Impasse em Morretes: com Plano Diretor de 2011, Câmara trava aprovação da revisão realizada em 2023


Por Luiza Rampelotti Publicado 10/06/2024 às 18h15
A presidente da Casa de Leis, Luciane Coelho, e o vereador Eloi Nogueira foram dois dos quatro parlamentares que votaram contrários à aprovação do novo PDM, em abril. Foto: Divulgação/Câmara de Vereadores
A presidente da Casa de Leis, Luciane Coelho, e o vereador Eloi Nogueira foram dois dos quatro parlamentares que votaram contrários à aprovação do novo PDM, em abril. Foto: Divulgação/Câmara de Vereadores

O Plano Diretor Municipal (PDM) é a bússola que guia o desenvolvimento urbano de qualquer cidade, norteando seu crescimento e organização espacial. Conforme o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), o PDM deve ser revisto a cada 10 anos para se adaptar às novas demandas e realidades. Em Morretes, o Plano vigente, datado de 2011 (Lei Complementar nº 6/2011), ultrapassou o prazo para revisão, tornando-se inadequado às necessidades atuais da cidade.

Após um longo e participativo processo, a revisão do PDM de Morretes foi finalizada em agosto de 2023, representando um passo importante para o futuro da cidade. No entanto, a aprovação do novo Plano pela Câmara de Vereadores, essencial para sua implementação, ainda não aconteceu. Os projetos de lei enviados pelo Executivo aguardam aprovação há 10 meses, gerando uma espera que coloca em risco o desenvolvimento urbano do município. 


Entenda


A Prefeitura de Morretes iniciou as mobilizações para a revisão do PDM em 2021, contratando a Fundação da Universidade Federal do Paraná (Funpar) para a elaboração do estudo. O processo, iniciado em 2022, priorizou a participação social em todas as etapas, seguindo as diretrizes do Estatuto da Cidade e as recomendações do Ministério das Cidades. Foram realizadas cinco oficinas com a população e quatro audiências públicas (em março, julho e outubro de 2022, e a última em maio de 2023), garantindo que a comunidade tivesse voz no futuro do município.

Todas as audiências foram comunicadas à população e aos vereadores da cidade, que foram convidados a participar, conforme cópias de e-mails às quais o JB Litoral teve acesso. As etapas também foram divulgadas no site da Prefeitura e nas redes sociais oficiais.

Em agosto de 2023, após a conclusão de todas as fases, o prefeito Sebastião Brindarolli Júnior (PSD) encaminhou à Câmara os Projetos de Lei (PL’s) Complementar de números 038 a 043/2023, que compõem o novo Plano Diretor. No entanto, a tramitação na Casa de Leis se tornou um impasse, com quase nove meses de paralisação e sem qualquer sinal de inclusão na pauta de votação.


Reprovado pela Câmara


Preocupado com o atraso, em abril deste ano o chefe do Executivo solicitou a tramitação em regime de urgência, buscando acelerar a aprovação do Plano. A medida surtiu efeito, mas não o esperado. Os PL’s entraram na ordem do dia e foram submetidos à votação na sessão do dia 29 daquele mês, sendo reprovados por quatro votos contrários e seis favoráveis. Para aprovação em primeira discussão, seria necessária a maioria absoluta, com pelo menos oito votos favoráveis.

Ao JB Litoral, o prefeito Brindarolli Júnior lamentou a “aparente procrastinação da Câmara na análise dos projetos de lei referentes à revisão do PDM”. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral
Ao JB Litoral, o prefeito Brindarolli Júnior lamentou a “aparente procrastinação da Câmara na análise dos projetos de lei referentes à revisão do PDM”. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

Enviamos os projetos do novo PDM em agosto de 2023 para a Câmara, e está lá desde então. Alguns vereadores querem fazer uma nova audiência pública. Eu entendo que eles, de repente, queiram ouvir novamente a população, mas digo que as audiências públicas já foram feitas. A população foi convidada a participar, assim como os vereadores; aqueles que quiseram participar e contribuir, participaram”, afirma o prefeito Brindarolli ao JB Litoral.

Os parlamentares que se opuseram à proposta argumentaram que era fundamental realizar audiências públicas para debater o Plano Diretor diretamente na Câmara, mas afirmaram não ter conseguido organizar tais eventos. Votaram contra o novo PDM a presidente da Casa, Luciane Coelho (Podemos), Eloi Nogueira (Republicanos), Deimeval Borba (Republicanos) e Julio Cesar Cassilha (MDB).

Embora o Estatuto da Cidade garanta que o Poder Legislativo tem a autoridade de promover audiências públicas e debates com a participação da população no processo de elaboração do PDM, é importante ressaltar que a competência para a edição do Plano é privativa do Município.

Para a secretária municipal de Urbanismo, Jéssica Montalvão, “entende-se desnecessária a realização de novas audiências públicas, uma vez que as matérias foram exaustivamente debatidas em fase preliminar à conclusão dos projetos de lei e a proposta atende fielmente as necessidades da população, mormente daqueles que participaram das discussões em momento oportuno”, disse ao JB Litoral.


Experiências do Litoral


Além disso, no Litoral, não é comum que as Câmaras de Vereadores realizem audiências públicas após a conclusão do processo de revisão do PDM. Em Guaratuba, por exemplo, o novo Plano Diretor, cuja revisão foi iniciada em 2021, foi aprovado em outubro do ano passado, após 13 meses de estudos, audiências e reuniões técnicas. A Câmara, além de participar dos encontros promovidos pelo Município, decidiu realizar sua própria audiência, que ocorreu em agosto daquele ano, sem causar atrasos ao processo.

Já em Paranaguá, o processo de revisão do Plano Diretor Municipal foi iniciado em 2019 e concluído em novembro de 2022, quando a Câmara de Vereadores aprovou a proposta. Os projetos de lei que compunham a nova legislação chegaram à Casa em agosto, sendo votados em apenas dois meses. “Os vereadores participaram ativamente das audiências públicas promovidas pela empresa contratada pela Prefeitura para a revisão do PDM, contribuindo também para a formulação do novo Plano. Por isso, entendeu-se que não seria necessário realizar uma audiência pública exclusiva pelo Poder Municipal, já que a discussão final seria encaminhada para lá, onde houve uma sessão ordinária em que os vereadores fizeram apontamentos através de emendas ao projeto. Dessa forma, a Câmara de Paranaguá não foi protagonista em realizar uma audiência pública específica, pois essas já ocorriam durante os quase dois anos de elaboração do novo PDM, com participação ativa dos vereadores”, afirmou a Assessoria de Imprensa da Câmara ao JB Litoral.

Já em Pontal do Paraná, Matinhos, Antonina e Guaraqueçaba, os processos de revisão dos respectivos planos seguem em andamento. Até o momento, nenhuma audiência pública foi promovida pelas Câmaras, apenas pelas prefeituras.


O que diz a Câmara


Ao JB Litoral, a presidente da Câmara de Morretes, Luciane Coelho, reiterou que o novo PDM foi reprovado devido à falta de audiências públicas na Casa, “conforme solicitado pela população“. Segundo ela, quando os projetos de lei chegaram ao Legislativo, foram encaminhados à Procuradoria para parecer e, em seguida, “enviados para licitar e contratar uma empresa para realizar as audiências públicas“.

Na Câmara de Morretes, está em andamento o Pregão 6/2023, aberto no ano passado, para contratação de serviços técnicos de assessoria, análise e acompanhamento da tramitação do Plano Diretor nas Comissões Permanentes da Casa. No entanto, o Portal da Transparência não apresenta informações ou documentação sobre o andamento do procedimento licitatório, nem o valor máximo da possível contratação.

Em contraste, uma pesquisa no Portal da Transparência da Câmara de Guaratuba, que realizou audiência pública durante a revisão do PDM, não encontrou registros de contratação para tal fim. Além disso, a direção do Poder Legislativo guaratubano confirmou que foram as próprias Comissões Permanentes da Casa de Leis quem conduziram a audiência.

Questionada sobre a previsão para a votação do PDM pela Câmara de Morretes, a presidente afirmou ter recebido orientação do Jurídico da Casa de que não é obrigatória a votação do Plano Diretor neste ano, por ser um ano eleitoral. “Entretanto, sete vereadores protocolaram o desarquivamento do PDM, que começará a tramitar novamente do zero, incluindo audiências pela Câmara“, afirmou.

Luciane Coelho também assegurou que a Câmara “não está tentando prejudicar o desenvolvimento do Município em nenhum momento. No entanto, esta Casa busca trabalhar dentro da legalidade e atender aos anseios do povo que nos elegeu para representá-los, por isso é responsabilidade da Casa não silenciar a voz da população“, concluiu.

Durante o processo de revisão, foram realizadas cinco oficinas com a população e quatro audiências públicas (em março, julho e outubro de 2022, e a última em maio de 2023), garantindo que a comunidade tivesse voz no futuro do Município. Foto: Prefeitura de Morretes
Durante o processo de revisão, foram realizadas cinco oficinas com a população e quatro audiências públicas (em março, julho e outubro de 2022, e a última em maio de 2023), garantindo que a comunidade tivesse voz no futuro do Município. Foto: Prefeitura de Morretes

MPPR não encontrou problemas na revisão do PDM


Já o promotor de Justiça Silvio Rodrigues dos Santos Junior, do Ministério Público do Paraná (MPPR) em Morretes, afirmou ao JB Litoral que o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (GAEMA) tem acompanhado as revisões dos Planos Diretores de alguns municípios do Litoral. No entanto, segundo ele, o órgão não fez nenhum questionamento quanto ao processo de revisão do Município de Morretes.

A análise final será realizada após a conclusão da votação do Plano Diretor, pois existe a possibilidade de alteração pela Câmara, tornando inviável proceder com o estudo sem a votação do texto final“, disse.

Em fevereiro deste ano, o prefeito Brindarolli enviou o Ofício nº 61/2024 à presidente da Casa de Leis, expressando sua preocupação com a “aparente procrastinação na análise dos projetos de lei pertinentes à revisão do PDM“. Ele também explicou as consequências da não revisão do Plano Diretor Municipal, destacando que poderia resultar na “restrição de acesso a recursos públicos para investimentos em desenvolvimento urbano, como obras de pavimentação e aquisição de equipamentos“.

Atualmente, Morretes encontra-se em estado de alerta devido à defasagem legal em relação ao Plano Diretor e sua revisão, o que pode causar prejuízos à municipalidade, uma vez que a conformidade normativa é um requisito essencial para habilitar o Município a se inscrever ou candidatar-se a projetos e planos do Governo Federal e Estadual que viabilizem repasses financeiros para obras e aquisição de equipamentos“, informou o prefeito.

No documento, ele também destacou que o novo Plano Diretor foi atualizado com uma série de aprimoramentos, que incluem medidas para preservar o patrimônio histórico e cultural da cidade, melhorar a mobilidade urbana, criar áreas verdes e espaços de lazer para a população, incentivar empreendimentos turísticos que respeitem a conservação da paisagem natural, além de promover a geração de emprego e renda através da economia verde, entre outras iniciativas.

Comentar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *