Problema crônico: aterro sanitário de Alexandra não previu impactos à comunidade durante instalação, em 2006


Por Luiza Rampelotti Publicado 23/03/2022 às 09h51 Atualizado 17/02/2024 às 04h36

Desde 2021, o JB Litoral tem acompanhado os frequentes protestos de moradores e vereadores contra o aterro sanitário localizado em Alexandra, na cidade de Paranaguá. As reclamações são recorrentes e motivadas pelo vazamento de chorume de caminhões que transportam o lixo até o aterro, poluindo o meio ambiente próximo às residências e prejudicando a comunidade com o mau cheiro, gerando prejuízos comerciais e riscos de problemas de saúde.

Apesar de o Ministério Público do Paraná (MPPR) ter informado, ainda no ano passado, que havia três procedimentos ativos contra o Complexo Industrial Eco Tecnológico CIETEc – empresa proprietária do aterro sanitário que se localiza no Rio das Pedras, em Alexandra – a situação se repetiu em fevereiro deste ano e com agravantes.

O vereador Oséias Bisson (Podemos) usou a tribuna da Câmara para denunciar que o tráfego de caminhões de transporte de lixo no acesso ao aterro continua prejudicando os moradores, o comércio, o asfalto e o meio ambiente.

Temos visto várias situações de descaso. Tem caminhão de lixo vindo de Antonina e Tijucas do Sul, derramando chorume por toda extensão da estrada principal de Alexandra, a Sabino Trípodi, onde não deveria estar passando. Além disso, os caminhões estão andando em alta velocidade, colocando em risco os moradores e destruindo o asfalto, que não foi feito para aguentar veículos pesados. Para piorar, o caminhão de Antonina não está nem adequado para levar o lixo, totalmente irregular”, conta Bisson.

Alta velocidade e derramamento de chorume


Ele comenta que os caminhões deviam trafegar pela Estrada do Rio das Pedras (Toca do Coelho) para chegar ao aterro, onde residem menos moradores, porém, esses fecharam a via para evitar a passagem devido aos incômodos dos quais também são alvos na região. Já na Sabino Trípodi, a principal via de acesso, além de muitos moradores, há comércios, escolas, praças e postos de saúde. “Os caminhões passam em alta velocidade, até nas lombadas, como se estivessem fazendo racha e, como não temos calçamento, as crianças caminham junto, no meio da rua”, alerta.

O vereador, que é morador em Alexandra, avalia que a situação está trazendo prejuízo para todos os moradores, já que até mesmo os comércios localizados naquela área estão tendo que fechar mais cedo por conta do odor do chorume derramado na via. “Na hora do almoço, os restaurantes perdem a freguesia, ninguém aguenta o fedor. O chorume prejudica a saúde das pessoas, polui e degrada o meio ambiente. Já conversamos com o MPPR, mas até agora nada foi resolvido”, destaca.

A moradora Priscila Bernardo também relata o incômodo gerado. “A questão do odor é muito forte. Moro no Rio das Pedras, sentido trilho, e o fedor do lixão chega até ali. E tem outra questão que é o córrego que passa no meio de vários terrenos, inclusive no meu, e vai sentido mangue, ali tenho quase certeza que o chorume escorre a céu aberto, o fedor da água que passa é insuportável”, revela.

Antes de os caminhões passarem pela Rua Sabino Trípodi para chegar ao aterro sanitário, eles passavam pela estrada do Rio das Pedras, especificamente pela via chamada Toca do Coelho, onde reside um grupo de pessoas. Devido às mesmas situações relatadas nesta reportagem, a comunidade da Toca do Coelho já realizou protestos e, inclusive, fechou a via para impedir a passagem dos veículos.

Aterro não tem EIV


O advogado Carlos Martins foi contratado por uma moradora do local para dar seguimento judicial às denúncias contra o CIETEc. “O problema é que não existe um Estudo de Impacto de Vizinhança daquele empreendimento que se instalou ali e passou a receber todo esse material. Agora, o aterro está causando um impacto à vizinhança que não foi observado antes da instalação e incremento de sua atividade. São consequências muito grandes à comunidade e meio ambiente, é um dano socioambiental”, explica o advogado.

Segundo ele, com situação ativa desde 2005, o Complexo Industrial Eco Tecnológico não precisou realizar e apresentar um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) para se instalar em Paranaguá, no ano seguinte. Todavia, o EIV é um documento exigido pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) para a concessão de licenças e autorizações de construção, ampliação ou funcionamento de empreendimentos que possam afetar a qualidade de vida da população residente na área ou nas proximidades.

No entanto, na época não havia uma lei municipal regulamentando a exigência em âmbito local. Somente em 2007, quando a prefeitura instituiu o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (Lei 60/2007), que estabeleceu objetivos, instrumentos e diretrizes para as ações de planejamento no município, é que o documento passou a ser exigido pela Lei 2822/2007. Essa lei considera, em seu artigo 3º que aterros sanitários ou usinas de reciclagem de resíduos sólidos com área construída superior a cinco mil metros quadrados ou área total de empreendimento superior a cem mil metros quadrados como empreendimentos de impacto estão sujeitos ao EIV.

Na prática, o Estudo de Impacto de Vizinhança é um instrumento que oferece tanto à empresa quanto à administração pública um conjunto de dados e informações que possibilitam a contrapartida adequada para o funcionamento do respectivo empreendimento. Além disso, prevê parâmetros para a viabilização de ações concretas para preservar o ambiente atingido, bem como a comunidade em seu entorno, entre outros. Ou seja, o documento deve relacionar as medidas de prevenção, recuperação, mitigação e compensação de impactos que devem ser adotadas, a fim de minimizá-los.

CIETEc já recebeu mais de R$ 56 milhões do litoral


Procurado pelo JB Litoral, o sócio administrador do CIETEc, Rogério Francisco Gonçalves destacou que “na época da implantação do aterro, em 2006, não existia legislação relacionada ao EIV”. No entanto, ele não respondeu aos demais questionamentos que tratavam sobre as medidas tomadas para sanar os problemas relatados, contratos vigentes, capacidade do aterro, área construída e total, entre outros.

Uma pesquisa ao Portal da Transparência das prefeituras do litoral mostra que a empresa atua desde 2016 com contratos junto às administrações municipais e, até hoje, já faturou mais de R$ 56.6 milhões. No entanto, não foi possível encontrar nenhum contrato com a gestão de Tijucas do Sul (Região Metropolitana de Curitiba, a 125 km de Paranaguá) nos últimos anos.

Os maiores valores são de Paranaguá, maior cidade do Litoral, onde o CIETEc passou a ser contratada pelo Executivo em 2016 e segue até hoje, pois é o único aterro sanitário licenciado e em operação na região. De lá para cá, já foram pagos mais de R$ 37.3 milhões.

Em seguida, a empresa também começou a receber resíduos sólidos de Antonina, em 2018. Até hoje, a prefeitura já desembolsou mais de R$ 1.6 milhão para a destinação final do lixo residencial.

Em 2020, o aterro sanitário também passou a atender a prefeitura de Morretes. Já foram pagos mais de R$ 1 milhão pelo serviço.

Em Pontal do Paraná e Matinhos, cidades balneárias e que aumentam sua população em até três vezes durante a temporada de verão, triplicando, também, a geração de lixo, o Complexo Industrial começou a atuar em 2019. Da administração de Pontal, a empresa já recebeu cerca de R$ 9 milhões. Já de Matinhos, o valor recebido foi, aproximadamente, R$ 7.5 milhões.

Empresa foi autuada por receber demanda maior do que a permitida


O JB Litoral procurou a prefeitura de Paranaguá para questionar sobre a fiscalização realizada, além da possível necessidade de um EIV corretivo, bem como sobre a validade da Licença de Instalação e Operação do aterro. Entretanto, até a conclusão desta reportagem não houve retorno.

O MPPR também foi contatado para se manifestar sobre a fiscalização em relação ao aterro, a situação dos procedimentos instaurados pelo órgão, entre outros. Também não houve respostas.

O Instituto Água e Terra (IAT) também foi procurado, uma vez que foi o órgão que garantiu a renovação da Licença Ambiental à CIETEc até abril de 2026. Sobre a fiscalização quanto ao trajeto dos caminhões e a recuperação do asfalto danificado por esse tráfego, o instituto alega que é de responsabilidade da prefeitura municipal.

Ao IAT, cabe apenas a fiscalização ambiental que foi realizada pelo Escritório Regional do Litoral (EIRLIT), resultando em autuação à empresa que administra o aterro sanitário por receber resíduos acima da capacidade permitida”, informa o IAT.

Além disso, o órgão afirma que a Licença de Operação e de Instalação do CIETEc são documentos internos. “O que podemos afirmar é que elas foram emitidas de acordo com a lei e que o CIETEc foi licenciado a operar com carga máxima de 50 toneladas por dia. Em agosto de 2021, a empresa foi autuada pelo IAT por não cumprir este requisito e receber uma demanda maior do que a permitida”, conclui.

A prefeitura de Antonina também foi questionada sobre a fiscalização e estado de conservação dos caminhões que transportam o lixo até o aterro. O JB Litoral não obteve resposta.