Paranaguá: a ponta do iceberg das investigações sobre lavagem de dinheiro e tráfico internacional


Por Redação JB Litoral Publicado 01/12/2020 às 18h15 Atualizado 15/02/2024 às 17h36

Por Ricardo Vieira

A ação conjunta da Polícia Federal (PF) com a Receita Federal, deflagrada na última segunda-feira (23), foi mais uma fase da “Operação Enterprise”, que teve início em 2017, quando servidores da Receita Federal do Brasil impediram o embarque de quase 780 quilos de cocaína, que estavam sendo exportados pelo porto de Paranaguá, com destino à Bélgica.

A partir dessa investigação, um inquérito policial foi instaurado, desvendou uma imensa organização criminosa, que utilizava os portos brasileiros para exportação de drogas ao exterior, quase sempre com destino à Europa. “Hoje é um dia histórico para a Polícia Federal, porque estamos mostrando para a sociedade a maior ação do ano e, com o decorrer da análise do material, eu posso dizer que vai ser a maior operação da história em lavagem de dinheiro do tráfico internacional de drogas”, comemora o diretor Nacional de Repressão a Drogas, Armas e Facções Criminosas, delegado Elvis Secco.

O trabalho mostrou que a organização criminosa é liderada por um brasileiro, residente na Europa, e dividida em sete grupos. Dois deles em Paranaguá, onde atuavam no armazenamento e carregamento da cocaína nos contêineres. “Paranaguá é o grande centro da organização no Paraná. O dinheiro movimentado, no envio de cocaína pelo porto, fez pessoas enriquecerem muito rápido. De uma hora para outra, gente que não tinha nada apareceu com quatro, cinco carros importados, construindo mansões à beira-mar no litoral do Paraná”, comenta o delegado.

Os outros cinco grupos tinham funções estratégicas. No interior de São Paulo, em São José do Rio Preto, um era responsável pelo transporte aéreo da cocaína vinda da Bolívia. Na capital paulista, outro cuidava do transporte da droga em caminhões. Um terceiro era encarregado pelo transporte da cocaína do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para as cidades portuárias do Paraná e São Paulo. No Rio Grande do Norte foram identificados dois grupos: um que enviava para a Europa, por barcos pesqueiros, e outro que fazia o envio do entorpecente escondido em cargas de frutas.

Modo operante

As investigações desvendaram o modo operante e as funções delimitadas a cada membro do núcleo da organização criminosa. Em 2017, por exemplo, na primeira fase da operação, 11 integrantes da facção agiram em conjunto para a exportação de 780 quilos de cocaína para a Bélgica, escondidos em tubos de PVC. O principal braço da organização criminosa, sediado em Paranaguá, contava com um líder do grupo regional, que era comandado diretamente pelo chefe da facção, o brasileiro residente na Europa.

Dois colíderes da facção local foram responsáveis por coordenar a operação de exportação das drogas ocultadas nos contêineres, no porto Dom Pedro II.  Outros dois fizeram a locação do barracão, utilizado para armazenar a cocaína e financiaram, por intermédio de uma empresa de fachada, o despacho de exportação do contêiner que comportava as drogas. Um dos integrantes, utilizando documentos falsos, fez o despacho da exportação. Dois investigados eram responsáveis pelo transporte aéreo da cocaína, de São Paulo para Paranaguá.  E, por último, outros dois indivíduos coordenavam o transporte, via terrestre, do estado paulista para o litoral paranaense.

Nessa fase da operação, em Paranaguá, os policiais apreenderam mais 200 quilos de cocaína, com um dos alvos da investigação, o que totalizou em 50 toneladas da droga, apreendidas desde o início da ENTERPRISE, e que, de acordo com o delegado Elvis Secco, o prejuízo não representa quase nada para a organização. “Nós temos um recorde histórico, de mais de 50 toneladas de cocaína apreendidas em portos do Brasil, da Europa e da África, e mesmo assim essa organização criminosa enriqueceu, robusteceu, estendeu seus braços, comprando dezenas de aeronaves…” “Não adianta divulgar prejuízo para o tráfico pela apreensão de droga, só se gera prejuízo com a lavagem de dinheiro, com sequestro patrimonial, com a prisão das lideranças e com a identificação dos grupos financeiros dessas organização criminosas”.

Lavagem de dinheiro muito sofisticada

Segundo o coordenador da operação, delegado Sérgio Luís Stinglin de Oliveira, chefe do Grupo de Investigações Sensíveis da Polícia Federal, o objetivo da operação, além da apreensão de drogas, era desarticular a lavagem de dinheiro do tráfico. “É uma operação muito grande, a lavagem de dinheiro deles é muito sofisticada. Eles conseguem colocar valores no mercado em empresas grandes, na compra e venda de imóveis e veículos”, ressalta o delegado.

Mais de 1 bilhão de reais em bens foram bloqueados, entre aeronaves, imóveis, carros de luxo e joias.  De aeronaves, a operação sequestrou um total de 37, só uma delas, na Europa, está avaliada em US$ 20 milhões, equivalente a quase R$ 107.000.000,00. Entre os imóveis, uma mansão, na Espanha, avaliada em 2 milhões de euros, mais de R$ 12 milhões. Na casa de um dos alvos, em Lisboa, Portugal, foram encontrados 11 milhões de euros no porta-malas de uma van. “Mas é tanto dinheiro, tanto dinheiro, que eles guardavam numa van. Demonstra aí a impunidade que essas organizações criminosas acreditam ter e que na verdade a Polícia Federal está demonstrando que não tem”, enfatiza o delegado Elvis Secco.

Apreensão de mais de R$ 2,3 bilhões, incluindo euros

No total, foram cumpridos 215 mandados de ordens judiciais, expedidos pela 14ª Vara Federal de Curitiba, nos estados do Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco. Foram 66 mandados de prisão e 149 de busca e apreensão. 40 pessoas foram presas, 37 no Brasil, uma no Panamá, uma na Colômbia e uma na Espanha.

Cerca de 400 milhões de reais em imóveis, carros, joias e aeronaves foram bloqueados. Além da apreensão de dinheiro em espécie: R$ 1.141.002,00, U$ 169.352,00, € 9.000,00 e 1.120 Dirham (moeda dos Emirados Árabes Unidos).

No litoral, 26 pessoas foram alvos da operação, 4 em Antonina e 22 em Paranaguá. Além do litoral, ordens judiciais foram cumpridas em Curitiba e São José dos Pinhais.

Participaram da operação 670 agentes da Polícia Federal e 30 da Receita Federal, com apoio da Interpol e da Europol, a agência europeia de investigação criminal.