita ao serviço de travessia da baía de Guaratuba. E, durante a averiguação, foram constatadas algumas situações atípicas, como a falta de uniformização da Internacional Marítima e de avisos de segurança aos usuários.

Essas informações serão incluídas em um documento que será entregue ao DER, junto com mais elementos colhidos. “O resultado desse trabalho será encaminhado ao DER, à Marinha do Brasil e à Agência Reguladora, além da própria empresa, para que os problemas levantados sejam corrigidos, garantindo a segurança e tranquilidade da travessia”, afirma o controlador-geral do Estado, Raul Siqueira.

Ele também destaca que o contrato atual possui as mesmas exigências daquele feito com a BR Travessias. “São questões que precisamos cobrar de maneira que o contrato seja efetivamente cumprido.  A nova empresa opera em regime de permissão, conforme contrato assinado no começo de março”, diz.

Subsídio para cumprir o contrato

O acordo com a BR Travessias foi interrompido por descumprimento contratual, comprovado pelas reclamações recebidas pela Ouvidoria e pelas inspeções periódicas feitas pela CGE. A empresa chegou a receber mais de 200 autos de infração do Governo do Estado. O valor estimado do contrato para os 10 anos de serviço era de R$ 134.8 milhões, com arrecadação exclusiva da cobrança de tarifa da travessia paga pelos usuários.

Mas, agora, com a Internacional Marítima, além da continuidade dos problemas, o que mais tem chamado a atenção é a quantia que será paga pelo Estado para garantir que ela cumpra o contrato (diferente do acordado com a empresa anterior, por exemplo, que destacava que todos os custos com manutenção, mão de obra e demais investimentos deveriam ser subsidiados apenas com a cobrança tarifária): serão mais de R$ 50.3 milhões durante os seis meses trabalhados, além da receita advinda com a arrecadação da tarifa da balsa – cujo menor preço é R$ 8,90 e o maior R$ 80,10.

Segundo o DER, a única previsão de receita para a empresa é o valor cobrado pela tarifa, porém, ela receberá mais de R$ 8.2 milhões para “combustíveis, lubrificantes e embarcações afretadas”; R$ 5.8 milhões para “serviços complementares de operação” e R$ 36.3 milhões para realizar as “intervenções necessárias para quatro conjuntos de atracadouros e três ferry-boats pertencentes à operação da travessia, para restabelecer as condições de segurança e operacionalidade do sistema”.

Em comparativo, caso o contrato de 10 anos com a BR Travessias fosse cumprido, a empresa receberia uma média mensal de R$ 1.1 milhão com as tarifas e deveria executar as obras previstas, além de custear os gastos decorrentes com a operação. Já a Internacional Marítima deverá embolsar cerca de R$ 8.3 milhões por mês, pagos pelo Estado, durante seis meses, além dos valores cobrados pela balsa e pagos pelos usuários, conforme contrato que não está disponível no DER.

Sem respostas

O JB Litoral questionou o DER a respeito da suspensão do contrato com a empresa anterior, indagando a respeito dos valores arrecadados de abril de 2021 a fevereiro de 2022 pela BR Travessias, e se ela pagaria alguma multa ao Governo devido ao descumprimento contratual.

Também foi perguntado se o órgão já registrou alguma infração contra a Internacional Marítima e se já recebeu reclamações dos usuários sobre a empresa. No entanto, nenhum dos questionamentos foi respondido até o final desta reportagem. Também não foi possível encontrar no Portal da Transparência do Governo do Estado os pagamentos efetuados, até o momento, para ambas as empresas.

O jornal também questionou a Internacional Marítima por e-mail, visto que é a única opção de contato, a respeito do valor arrecadado com as tarifas no último mês, bem como a média de circulação diária de veículos na balsa, entre outras questões. Mas, até o momento, não houve respostas.

Na visão dos moradores

Bráulio Augusto Pedrotti é morador de Guaratuba há 32 anos, proprietário do Bangalô dos Pastéis e, atualmente, presidente da Associação Comercial e Empresarial de Guaratuba (ACIG). De acordo com ele, os problemas com a balsa têm afetado negativamente o comércio local.

Basta se colocar no lugar do turista – se hoje vou passar o fim de semana em um lugar e sei que ficarei parado 4h numa fila, não irei. Guaratuba não está sendo uma escolha muito favorecida e isso impacta no nosso comércio, porque no final das contas, vivemos dos finais de semana ensolarados, com turistas na praia, que vêm gastar e girar nossa economia”, diz.

Ele também informa que, na qualidade de presidente da ACIG, tem se reunido com responsáveis técnicos pela Internacional Marítima para compreender os próximos passos a serem adotados pela empresa. “Percebemos que a empresa é um modelo de patamar, opera várias travessias no Brasil inteiro e muito mais complexas do que essa que temos em Guaratuba. A questão é que eles pegaram um ambiente totalmente caótico, balsas completamente destruídas, uma sucateada, os atracadouros detonados. As manutenções estão sendo feitas, isso é perceptível, mas é uma obra que leva tempo”, comenta.

Bráulio afirma acreditar que, no período de 60 dias, as manutenções terão sido finalizadas e a situação estabilizada, especialmente no que diz respeito à demora e filas de espera. “Porém, acredito que a solução seria realmente a ponte. Moro aqui há mais de 30 anos e nunca vi o processo tão avançado como está agora. Acho que deixou de ser um conto de fadas e está se tornando realidade”, conclui.

Quem descumpriu o contrato foi o Estado”, diz BR Travessias

O JB Litoral também procurou a BR Travessias para entender os motivos do descumprimento contratual que levou a empresa a ter o contrato com o Governo Estadual rescindido. De acordo com Wanderley Paixão, diretor da companhia, quem descumpriu o contrato foi o próprio Estado.

O contrato de concessão foi rescindido pelo Estado por caducidade, pois eles alegavam descumprimento. Ocorre que, na verdade, quem descumpriu com as bases do contrato foi o próprio Estado, quando fechou os olhos à necessidade de reequilíbrio econômico financeiro e não deu qualquer chance de a empresa prestar adequadamente o serviço”, afirma.

Ele destaca que existem vários pleitos da BR Travessias justificando a necessidade de recomposição do contrato e que o Estado silenciou. “Com o novo contrato emergencial se confirmaram todas as solicitações da BR e a situação foi agravada. Já há um mandado de segurança em curso para retomada da atividade em razão de ato ilegal do Estado e, nos próximos dias, serão protocoladas ações buscando o reequilíbrio que não foi concedido a título indenizatório”, informa.