Direitos das mulheres: protestos com o mesmo objetivo terminam em trocas de farpas, em Matinhos


Por Luiza Rampelotti Publicado 02/08/2022 Atualizado 17/02/2024

Na segunda-feira (25), duas manifestações em defesa das mulheres aconteceram em frente à Câmara Municipal de Matinhos. Apesar de os atos serem em prol do mesmo tema, os participantes se desentenderam e trocaram farpas.

O primeiro ato foi marcado após o prefeito José Carlos do Espírito Santo (Podemos), o Zé da Ecler, dar uma declaração machista em uma live ocorrida no dia 18 de julho. Durante a conversa descontraída com o apresentador Douglas Gerasom, que leu um comentário da moradora Anna Paula Overnei criticando a saúde pública do município, Zé da Ecler afirmou que “quem muito bate quer afago”.

Diante da repercussão da fala, grupos de mulheres se reuniram para cobrar um pedido de desculpas do prefeito, que não veio e, então, se organizaram para a manifestação em frente à Câmara. No local, os participantes pediam respeito ao gênero feminino.

Já o segundo ato aconteceu depois de um áudio do vereador Milton dos Santos (Podemos), o Miltinho Ribeiro, ser divulgado na internet, pouco tempo após o caso com o prefeito. No áudio, Miltinho criticava todos os vereadores da Câmara Municipal e, sobre a única parlamentar mulher da Casa de Leis, Nívea Gurski (PSD), ele afirmou que ela era “vagabunda”.

A primeira manifestação foi marcada por um grupo de mulheres, em função de falas machistas de Zé da Ecler. Foto: Diogo Monteiro/JB Litoral

Diante deste caso, foram os próprios servidores da prefeitura de Matinhos que convocaram a manifestação para o mesmo dia do protesto marcado em repúdio às falas de Zé da Ecler. No local, servidores e comissionados carregavam faixas com dizeres em apoio às mulheres e, inclusive, afrontando as outras manifestantes, já que as frases diziam que um dos direitos delas era “afago” – palavra utilizada pelo prefeito para insinuar que Anna Paula Overnei, que criticou a gestão, fez isso porque teria algum interesse sexual nele.

Manifestação convocada pela prefeitura

As faixas utilizadas no protesto dos funcionários municipais foram confeccionadas pela prefeitura e representavam o apoio do Poder Público Municipal à causa. A própria página da prefeitura no Facebook fez uma live para mostrar a manifestação, afirmando que o ato estava sendo realizado pelos servidores e foi “em consequência das falas ofensivas do parlamentar, se referindo à vereadora Nívea Gurski”.

Além disso, o departamento de comunicação municipal também disse que o ato foi em favor de “Catiusia Adriane, que foi ofendida pelas redes sociais”. De acordo com a administração municipal, “não é possível ser conivente com tais declarações, por entender que, acima de qualquer discordância político-partidária, deve prevalecer o respeito às mulheres”.

Vale destacar que Catiusia Adriane é esposa de Gilberto da Silva, chefe da Divisão de Atendimento aos Munícipes da Ouvidoria da prefeitura. Em suas redes sociais, ela criticou o protesto que seria realizado em prol de Anna Paula Overnei. “Fiquei sabendo que a galinhada vai em peso na prefeitura. Eu estarei lá pra jogar milho pra vocês”, disse em uma postagem.

Abertura de Comissão Processante contra Miltinho

Diante das duas manifestações, os participantes chegaram a discutir entre si, apesar de terem as mesmas pautas. Porém, dentro da Câmara de Vereadores, estava acontecendo a votação de dois requerimentos com o objetivo de criar duas Comissões Processantes pedindo pela cassação de Miltinho Ribeiro por falta de decoro.

As duas denúncias contra o vereador foram realizadas pelo Poder Executivo – uma pelos secretários municipais e outra pelo próprio prefeito, que afirmou que Miltinho cometeu infração político-administrativa gravíssima.

Em arquivo de áudio encaminhado pelo denunciado ao telefone pessoal do denunciante, revelou-se uma série de infrações de alta reprovabilidade que, sem sombra de dúvidas, malferiram o dever de decoro parlamentar inerente a todos os membros do Poder Legislativo Municipal. (…) o denunciado não apenas ameaça seus pares, como também profere xingamentos que desqualificam a vereadora (…)”, disse Zé da Ecler. 

Aprovadas por unanimidade, as denúncias resultaram na criação das Comissões Processantes que investigarão se houve quebra de decoro do parlamentar e, consequentemente, decidirão sobre sua cassação. Enquanto isso, ele foi afastado até a conclusão do processo e, na segunda-feira (1), o 2º suplente do partido Podemos, Romulo Leandro Bertoti, foi empossado como vereador suplente.

De acordo com Miltinho Ribeiro, o áudio apresentado pelo prefeito apenas na segunda-feira (25) é de abril deste ano, quando houve a abertura de outra Comissão Processante contra o vereador, na qual ele foi absolvido. “O áudio foi meu, antigo, quando eu era ainda do lado do Zé. Os vereadores abriram uma comissão para me cassar e, quando eles abriram, eu fiz esse áudio. Mas já me retratei lá atrás, os vereadores me perdoaram, aceitaram a minha desculpa, entenderam que errei, foi um momento de infelicidade, de tristeza, de nervosismo”, disse.

Denúncia contra Zé da Ecler na Câmara

No entanto, de acordo com a vereadora Nívea Gurski, ela teve acesso ao conteúdo do áudio apenas na segunda-feira (25). “O vereador que usou essas palavras, para minha surpresa, disse que elas foram ditas há mais de 60 dias. Então me entristeceu muito saber que já faz mais de 60 dias que essas palavras foram pronunciadas e só hoje veio à tona”, comentou.

Com o afastamento de Miltinho Ribeiro, Anna Paula Overnei afirma que irá protocolar, também, uma denúncia na Câmara Municipal pedindo a cassação do prefeito Zé da Ecler, uma vez que a situação do chefe do Poder Executivo e do parlamentar afastado são semelhantes.

Depois da fala do prefeito, minha família ficou decepcionada, meu esposo ficou muito envergonhado. Tenho dois filhos, um de 16 e outro de 8, o de 16 chorou muito pois os amigos todos me conhecem e perguntam o que estou querendo com o prefeito. Até o de 8 chegou da escolinha de futebol chorando porque o amiguinho disse que a mãe queria namorar o prefeito. As consequências ainda estão surgindo, saio pela cidade e todos me apontam e cochicham. Vejo mulheres que defendem o ato do prefeito me expondo em rede social. É muito vergonhoso”, diz Anna.

Ela revela que, desde a situação, tem tomado remédios para dormir e que sente que sua imagem de mulher, mãe e esposa foi afetada devido à exposição. Anna afirma que moverá uma ação contra Zé da Ecler exigindo uma retratação pública, e que a denúncia já foi protocolada no Ministério Público sob o nº 130/2022.

Na segunda-feira (25), na nossa manifestação, quiseram mudar o foco trazendo o caso do vereador, que já era antigo. Mas, realmente se a lei vale para o Miltinho, terá que valer para o prefeito”, conclui.