Pandemia faz crescer ansiedade e agitação em alunos da educação especial


Por Luiza Rampelotti Publicado 11/09/2020 às 19h07 Atualizado 15/02/2024 às 15h33
apae, paranagua

A educação pública já enfrentava grandes desafios no Brasil antes do coronavírus. Com a pandemia e a suspensão das aulas presenciais, as dificuldades foram acentuadas, já que o conteúdo do ano letivo precisou ser adaptado para o ensino remoto e muitos estudantes não possuem acesso à internet, televisão e/ou auxílio para a realização das atividades em casa.

No caso da educação especial, os desafios são ainda maiores, uma vez que se não forem constantemente estimulados, os alunos correm o risco de perder o desenvolvimento já adquirido. Por isso, a Escola Municipal de Ensino Especial Eva Teresa Cavani, em Paranaguá, tem buscado, mesmo em meio ao isolamento social, manter os estudantes próximos do ambiente escolar.

São 240 alunos, entre 8 e 62 anos, matriculados no Ensino Fundamental e na Educação de Jovens e Adultos (EJA) na escola. Para oferecer um atendimento de qualidade a todos, além de professores e pedagogos, a instituição conta, também, com 3 psicólogos, 1 enfermeira, 2 fisioterapeutas, 1 fonoaudiólogo, 1 terapeuta ocupacional, 1 assistente social, 1 médico neurocirurgião e 1 psiquiatra.

Antes da pandemia, os profissionais cumpriam jornada presencial diariamente, exceto pelos médicos, que atendiam (e continuam atendendo) presencialmente uma vez por mês. Porém, com o vírus, todo mundo precisou se adaptar – profissionais, alunos e seus familiares – e agora as aulas e atendimentos estão ocorrendo, principalmente, de maneira virtual.

Atividades virtuais ou impressas

Cada professor tem um grupo de WhatsApp composto pelos alunos, familiares e pedagogos e, ali, vamos dando suporte e passando as atividades. À medida em que os pais solicitam atendimento com psicólogos ou psiquiatra fazemos o meio de campo pelo aplicativo. Em casos mais graves, realizamos um acompanhamento mais próximo”, explica a supervisora pedagógica Sheila Regina Batista Ferreira Pereira.

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“Eles precisam da gente, às vezes somos os únicos a dar carinho, atenção. Aqui é como se fôssemos uma família”, diz Sheila

No caso daqueles que não têm acesso à internet, são disponibilizadas atividades impressas. A escola avisa aos familiares para a retirada dos exercícios e, em alguns casos, leva para os alunos. “Temos uma grande dificuldade com a alteração de números de telefone e endereços, pois os pais trocam e não nos avisam e já chegamos a levar as atividades nas casas. Pedimos, portanto, que sempre os responsáveis atualizem os dados para mantermos esse contato”, diz.

Psicólogos on-line

Outra dificuldade está na falta de acesso aos meios de transporte pelos estudantes, o que prejudica a realização dos atendimentos presenciais. “97% dos nossos alunos dependem do transporte escolar, que está suspenso, e a maioria dos pais não consegue trazer os filhos para alguma consulta”, afirma Sheila.

A solução encontrada foi oferecer as consultas de maneira remota, especialmente com os psicólogos, já que durante a pandemia os problemas de saúde mental estão aumentando em escala preocupante. Um estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro aponta que os casos de depressão quase dobraram e os de ansiedade e estresse tiveram um aumento de 80%.

A psicóloga Bruna Caroline Alves dos Santos comenta que, para tentar minimizar a ansiedade e o estresse, as consultas estão acontecendo on-line. “Nessas consultas, tentamos orientar da forma que conseguimos, também saber qual a necessidade deles, para que a gente consiga minimizar o máximo de ansiedade possível, além dos outros tipos de demandas que podem surgir”, explica.

Consultas presenciais

Quando o atendimento on-line não é suficiente, há, também, a agenda para consulta com o médico neurocirurgião e com o psiquiatra. Cada atendimento presencial acontece individualmente, somente com o paciente e seu responsável, seguindo as medidas de prevenção contra o vírus. “Essa consulta acontece uma vez por mês porque a maioria dos alunos não pode parar a medicação, que é de uso contínuo, então fazemos a receita e a regulagem das doses e dos remédios. Caso haja a interrupção do medicamento, eles sofrem de problemas de agitação psicomotora, convulsões e etc.”, informa o neurocirurgião da escola, Aramis Pedro Teixeira.  

Neurocirurgião da escola explica que o isolamento social fez crescer os casos de ansiedade e agitação entre os alunos com deficiência

Segundo ele, com o isolamento social, a falta de interação entre os alunos e sem o contato com o ambiente escolar, a agitação nos estudantes aumentou muito. “O ambiente escolar, além de acalmar, promove toda uma atividade interativa, deixando os estudantes mais tranquilos. Esse período longo em casa, muitas vezes sem quintal, fechados em poucos cômodos, gera muita agitação a ponto de automutilação”, comenta.

Sheila também reforça que o momento tem sido muito difícil para os alunos. “O contato deles sempre é o abraço, beijo, carinhos, então não ter o contato físico é difícil. Muitos só têm a escola e sentem muita falta do professor, porque ele não é só aquele que faz a troca do conhecimento, mas quem eles têm como uma segunda mãe ou pai. Eles precisam da gente, às vezes somos os únicos a dar carinho, atenção, não vemos eles como diferentes, aqui somos todos iguais, como se fôssemos uma família”, destaca.

Como vai ser no ano que vem?

A dúvida que paira sobre todo mundo, especialmente com relação à educação, é: “como será o ano que vem?”. Caso até lá as atividades presenciais retornem, a continuidade dos conteúdos, em 2021, poderá ser prejudicada pela alteração no formato de ensino durante o ano letivo de 2020. É o que pensa Sheila.

Para ela, a pandemia criou uma lacuna no ano escolar que demorará muito para ser recuperada. “É preocupante porque não sabemos o que vai acontecer. No nosso caso, se os alunos não forem constantemente estimulados, eles perdem o que foi adquirido. Sabemos que não estamos conseguindo contemplar todos eles, possibilitando todos os processos de aprendizagem, mas não é porque não queremos, mas não estávamos preparados para o coronavírus. Só vamos saber como conseguiremos superar essa lacuna e recuperar o que ficou para trás daqui uns dois ou três anos, depois de muitos estudos e pesquisas a nível científico”, conclui.