Novos portos em Paranaguá? O que se sabe sobre os projetos previstos para a cidade
Por Katia Brembatti
Dois empreendimentos portuários privados estão previstos para serem instalados em Paranaguá, com o objetivo de disputar o mercado de importação e exportação de cargas. Os projetos estão em fases distintas, mas têm algumas semelhanças, como a localização. Ambos ficam entre a foz do rio Embocuí, perto da Ilha dos Currais, e a foz do rio Emboguaçu, numa área à esquerda do porto de Paranaguá. Para traçar o panorama do setor, a reportagem do JB Litoral buscou documentos que revelam a situação de cada um e quais os passos seguintes.
O projeto que está há mais tempo tentando se viabilizar é o Novo Porto Terminais, da Cattalini Empreendimentos – empresa dos herdeiros de Stefano Cattalini, ramo da família que dividiu a atuação em 2012 quando vendeu para o Rocha Terminais Portuários e Logística a metade da Cattalini Terminais Marítimos. A ideia de construir um porto começou a ser colocada em prática em 2008, quando o terreno foi comprado, antes mesmo da mudança da poligonal portuária –concretizada em 2016, tirando a área de dentro do porto organizado e permitindo a instalação de terminais privados.
Os pedidos de autorização na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e de licenciamento ambiental foram feitos em 2013. A licença prévia foi concedida em 2014 e, dois anos depois, o órgão federal deu anuência para o empreendimento. Começava a fase de licença de instalação, que dependia do antigo Instituto Ambiental do Paraná (IAP), atualmente chamado de Instituto Água e Terra (IAT).
Em 2019, o Novo Porto entrou na Justiça para acelerar o licenciamento, alegando que tinha prazos assumidos com a Antaq e poderia perder autorizações já concedidas. Em decisão liminar (provisória, sem análise do mérito), o Judiciário determinou que o órgão ambiental concluísse a avaliação do caso. A licença foi concedida, mas foi contestada em ação judicial pelo Ministério Público, com argumentação de irregularidades no processo. O andamento da obra foi barrado por liminar, que está sendo contestada pelo Novo Porto, mas segue valendo – ou seja, nada pode ser feito na área.
O projeto
O investimento previsto no Novo Porto é de cerca de R$ 4 bilhões, sendo a maior parte vinda de Rosanna Cattalini e das filhas Fernanda e Vanessa. Angela, irmã de Rosanna e filha de Stefano Cattalini, desistiu da empreitada em função das dificuldades encontradas. O projeto é de um porto multipropósito (termo que substitui multicargas), com possibilidade de movimentação de granéis sólidos, líquidos, minerais e contêineres, e com capacidade para que sete navios atraquem no píer.
Segundo César Soares Neto, representante legal do Novo Porto, a previsão é de que, quando iniciada a obra, a construção leve três anos, ocupando 70% do terreno de 1,8 milhão de metros quadrados – o restante será destinado para a reserva. Em função das necessidades logísticas e também a pedido de Stefano Cattalini, que foi caminhoneiro no início da vida profissional, o projeto prevê um pátio interno com capacidade para 700 caminhões na primeira fase, podendo chegar a 1,2 mil em uma etapa de expansão. O acesso prevê uma entrada à esquerda, no sentido de quem desce a serra pela BR-277, na região do posto da Polícia Rodoviária e antes de chegar ao pátio de triagem.
Por estar fora da poligonal, o Novo Porto não teria a obrigatoriedade legal de contratar TPAs (trabalhadores portuários avulsos), o que é considerada uma vantagem competitiva. Mas o empreendimento assinou um termo de compromisso com sindicatos locais, prometendo priorizar a mão de obra local e oferecendo vagas a TPAs. Segundo Soares Neto, a estimativa é gerar cerca de 3 mil empregos diretos.
Porto Guará
Em 2018, mais um projeto de porto privado em Paranaguá foi oficialmente apresentado. O Porto Guará se encontra em fase preliminar, esperando autorização de órgãos públicos. O processo de licenciamento prévio está tramitando pelo Ibama. Os estudos ambientais foram iniciados, mas interrompidos ou postergados por causa da pandemia. Já na Antaq, o anúncio público 07/2020 confirmou a manifestação de interesse em seguir com o projeto.
O investimento está orçado em R$ 4 bilhões em 10 anos, financiado pelas empresas La Violetera e Martini Meat. O Porto Guará se propõe a ser multipropósito, com foco em granéis sólidos, apostando na expansão de venda de grãos para o mercado asiático. Além da movimentação estimada de 18 milhões de toneladas, ao ano, e de 1 milhão de TEUs (medida para cargas conteinerizadas), projetou uma área de armazenagem para 1,2 milhão de toneladas e 28 mil TEUs. O empreendimento prevê a geração de 800 empregos diretos na fase operacional. Igualmente não haveria a obrigação de contratar TPAs.
JB visitou a área prevista para a instalação dos novos portos
Por terra e por mar, a equipe do JB Litoral esteve, quinta-feira (20), na região prevista para a instalação dos dois portos privados. Para chegar ao local mais próximo dos terrenos dos empreendimentos é preciso pegar uma estrada de chão nas proximidades do antigo lixão de Paranaguá, passando em meio às cavas. O caminho mais à esquerda leva até o Parque Santa Clara, conhecido pela locação do espaço para festas. É o acesso mais fácil ao terreno do Novo Porto. Já pela estrada da Fazenda Areia Branca é possível chegar ao portão do Guará. São 3,5 quilômetros a partir do antigo lixão.
Ambos os terrenos dos portos estão numa área de mata nativa, como foi possível ver de cima, com o auxílio de drone. Já com o uso de lancha, a aproximação mostrou as margens repletas de manguezais. O local também é muito perto da Ilha dos Currais, área de preservação. Contudo, os dois portos alegam que apresentaram soluções ambientais para ter o menor impacto possível, como a construção de lança de píer (ou píer em lança), que avança, dentro da água, mil metros distantes da costa. Os navios não atracariam na margem. Assim, o mangue não seria alterado, de acordo com o projeto. A estrutura seria feita com estacas e alta o suficiente para que barcos pudessem passar por baixo.
Quem é quem: as pessoas que estão ligadas ao Porto Guará
Algumas personalidades bem conhecidas em Paranaguá e outras nem tanto estão atuando diretamente para viabilizar o Porto Guará. Luiz Henrique Tessutti Dividino foi diretor-presidente da APPA de 2012 a 2018. Depois de passada a quarentena obrigatória, a partir da saída do cargo, Dividino teria tentado, segundo César Soares Neto, auxiliar no projeto do Novo Porto, mas as negociações não avançaram. O ex-presidente passou a colaborar com o Porto Guará e, segundo a assessoria de imprensa do empreendimento, ele atuou apenas como consultor.
Quem está à frente do Porto Guará, como diretora de Desenvolvimento, é Xênia Karina Arnt. Ela assina os documentos enviados a órgãos públicos, como Antaq e Ibama. Xênia já foi diretora financeira da APPA e também chefe de gabinete durante a gestão de Dividino. De acordo com a agenda pública do secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni, uma reunião aconteceu em abril com a presença de Xênia, para tratar do Porto Guará. O JB Litoral buscou entrevistar os representantes do projeto, mas apenas recebeu respostas em texto enviado pela assessoria de imprensa.
Xênia: a ex-diretora financeira da APPA e chefe de gabinete na época da gestão de Dividino é a diretora técnica do Porto Guará. Foto: APPA Dividino: ex-diretor presidente da APPA teria oferecido serviços ao Novo Porto, mas acabou atuando como consultor no Porto Guará. Foto/Appa
Com presença bem mais discreta na cidade, outro nome que aparece nos documentos é o do empresário Celso Frare, com atuação em vários segmentos e dono de milhares de hectares em diversas fazendas. É fundador da Ouro Verde Transportadora e também da Ritmo Logística. Tem ligação, ainda, com a Martini Meat, empresa que aparece como investidora do Porto Guará. Em 2020, por exemplo, se reuniu com o prefeito de Rio Grande (RS), na condição de presidente da Martini Meat (de acordo com informações do site da prefeitura).
Frare foi preso em 2018, na operação Rádio Patrulha, a mesma que levou, pela primeira vez, o ex-governador Beto Richa a ser detido, em plena campanha eleitoral. Eles foram acusados de corrupção num esquema de compra de maquinário para obras em estradas rurais. Imagens do empresário com um pacote de dinheiro circularam à época, e ele chegou a confessar ter dado R$ 700 mil para a campanha do ex-governador. O processo ainda segue em tramitação judicial.
A relação de Frare com o Porto Guará é direta. Ele comprou a área 17 anos atrás. Antes, o terreno tinha abrigado uma fábrica de pias de mármore que teria penhorado a propriedade por causa de uma dívida, atraindo o interesse de integrantes da família do Grupo Bradesco, que adquiriu a área de 200 hectares. No início dos anos 2000, a região na margem esquerda do rio Emboguaçu passou para as mãos do empresário. Mas, de acordo com a assessoria de imprensa do Porto Guará, já foi solicitada à Junta Comercial uma alteração contratual em que Frare deixa de ocupar qualquer cargo na sociedade, passando parte dos negócios para os filhos.
Antaq determina alteração de projeto que interfere na área de manobra de navios
Vizinhos, o Novo Porto e o Porto Guará estão vivendo um momento de divergência. É que o píer de um está se sobrepondo ao outro, atrapalhando a navegabilidade. Como o Novo Porto apresentou o projeto há mais tempo, e já conta com a documentação regularizada na Antaq, tem preferência em relação ao projeto mais recente, do Porto Guará.
A questão é bem técnica, relacionada à área de giro, às bacias e às necessidades no que diz respeito a manobras de navios. Segundo o representante do Novo Porto, César Soares Neto, se o desenho do píer do Porto Guará for mantido como está, nem sequer seria possível que embarcações acessassem dois dos berços internos do Novo Porto. Por causa disso, um documento chamado inviabilidade locacional foi emitido pela Antaq, no dia 5 de maio, comunicando ao Porto Guará sobre a necessidade de alteração no projeto e dando 30 dias de prazo para a apresentação da mudança.
TCP tenta barrar concorrência, mas tem pedido negado
A empresa TCP, do Terminal de Contêineres de Paranaguá, buscou impugnar a instalação do Porto Guará, pedindo que a Antaq negasse a autorização para o empreendimento. O argumento apresentado é de que o concorrente causaria um desequilíbrio econômico-financeiro no contrato de arrendamento. Em 2016, a TCP antecipou a renovação, garantindo mais 25 anos de exploração dos serviços. Caso não tivesse se adiantado, o prazo venceria em 2023 e só então seria negociado. Mas, com a estratégia, tem a operação assegurada até 2048. Em troca, se comprometeu a fazer investimentos de R$ 1,1 bilhão.
A TCP alega que a renovação do contrato foi baseada em um estudo de viabilidade que não considerava outros concorrentes no entorno. Assim, havia uma estimativa de movimentação de cargas praticamente exclusiva para o segmento de contêineres. Outra argumentação apresentada à Antaq é de que, por estar fora da poligonal, o Porto Guará também teria vantagens competitivas, como menor gasto com pessoal, já que não estaria obrigado a contratar TPAs (trabalhadores portuários avulsos). Essa é a primeira vez que uma tentativa formal de barrar a concorrência, feita pela TCP, vem a público. A empresa foi procurada pela reportagem do JB Litoral e, via assessoria de imprensa, apenas informou que não comentaria o caso.
A Antaq recusou o pedido afirmando que a TCP era conhecedora das regras que incentivam a livre concorrência, previstas na Lei dos Portos, de 2013, quando assinou a renovação do arrendamento, em 2016. Mesmo com a negativa no órgão federal, não está descartada uma batalha na Justiça para debater o direito de instalação.