Implosão de pedras submersas no Canal da Galheta será realizada nos próximos dias
Por Katia Brembatti
Uma atividade inédita, no porto de Paranaguá, está prevista para acontecer em junho: é a derrocagem, um processo de retirada de rochas submersas. As Pedras Palanganas – na ponta da Ilha da Cotinga e quase em frente ao Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP) – representam um obstáculo perigoso e também um custo logístico para a atividade portuária na região. A partir de implosões, pedaços da formação rochosa serão removidos do trajeto usado pelas embarcações.
De acordo com o diretor-presidente da empresa pública Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia da Silva, além de melhorar a navegabilidade e dos ganhos operacionais com o aumento do calado, uma das principais motivações para a derrocagem é a segurança. Ele afirma que, graças ao trabalho realizado pela praticagem e pela Marinha, a navegação no Canal da Galheta é realizada sem grandes problemas, mas que a retirada das pedras submersas representa a oportunidade de diminuir o risco de encalhe de navios e, por consequência, de desastres ambientais.
Dos 200 mil metros cúbicos do maciço rochoso, 23 mil (ou seja, pouco mais de 10%) devem ser removidos. Garcia da Silva faz questão de frisar que a área da baía de Paranaguá tem, aproximadamente, 600 quilômetros quadrados e que apenas o equivalente a 0,02 km² será afetado pela derrocagem. A profundidade atual que, no trecho mais crítico, é inferior a 12 metros, deve passar para 14,6 metros. Depois de todo o processo de retirada das pedras, batimetrias (medições submersas) serão realizadas para verificar o novo calado – que, depois, dependerá de homologação (uma espécie de confirmação oficial) pela Capitania dos Portos.
As datas das implosões dependem de uma série de fatores, como condições do tempo e, ainda, não estão confirmadas. Contudo, há uma expectativa que a primeira aconteça em 25 de junho. O trabalho ficou a cargo do Consórcio Boskalis, Fabio-Bruno, SLI e DEC, e o investimento público é de R$ 23 milhões. Garcia da Silva acredita que essa é a primeira derrocagem em um porto público no Brasil realizada na última década. Ele cita que a intervenção é mais comum em rios e menciona o exemplo do Pedral do Lourenço, no Pará, que envolve uma retirada muito maior, de um maciço de 1 milhão de metros cúbicos.
Trabalho em partes
A derrocagem é uma atividade complexa, mas controlada, com uma série de procedimentos antes, durante e depois das implosões (chamadas de expansões). Ao contrário do que muita gente pode imaginar, não será possível ver grandes explosões. A água absorve parte da onda de choque e que o será perceptível, por alguns segundos, será uma espécie de grande bolha de ar chegando à superfície.
A implosão não será feita em uma única vez. O trabalho foi dividido em seis partes, sendo que a menor tem 361 metros cúbicos e, a maior, 8 mil. Uma embarcação perfura vários pontos nas rochas e instala dispositivos de desagregação. Durante o processo, há uma série de cuidados para que pessoas e animais não se aproximem. Avisos sonoros são emitidos, observadores e mergulhadores vasculham a área e há um monitoramento do perímetro, num raio de um quilômetro.
Durante a derrocagem, a Capitania de Portos se comprometeu a dar apoio, evitando a aproximação de pequenas embarcações. Como fica no canal de navegação, já não é uma região usada para a pesca (aliás, ali a prática é proibida). Todo o processo de retirada das pedras deve durar quatro meses, mas o monitoramento ambiental, mapeando impactos, se estende por um ano.
Após a implosão, uma draga será usada para recolher, no fundo do mar, as pedras menores que resultaram do processo. A expectativa é, por meio de britagem, promover o reaproveitamento dessas rochas, que podem ser usadas em obras nas cidades do litoral do Paraná. A forma como a destinação desses resíduos será feita, ainda não foi detalhada.
Porto garante que derrocagem não vai atrapalhar operação
Apesar dos cuidados necessários para evitar riscos durante as implosões, a administração afirma que a derrocagem não causará atrasos na operação portuária. De acordo com o diretor-presidente da empresa pública Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia da Silva, os procedimentos serão feitos em “janelas” de seis horas cada, interrompendo a navegação dentro dos limites já estimados pelas embarcações, em situação de mau tempo, por exemplo. “Não haverá prejuízo”, garante. Além disso, há um acesso alternativo, chamado de canal do Surdinho, que está recebendo nova sinalização náutica. O trecho tem calado de 12 metros, com segurança para entrada e saída de navios de grande porte.
Cortina de bolhas e outras técnicas serão usadas para afugentar animais
Os principais riscos das implosões submersas das Pedras Palanganas são para os animais que vivem no Canal da Galheta. Para tentar diminuir os impactos, os cuidados começam bem antes da retirada das rochas. Especialistas mergulharam na região para apontar o tipo de vida marinha que habita o local, já pouco propício para concentração de espécies, devido ao tráfego pesado de navios. Eventuais tocas encontradas serão fechadas.
Na noite anterior a cada detonação, redes de pesca serão colocadas próximas às rochas para capturar peixes e transferi-los para outros lugares. A partir de então, será instalada uma cortina de bolhas (um círculo formado por uma mangueira perfurada que libera ar), para inibir os animais a entrarem na área das rochas. Ainda antes das implosões, dispositivos acústicos (pingers) serão usados para evitar a aproximação de golfinhos e botos. Observadores ficarão responsáveis por alertar, caso algum animal chegue perto do local da detonação, que será interrompida em caso de avistamento.
Se algum animal morrer durante o procedimento, há a previsão de encaminhá-lo a um laboratório para investigar a causa da morte. Luiz Fernando Garcia da Silva, diretor-presidente da empresa pública Portos do Paraná, conta que não há estimativa de perdas, pois os cuidados prévios devem reduzir drasticamente a probabilidade. “Em uma obra em Santa Catarina, estabeleceu-se que os peixes mortos no processo seriam doados, mas quase não teve”, comenta.
Além das ações realizadas antes e durante as implosões, o procedimento prevê um monitoramento ambiental a ser realizado no período de um ano, para saber quais foram os impactos na fauna das detonações e também dos outros recursos usados, como as redes, a cortina de bolhas e os dispositivos acústicos.
Muitas preocupações ambientais marcam o procedimento
O Ministério Público (MP) encaminhou para a Portos do Paraná uma recomendação sobre a derrocagem das Pedras Palanganas. O documento de 44 páginas – que começa com os versos do conhecido poema de Carlos Drummond de Andrade, “no meio do caminho tinha uma pedra” – serve como um pedido de providências e também um aviso: caso a questão seja judicializada no futuro, fica evidente que o alerta foi feito antes da realização da obra. O MP aponta riscos e ações esperadas.
Diante da recomendação, o diretor-presidente da empresa pública Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia da Silva, comenta que teve reuniões com a promotoria e que muitas das indicações apontadas já estão contempladas. “Ficamos felizes porque percebemos que cerca de 80% do que foi pedido já foi atendido. E até a mais. Um exemplo é que foi solicitado o esvaziado de 500 metros e estamos fazendo com mil”, conta. Ele acrescenta que sobre os 20% restantes, serão apresentadas justificativas ou ainda se buscará contemplar as recomendações.
O biólogo Caio Fernandes, colunista do JB Litoral, também listou preocupações. Ele explica que a derrocagem pode atingir espécies ameaçadas de extinção, principalmente tartarugas marinhas, toninhas (botos) e tubarões, que têm o ciclo reprodutivo na baía. Fernandes também destaca que as implosões podem acarretar aumento da mortalidade de animais, com reflexos na cadeia pesqueira, e também em outros espaços, como manguezais.
Ele afirma que mesmo com os recursos usados, supostamente para proteger a fauna, há potencial para causar problemas. O afugentamento com as bolhas, os dispositivos sonoros e as vibrações causadas pelas implosões vão afetar a vida marinha. Um exemplo é a água mais turva e o levantamento de partículas do fundo do mar. As redes usadas para evitar a aproximação dos animais precisa de cuidados frequentes, com pessoas para retirar aqueles que ficaram presos e, principalmente, evitar que emaranhados de fios se desprendam, o que causariam a chamada “pesca fantasma”, que provocaria a morte indesejada de peixes.
Cuidados adicionais
O biólogo questiona as metodologias usadas para que os animais não sofram muito e quais compensações serão adotadas em caso de mortes, que não deve ser apenas financeira, mas também em programas ambientais. Fernandes enfatiza que há uma cadeia, com espécies que dependem de outros organismos, como vegetação e plânctons, que podem ser alteradas com a derrocagem. “E se acabar o recurso de alimentação?”, indaga. Os impactos podem se estender para quem depende do recurso pesqueiro, nas ilhas e comunidades tradicionais, tanto nos dias de implosões, como na sequência.
O colunista salienta que, apesar de a área de derrocagem ser supostamente pequena, atinge toda uma macrorregião, como a Área de Proteção Ambiental (Apa) de Guaraqueçaba e a Estação Ecológica da Ilha do Mel. “Estamos aqui dentro do complexo Lagamar, maior remanescente de Mata Atlântica e considerada reserva da biosfera”, comenta. Fernandes afirma, também, que as implosões vão acontecer no ano dos oceanos, da Organização das Nações Unidas (ONU). “Uma atividade desse impacto pode acabar trazendo uma perda inestimável de espécies, da fauna marinha, da biota. E uma vez realizado, não dá para voltar atrás”, alerta.
O diretor-presidente da empresa pública Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia da Silva, afirma que a obra foi licenciada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e que todos os cuidados possíveis foram tomados. A autorização foi concedida em 2016, juntamente com a licença da dragagem de aprofundamento do Canal da Galheta, como parte de um processo integrado de aumento do calado. Ele ainda declarou que a derrocagem foi discutida junto à comunidade nos últimos cinco anos e cumpriu todas as exigências ambientais, com programas de monitoramento, ações mitigadoras e compensatórias. Entre as ações realizadas está a construção de 14 trapiches (dois já entregues na Ilha do Mel, cinco em execução e sete em licitação).