Paranaguá tem tradição clandestina de corridas de cavalo, mas autoridades desconhecem a prática


Por Luiza Rampelotti Publicado 01/08/2020 Atualizado 15/02/2024

No final do mês passado, um vídeo que mostrava um acidente durante uma corrida de cavalo, em Paranaguá, viralizou nas redes sociais. Somente por meio da divulgação da filmagem, parte da população descobriu que na cidade acontecem essas corridas, as chamadas carreiras.

A descoberta gerou surpresa até para o vereador Thiago Kutz (Republicanos), que se elegeu, em 2016, sob a bandeira de proteção aos animais. Ele compartilhou o vídeo em suas redes sociais e se pronunciou afirmando que não tinha conhecimento de que, na cidade, aconteciam corridas de cavalos.

Indignante ver esse vídeo, será que as autoridades precisam que ocorra uma tragédia como esta para tomar providências? Estou me informando melhor sobre a situação e irei formalmente denunciar no Ministério Público, Polícia Militar, Guarda Municipal, Secretaria de Meio Ambiente, IAP e até no IBAMA, se necessário”, disse.

Além disso, ele afirmou que as corridas “são acometidas de, pelo menos, quatro crimes, o mais grave deles é pôr em risco a vida de crianças e adolescentes, ilícito tipificado no Estatuto da Criança e do Adolescente; crime de maus tratos aos animais; exploração de apostas sem autorização legal; e desmatamento em área de preservação ambiental”.

Para o vereador, o vídeo demonstrou a prática de maus-tratos contra os animais. “Não apenas aos cavalos, mais outros animais que aparecem no vídeo, como o cachorro que foi atropelado, assim como o adolescente montado e o cavalo. Não deixarei esse absurdo impune”, afirmou.

Diante da repercussão do caso, o JB Litoral procurou um dos participantes assíduos das corridas para entender melhor como funciona a prática na cidade. Acompanhe a reportagem e conheça mais sobre essa modalidade de esporte com cavalos.

Como funcionam as corridas

A corrida de cavalos, também conhecida como turfe ou corrida hípica, é um dos esportes equestres mais antigos de que se tem registro. Ela é praticada desde a época da Grécia Antiga.

Hoje em dia, a forma mais popular da atividade é o turfe, praticado conforme sua origem na Inglaterra, durante o século XVII. Nessa modalidade, é comum que os espectadores das corridas possam apostar em seu cavalo favorito.

Quem participa dessas corridas é chamado de cavaleiro ou jóquei. A competição se dá em pistas especialmente preparadas, denominadas de hipódromos. No entanto, em Paranaguá, não existe um local específico e legal para a realização da disputa, o que torna a prática, em espaços clandestinos, irregular.

Há cerca de quatro anos, as corridas, na cidade, acontecem em um espaço localizado no Rio da Vaca, na Vila Garcia. Mas a área se encontra em uma propriedade particular da Copel, de acordo com o participante e jóquei Allan Izaque Francisco. Por isso, ele afirma que após a repercussão do vídeo citado e as denúncias efetuadas, a Justiça embargou a realização das carreiras, também em função da pandemia do coronavírus.

O jóquei Allan Izaque é parnanguara e participa das corridas na cidade e em vários outros municípios e estados. Foto/Acervopessoal/Allan Iaque

Aos 26 anos de idade, o parnanguara Allan comenta que participa de corridas de cavalos desde sua infância. “Com 10 anos já comecei a participar, com 13 saí para correr em outras cidades”, conta.

Ele afirma que já disputou em eventos realizados em Curitiba e Região Metropolitana, Balsa Nova, Contenda, Clevelândia, Itajaí e Joinville, as duas últimas em Santa Catarina. “Morei em Clevelândia e em Curitiba, sempre para participar das corridas e me profissionalizar mais. Graças a Deus quando saio para outras cidades e estados para competir, sempre sou bem recebido e tenho tido a sorte de ganhar as corridas”, diz.

Paranaguá é um berço de talentos

Allan descreve a cidade como sendo um “berço para revelar talentos de jóquei”. “Hoje, tenho quatro amigos parnanguaras que saíram daqui e estão morando em São Paulo, outro está fora do Brasil, em Cingapura. Todos estão correndo lá fora e sustentando a si mesmos e suas famílias por meio das corridas de cavalo”, comenta.

Ele informa a respeito do funcionamento das carreiras em Paranaguá: “é assim: não tem um responsável ou organizador, os proprietários de cavalo conversam entre si e marcam a corrida, geralmente de dois em dois meses, porque tem um prazo para cuidar dos animais, eles têm que ser tratados e não podem correr de maneira seguida. Na maioria das vezes, a carreira acontece em um domingo à tarde, e reúne muito público, as pessoas levam a família e vão assistir. Já é uma tradição muito antiga”, diz.

A respeito do cuidado com os cavalos, o jóquei afirma que eles são “super bem tratados”, e contam com apoio de profissionais veterinários, que acompanham os tratamentos dos animais e atestam seu bem-estar. “Qualquer um pode ir ver os cuidados que temos com os cavalos. Acho que o vereador errou ao afirmar que eles sofrem de maus-tratos, ele tinha que buscar saber melhor. Acredito que os cavalos de corrida são os animais que são melhores tratados”, garante.

Segundo ele, o vídeo divulgado com a cena do acidente, que ganhou muita repercussão, foi cortado e não mostrou que, segundos depois, o cavalo, o cachorro e o cavaleiro se levantaram, sem sérios ferimentos. “Infelizmente o acidente aconteceu, mas, felizmente, ninguém se machucou, nem os bichos e nem quem estava correndo. A gente fazia as corridas naquele lugar já há quatro anos e nunca tinha acontecido algo do tipo antes, mas acidentes acontecem em todos os esportes, só que esse deu o que falar”.

Tentativa de regularização das corridas

Após as denúncias, Allan informa que os proprietários de cavalos, os jóqueis e participantes das corridas estão buscando criar uma associação, com o intuito de regularizar a prática na cidade. “A gente fazia ali no Rio da Vaca porque é o único lugar que temos, mas estamos fazendo essa associação para tentar conseguir mais apoio e fazer uma raia bem certinha. Se tivéssemos uma área particular, um terreno, seria bem mais fácil, porque queremos que, em dia de evento, a gente possa pedir uma ambulância e, caso aconteça algum acidente, o atendimento já seja prestado no local. Estamos correndo atrás”, esclarece.

Com o embargo determinado pela Justiça e a parada na realização das disputas, os participantes estão buscando a regularização do esporte e esperançosos com a volta das competições. “A gente só precisa de mais apoio para conseguirmos fazer tudo certo, não de tantos julgamentos. A corrida de cavalo é um esporte, em todos os lugares tem”, diz.

Para concluir, Allan Izaque faz um pedido emocionado: para que não acabe as corridas. “A gente pede que não acabem com as corridas. Gostamos muito de fazer isso. Peço que o povo procure saber mais da nossa história antes de sair falando. Tem muitas crianças e jovens que sonham com um futuro nessa área, que querem viver disso, e isso pode acontecer”, finaliza.

Apostas são legais

É importante salientar que, no Brasil, as apostas hípicas, ou seja, em corridas de cavalo, são totalmente legais, legalizadas da mesma forma que as loterias. O esporte é regido pelo Código Nacional de Corridas e por lei federal.

O Código Nacional de Corridas é uma instrução normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, atualizada em 2012. Além disso, a regulamentação das apostas foi feita pela Lei Federal nº 74.291/84 e o Decreto nº 96.993/88.

A competição de turfe mais importante no país é o Grande Prêmio Brasil, realizada todos os anos no Jockey Club Brasileiro, sediado no Rio de Janeiro. No Paraná, em Curitiba, está localizado o segundo hipódromo mais antigo do país, o Jockey Club do Paraná.