Relação em conflito: vice-prefeito de Matinhos pede que Ministério Público investigue prefeito Zé da Ecler por suposta improbidade administrativa


Por Flávia Barros Publicado 31/03/2022 às 16h33 Atualizado 17/02/2024 às 05h12

Um vice-prefeito que também exerce a atividade de arquiteto, em que assina projetos e vê seus clientes sem poder dar início às obras porque dependem da assinatura do prefeito, o qual não o faz com a intenção de atingir, mesmo que indiretamente, àquele que deveria ser seu braço direito, o vice-prefeito. A história está descrita na representação entregue ao Ministério Público do Paraná (MPPR), no começo do mês, pelo vice-prefeito de Matinhos, Clécio Vidal (PROS). Clécio pede ao MP que investigue se o prefeito, José Carlos do Espírito Santo, o Zé da Ecler (Podemos), está cometendo ato de improbidade administrativa.

PÚBLICO X PRIVADO

De acordo com o documento, a que o JB Litoral teve acesso, Zé da Ecler estaria “segurando” os alvarás dos clientes de Clécio Vidal por um prazo até dez vezes maior do que os demais.

É sabido que o prazo normal para conclusão do processo e liberação do alvará é de dois a três dias após o pagamento das taxas. Já decorreram mais de 30 dias, sendo do conhecimento do representante que neste período foram emitidos e liberados outros alvarás em nome de outros requerentes [o vice-prefeito anexa ao documento cópias dos pedidos de alvarás que estariam pendentes da assinatura do prefeito]. O presente fato acarreta inúmeros prejuízos aos clientes e ao próprio representante, que tem sua relação com os clientes afetada pela demora nas aprovações“, diz o documento. Clécio Vidal também afirma que, em 17 de fevereiro, foi protocolizado pedido de justificativa dos atrasos, mas até a data da entrega ao MP, em 4 de março, ainda não havia resposta.

O motivo dessa atitude do poder executivo local é óbvio: mascarar a ilegitimidade e a ilegalidade dos atos administrativos praticados pelo Sr. prefeito, com o intuito único de prejudicar o representante, seu adversário político. […] Devendo ser prontamente responsabilizado pelos explícitos atos de improbidade administrativa praticados“.

A FILA ANDOU

O JB Litoral conversou com o vice-prefeito. Ele relatou que tudo começou quando não concordou com as atitudes do prefeito.

Entrei para a política para quebrar essas atitudes da ‘velha política’, mas logo que assumimos, vi que vinha sendo feita da mesma forma que nas gestões anteriores. Então eu me posicionei, fui o mais educado possível com o prefeito, mas identifiquei muitos atos, no mínimo, suspeitos acontecendo, e não gostaria de ver meu nome envolvido nisso. Então eles não respeitaram minha posição e começaram a me tratar como inimigo e adversário político, com perseguição. Tenho relatos de que ele proíbe vereadores de falar comigo, até mesmo servidores da prefeitura. Foi quando comecei a notar que os projetos assinados por mim, em meu escritório, iam para a assinatura do prefeito e não voltavam. Então decidi procurar o Ministério Público. Mas logo após, cerca de três dias depois, não sei se ele foi intimado ou apenas ficou sabendo, porém assinou todos os alvarás. Na ocasião também protocolei um pedido na câmara municipal, mas nem chegaram a me responder”, disse Clécio Vidal.

EXPECTATIVA

Como o prefeito assinou todos os alvarás depois que o vice-prefeito procurou o MP, Clécio Vidal afirma que, agora, não existe mais a materialidade da suposta perseguição.

Com essa atitude realmente espero que cesse a conduta dele, que as pessoas entendam que em casos de perseguição saibam a quem recorrer, que um mandato de prefeito não torna ninguém dono da cidade. Se da parte dele tiver um pouco de inteligência, vai cessar. Agora, como vice-prefeito, fica complicado, porque a minha função é substituí-lo quando for necessário, mas ele faz o possível para não se ausentar, para que eu não assuma o cargo temporariamente. Vou todos os dias à prefeitura fazer tudo que está ao meu alcance, mas está muito complicado, não me enquadro nesse modelo de toma-lá-dá-cá”, desabafou.

CRÍTICA NA CÂMARA

Na sessão plenária do último dia 21, o vereador Miltinho Ribeiro (Podemos), pediu a palavra para falar e criticou o vice-prefeito. “É uma pouca vergonha o que ele vem fazendo, dizendo que o prefeito e os vereadores não valem nada.  O senhor tem que aceitar que o povo não gosta do senhor. Recebe quase R$ 10 mil e não trabalha, ficou quatro meses na secretaria de obras e não fez nada. Ele quer ser o Zé da Ecler sem ser, quer cassar os vereadores. Os amigos dele são todos riquinhos e os nossos são do povo”, disse o parlamentar na tribuna, que retornou ao trabalho, naquela sessão, após ausência de três meses para tratamento de saúde.  

Ao JB Litoral, o parlamentar reforçou a crítica ao vice-prefeito. “Ele não tem moral nenhuma para dizer que está sendo perseguido, porque quem persegue o prefeito é ele. Ele sonha em ser prefeito e quer derrubar o prefeito Zé da Ecler, não quer somar com o grupo. É imoral ele receber o salário de vice sem nem ir trabalhar. Não tem caráter, estamos levantando o passado dele até na região metropolitana de Curitiba. Não aceito gente corrupta, mentirosa e muito menos que tem inveja dos outros, infelizmente ele é assim”, falou Miltinho Ribeiro.

Vereador Miltinho Ribeiro (Podemos) fez duras críticas ao vice-prefeito, em sua primeira sessão após 90 dias afastado para tratamentos de saúde. Foto: Reprodução/Câmara Municipal de Matinhos

SILÊNCIO

O JB Litoral também quis saber a versão do prefeito Zé da Ecler, mas até o fechamento desta edição não obteve resposta.

O JB Litoral procurou a especialista em Direito de Família, Processo Civil, Processual Civil e Pós-Graduanda em Gestão e Administração Pública, Lázara Daniele Guidio Biondo Crocetti, (OAB/PR n.º 42.294), para analisar a representação feita ao MP pelo vice-prefeito Clécio Vidal.

JB Litoral – As alegações feitas pelo vice-prefeito de Matinhos têm fundamento, no que diz respeito à improbidade administrativa por parte do prefeito?


Especialista – Com a leitura detida da representação do vice-prefeito, contra o prefeito,  alegando uma suposta demora deste para a assinatura e liberação de projetos da autoria daquele, na qualidade de arquiteto particular e que tal demora teria cunho político, para prejudicá-lo, requerendo a instauração de um procedimento para apuração de ato de improbidade administrativa, não encontra fundamento contra o prefeito, já que não há na representação, o apontamento de um ato do prefeito em prejuízo da administração pública ou em benefício próprio.  A interpretação ali contida, ao menos para essa jurista, parece subjetiva do arquiteto e não do vice-prefeito, portanto, sem demonstrar os prejuízos à administração pública ou benefícios objetivos ao prefeito, não se vislumbra a improbidade no ato apontado.

JB Litoral – Já no que se refere à atividade particular do vice-prefeito, onde caberia a atividade de arquiteto particular, sobretudo com tantos projetos em andamento?


Especialista – A representação contra o prefeito pela celeridade na aprovação de projetos assinados por ele, no interesse privado, pode apontar para a violação dos princípios da administração pública, sobretudo os da impessoalidade e da moralidade, previstos na Constituição Federal.  Sendo assim, qual o espaço para o exercício particular de empresário da arquitetura? Parece haver, no caso da conduta do vice-prefeito um risco potencial para atos de improbidade administrativa. Na sua posição de vice-prefeito ele goza de informações privilegiadas, a exemplo da informação constante na representação de que outros processos, protocolados após os apresentados por ele, foram assinados antes.

JB Litoral – Para que se instaure processos de improbidade administrativa, nesse caso, quais seriam as condutas dos agentes públicos?


Especialista – Em ambos os casos, para que se instaure efetivamente processos de improbidade administrativa é preciso que a conduta se enquadre em um dos tipos penais da lei, que são:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei.    (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade.

Os artigos acima mencionados possuem em seus incisos especificamente cada tipo penal em que a conduta do agente público poderá se enquadrar. Assim, a representação contra o prefeito com os argumentos apresentados pelo vice, não parecem se enquadrar em crime de improbidade administrativa.