Paranaguá 370 anos: Um presente que será desfrutado pelas gerações futuras 


Por Luiza Rampelotti Publicado 29/07/2018 às 20h05 Atualizado 15/02/2024 às 04h10

Paranaguá está completando 370 anos de muitas histórias, cultura, saberes e tradição. A cidade pequena, no litoral do Paraná, com um povo caloroso, que mantêm viva as tradições culturais, recebeu um presente de muito valor, que ficará para as futuras gerações: registros da memória da cidade e de seu povo.

O historiógrafo José Maria de Freitas, o Zé Maria como é carinhosamente conhecido,  hoje com quase 80 anos, nasceu em Paranaguá, é dentista aposentado e voluntário do Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá (IHGP). É um guardador das memórias da cidade, juntamente com a equipe do IHGP, que considera como família, principalmente seu amigo Siqueira, que faleceu há três meses e deixou muitas saudades. “Ele quem me ajudava, era um grande amigo. Sinto muito a falta dele”, relembra.

Há 40 anos entrou para a equipe do instituto e começou a ajudar a registrar a história da cidade em áudio, vídeo, fotografias, tudo também digitalmente. Sua casa tem um canto que lembra um museu, quase como uma extensão do IHGP, onde guarda inúmeros arquivos de livros, jornais, revistas, apresentações culturais, fotografias, entre outros, desde materiais recentes até os que datam centenas de anos atrás.

Cantinho do historiador – onde a cultura de Paranaguá é registrada

Em seu acervo digital e físico, o historiógrafo guarda dos primeiros livros que contam a história do município, de autores como Manoel Viana, até as primeiras edições do JB Litoral, acompanhando todo o desenvolvimento do Jornal ao longo dos anos. Além do JB Litoral, inúmeros outros jornais, de circulação na cidade e litoral, são digitalizados, para que nunca se percam e possam contar a história de Paranaguá no futuro.

Diversas edições do JB Litoral
Jornal Diário do Comércio, o mais antigo do Paraná

Ativo na sociedade

Zé Maria foi um participante ativo do cenário cultural do município, tanto como diretor de clubes sociais, como o Olímpico, Rotary, entre vários outros, quanto trazendo o teatro, música e cenografia para as escolas, e até produzindo carros alegóricos e desfilando para escolas de samba. ”Na medida que a idade foi chegando e eu não podia mais fazer as coisas com aquela vivacidade, pular de um carro alegórico para outro, passei a me dedicar a guardar documentos”, diz.

Sempre trabalhando nos bastidores, ele faz questão de lembrar que sua relação com a preservação da história começou por acaso. “Foi o poeta e historiador Anníbal Ribeiro Filho que me convidou para fazer parte do instituto. Na época eu disse que não tinha jeito para a coisa, meu interesse era o carnaval, o futebol. Mas ele afirmou: ‘Um dia você vai ter mais coisas do que imagina’. E olha aí no que deu”, relembra, mostrando as dezenas de caixas que armazenam o dia-a-dia do município em páginas, e os três computadores, um para cada função, que conservam estes documentos para a posterioridade.

Trabalho voluntário

Zé Maria afirma que o trabalho feito é voluntário. “Minha maior satisfação é saber que isso tudo será passado de geração para geração, como um presente a Paranaguá. Eu não me preocupo em emitir opinião, somente em preservar a história. Claro que apenas parte dela, mas o meu papel eu estou fazendo”, diz.

Todos os equipamentos tecnológicos e até mesmo uma máquina artesanal para fotografia dos jornais, parecida com uma prensa, produzida manualmente por Zé, foram obtidos sem apoio financeiro nenhum. “Não recebemos nada por este trabalho, é voluntário”, diz. “Assim não temos nenhum limite e registramos tudo o que pudermos”.

Revista “O Itiberê”, a última de grande repercussão na cidade

Apesar dos quase 80 anos, que serão completados em outubro, ele continua com toda a disposição reunindo documentos, fotografando e digitalizando. Completamente lúcido, ele recorda as diferenças entre as épocas de sua mocidade e atualmente. “Antigamente havia mais interação social, mais laços humanos. Havia clubes onde a comunidade se reunia para conversar, dançar, hoje em dia a gente não vê mais isso. Sinto falta desse maior contato com a sociedade”.

Jornal Itiberê da época de 1880

Registro da imprensa parnanguara

Hoje em dia ele afirma que passa a maior parte do tempo no escritório, onde trabalha no acervo. “Aqui eu digitalizo tudo o que eu recebo, tanto para o Instituto quanto para o meu arquivo pessoal. Essas caixas de jornais são todas minhas, faço a assinatura de todos eles, e com o tempo também vou digitalizando. Todos os jornais da cidade, desde os grandes até os pequenos, eu tenho aqui, se não todas as edições, pelo menos grande parte. E assim a história da cidade vai sendo contada”, fala.

Sua maior preocupação é com quem deixar tudo isto devido a sua idade avançada, desabafa. “Logo o meu tempo acaba e quem vai cuidar de tudo isso?”, questiona. Para ele, é importante que nada se perca com o passar dos anos, que tudo seja bem cuidado e que as próximas gerações conheçam cada detalhe do nosso tempo. “Eles vão saber das brigas políticas, das roubalheiras, os artistas que nós tínhamos, vão saber quais jornais existiam, os livros que foram produzidos, o modo que era falado, o tipo de música, de apresentações culturais. Esse é o meu pagamento, saber que estamos fazendo este trabalho”.

Amigos que são personalidades culturais

Humilde, o historiógrafo faz questão de lembrar de seus parceiros do IHGP a todo momento. “Este trabalho só é possível devido a todos nós do instituto, meu amigo Siqueira, a Presidente Guadalupe Vivekananda, a Maria Helena Nizio e muitos outros, que estão por aqui hoje, mas aqueles que também já se foram”. Os amigos e colaboradores do instituto também têm o acervo documentado em formato digital. “Se alguma coisa acontecer, pelo menos um dos arquivos tem de sobreviver”, graceja seu Zé.

O IHGP

Criado em 26 de setembro de 1931, o Instituto História e Geográfico de Paranaguá com um acervo bibliográfico de mais de 2 mil exemplares, e recebe pesquisadores de todo o Brasil em busca de informações para teses de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado e entre outros estudiosos que buscam conhecer a história de Paranaguá e do Paraná.

São livros, jornais, porcelanas, armas, moedas, instrumentos de trabalho e peças de mobiliário dos séculos XVII e XVIII, itens que retratam diferentes momentos da história. Destacam-se a imagem de Nossa Senhora das Vitórias e o canhão corsário francês, que naufragou na ponta da Ilha da Cotinga em 1718 e foi encontrado por membros da Sociedade Geográfica Brasileira em 1963.

Segundo seu Zé Maria, qualquer cidadão que quiser contribuir com o IHGP, pode. “Quem quiser deixar um registro próprio para o futuro, pode ir até o instituto e levar o documento que desejar que seja digitalizado ou guardado. Pode ser livro de autoria própria ou não, vídeos com apresentações culturais, cd’s com músicas autorais, fotografias, projetos e etc”, explica. Mesmo com o passar dos anos, o legado da preservação da memória da história e cultura da cidade continuará. É este o meu presente para Paranaguá por seus 370 anos”, encerra.