Prisões efetuadas não refletem número real de casos de abuso sexual infantil em Paranaguá


Por Luiza Rampelotti Publicado 21/05/2020 Atualizado 15/02/2024

Na semana em que a população se mobiliza para o combate ao abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, data instituída no Brasil há 20 anos, no dia 18 de maio, por meio da Lei nº 9.970/2000, o JB Litoral trouxe a informação de que, neste momento de pandemia e isolamento domiciliar, os casos de pornografia infantil aumentaram em Paranaguá. Porém, os números de estupro de vulneráveis e exploração sexual também são relativamente altos na cidade.

No ano passado, dos 116 inquéritos instaurados pelo Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria), órgão vinculado à Polícia Civil de Paranaguá, 50 estavam relacionados a casos de estupros de crianças e/ou adolescentes, enquanto que seis tratavam sobre exploração sexual ou favorecimento à prostituição, e dois sobre pornografia infantil.

Neste ano, até o momento, já foram instaurados 58 inquéritos, sendo que 26 são de casos de estupro, um relacionado à exploração sexual e cinco casos de pornografia infantil. No entanto, os dados sobre o número de prisões efetuadas, em 2019 e 2020, relacionadas aos crimes, não são tão simples de serem obtidos.

O JB Litoral entrou em contato com a 1ª e 2ª Vara Criminal de Paranaguá, que emitem os mandados de prisão, mas, até o fechamento desta reportagem, somente a 2ª Vara repassou informações relacionadas às prisões. De acordo com a Juíza Ariane Maria Hasemann, em 2019, foram realizadas três prisões referentes ao crime de estupro de vulnerável e, em 2020, nenhuma. Em relação à exploração sexual infantil, ela informa que não foi realizada nenhuma prisão entre o ano passado e este ano.

Os casos de crimes de abuso, estupro e/ou exploração sexual contra crianças e adolescentes, dificilmente resultam na prisão imediata do investigado, uma vez que as denúncias são realizadas, normalmente, dias, meses e até anos após a data dos fatos, tornando impossível seu flagrante. Este lapso temporal, somado com as regras que se estabelecem no Código Penal, faz com que o número de prisões cautelares, que são aquelas que ocorrem antes do encerramento do processo, seja muito baixo, ocorrendo apenas a prisão definitiva no seu transito em julgado da sentença, ou seja, na conclusão do processo. Sendo assim, o número de prisões realizadas, não reflete, de forma alguma, a quantidade de casos que existem em nossa sociedade, sendo estes omitidos pelo medo das vítimas que resistem em denunciar seus agressores”, explica o advogado criminalista Vicente Bomfim.

Vara da Infância e Juventude

A juíza da Vara da Infância e da Juventude de Paranaguá, Pamela Dalle Grave Flores Paganini, comenta que o órgão não tem competência criminal para apurar os crimes contra as crianças, mas, sim, uma competência protetiva. “Isto é, em caso de risco a essa criança, quando verificados, em tese, os casos de abuso e de exploração sexual, e quando a rede de proteção não consiga atender e proteger integralmente a criança ou o adolescente, os casos são encaminhados para a Vara da Infância, seja pelo Conselho Tutelar, pela escola, Ministério Público ou qualquer pessoa que saiba que alguma criança encontra-se em risco”, diz.

O que não podemos é ficar quietos, pois a maioria dos casos ocorre no ambiente mais familiar para a criança, na sua própria casa e em casa de parentes“, diz a juíza da Vara da Infância e da Juventude

Segundo ela, muitas vezes, as informações chegam por notícias anônimas, via telefone (41 3422-5294) e via e-mail (pdgf@tjpr.jus.br). A juíza explica que a partir do momento em que há a comunicação, um processo é formado, no qual o objeto principal é proteger a criança e o adolescente. “Ou seja, em casos de exploração sexual e abusos, fazer cessar essa exploração e esses abusos e determinar o tratamento médico, psicológico, psiquiátrico etc”, afirma.

Desta forma, a Vara da Infância e da Juventude atua na proteção dessas vítimas, fazendo os encaminhamentos necessários para a rede de proteção (composta pelo Conselho Tutelar, CREAS, CRAS, Rede de Saúde, Conselho da Criança e do Adolescente) e o afastamento do agressor ou ofensor, de forma que essas crianças ou adolescentes não sejam mais expostas ao risco.

Pamela Paganini explica que quando há indícios de crime, este é apurado e investigado pelo Ministério Público ou pela Polícia Civil. Em Paranaguá, há o Nucria, uma delegacia especializada para a investigação desses crimes. Ela comenta, ainda, que os processos criminais dessa natureza tramitam perante as Varas Criminais do Município.

Alerto, outrossim, que na proteção da criança e do adolescente todos somos responsáveis e todos devemos nos unir para fazer cessar esses atos violentos, denunciando, seja na Polícia, pela internet, por telefone, Ministério Público, via Conselho Tutelar, Escolas, via Poder Judiciário etc. O que não podemos é ficar quietos, pois a maioria dos casos ocorre no ambiente mais familiar para a criança, na sua própria casa e em casa de parentes. Não devemos nos calar”, conclui a juíza.