Seis meses após denúncias de venda de lotes ilegais e de “gatos” de água e luz, moradores da Vila das Torres reclamam que situação continua ocorrendo


Por Luiza Rampelotti Publicado 14/03/2022 Atualizado 17/02/2024

Em setembro de 2021, o JB Litoral trouxe a público uma denúncia realizada por moradores da Vila das Torres, em Paranaguá, a respeito da venda de pontos clandestinos de água e luz para quem vive na região considerada ilegal, uma vez que é fruto de invasão. De acordo com eles, o responsável pela área é o assessor do vereador de Paranaguá Edilson Caetano (Republicanos), Flávio Henrique Cordeiro da Silva, que comercializa os lotes há, pelo menos, três anos.

Relembre: a jovem Kauane Karine Henrique, de 24 anos, que mora com suas três filhas na Vila das Torres desde abril de 2020, contou que, para os moradores terem acesso à energia elétrica e a abastecimento de água, estariam sendo cobrados à vista R$ 1,5 mil pela luz e R$ 500 pela água, a partir de ligações clandestinas feitas pelo próprio Flávio. Sem condições de pagar pelo serviço, ela adquiriu materiais próprios e conectou na instalação, porém, disse que Flávio a impediu de utilizar a água e luz.

Júlio César Mota Ferreira, pedreiro, que reside na área há cerca de um ano com sua esposa e seis filhos, também vive situação semelhante. Ele relata que passa por dificuldades financeiras e não teve os R$ 2 mil à vista para utilizar os serviços. Sem possibilidade de pagar parcelado, ele ofereceu os serviços de pedreiro em troca da água e luz.

Fiz um chiqueiro e um fogão à lenha para ele e ele disse que custearia a água e luz. Mas quando fui cobrar, ele não me deixou instalar o cabo para ter acesso à luz, somente à água. Então marquei uma reunião com o vereador Edilson Caetano e contei tudo, depois disso, o Flávio disse que eu poderia utilizar a luz, mas, quando fui conectar o cabo, ele não deixou”, contou.

Moradores temem por sua segurança


De setembro de 2021, quando foi realizada a primeira denúncia a respeito da cobrança por pontos ilegais de água e luz e a comercialização dos lotes clandestinos, até o momento, nada mudou. Os moradores continuam afirmando que não têm acesso aos serviços pois Flávio não permite.

Além disso, Kauane e Júlio ainda comentam que se sentem coagidos pelo homem e temem por sua segurança e de seus filhos. Kauane conta que se demitiu do emprego para proteger sua casa, pois tem medo de que o homem ou alguém a mando dele tome o terreno. “Eu estou me sentindo bem coagida, pois ele já jogou o carro para cima de mim e o sobrinho dele quebrou a minha porta, bateu na minha cadela, tudo porque reclamei da situação. Agora não posso sair de casa com medo que invadam ou que mexam com minhas filhas”, diz.

No caso de Júlio, a situação foi ainda mais longe e virou caso de polícia. Ele já registrou três Boletins de Ocorrência contra Flávio por ameaça – inclusive com facão – ­contra ele. “Quando isso terá um basta? A gente precisa de um ponto final nessa história, tenho medo pelos meus filhos sobre o que ele pode fazer”, comenta.

De acordo com o presidente da Associação de Moradores da Vila Garcia, bairro próximo à Vila das Torres, Laudemir Santos Mendes, o Cascão, existem cerca de três mil moradores residindo na região. “Acredito que só na parte da ocupação já são mais de 800 famílias, o que dá cerca de três mil pessoas. Essa ocupação da Vila das Torres é na extensão da Vila Garcia, mas não há nenhum desmembramento oficial”, diz.

Ele também explica que tem apoiado os moradores e já solicitou a extensão de rede para a Paranaguá Saneamento, concessionária do serviço de abastecimento de água e tratamento do esgoto no município, e para a Copel, mas não foi liberada pelo Instituto Água e Terra por ser uma região ilegal.

MPPR investiga problemas de saneamento básico


Somente em fevereiro deste ano, cinco meses após a denúncia do JB Litoral, o Ministério Público do Paraná (MPPR), por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Paranaguá, que atua nas áreas relacionadas à Habitação e Urbanismo, instaurou uma Notícia de Fato para averiguar situação de problemas de saneamento na Vila das Torres.

O procedimento foi instaurado devido a um e-mail enviado por Wellington de Melo Costa, que se intitula líder comunitário do local, e pede por uma solução para os problemas. Ele diz que em períodos de chuva, a situação dos moradores fica ainda mais precária, colocando a vida de todos em risco. “Estamos com esgotos abertos nas ruas que estão intransitáveis, ambulâncias não conseguem atender os necessitados. Gostaria que, se possível, pudéssemos, através de uma liminar emergencial, realizar obras de saneamento básico por meio da prefeitura e secretaria de Urbanismo que, no momento, alegam não poder realizar nenhuma benfeitoria sem autorização do Ministério Público”, relata.

Com isso, o promotor de Justiça André Luiz de Araújo determinou, em 14 de fevereiro, que o prefeito Marcelo Roque (Podemos) prestasse os esclarecimentos necessários, bem como a Paranaguá Saneamento. Ambos devem apresentar explicações até a semana que vem.

No entanto, mesmo após as denúncias realizadas pelo JB Litoral, não consta nenhum procedimento referente à comercialização da área de invasão, nem sobre a instalação e venda de pontos de água e luz clandestinos, segundo o próprio MPPR.

A reportagem questionou o MPPR sobre o contexto geral, mas o órgão se limitou a informar sobre a Notícia de Fato já instaurada a respeito do saneamento básico.

O que dizem as autoridades

De acordo com a secretaria municipal de Urbanismo, já existe judicialização da área em que se localiza a Vila das Torres, assim como de todas as ocupações irregulares do município. “Inicialmente, realizamos medidas administrativas como notificações, embargos e autos de infração para que a ocupação se encerre. Porém, caso não sejam atendidas, há a judicialização”, explica.

O secretário de Urbanismo, Koiti Cláudio Takiguti, ainda destaca que a região é caracterizada como um loteamento clandestino, o que é considerado crime pela Lei Federal de Parcelamento do Solo (L6766). “Não é possível levar a esses locais irregulares serviços públicos por conta da legislação ambiental e urbanística existente. Porém, como no local foi denunciado crimes, os denunciantes devem encaminhar as provas ao MPPR que eles abrem processo investigatório”, explica.

O JB Litoral também questionou o Instituto Água e Terra (IAT), Paranaguá Saneamento e a Copel a respeito da comercialização e utilização de rede de abastecimento de água e luz clandestina na Vila das Torres.

De acordo com a Paranaguá Saneamento, a companhia não identificou o bairro como integrante da região atendida pelo contrato de concessão. “No entanto, a empresa está trabalhando em conjunto com o Ministério Público para levantar todos os dados necessários para averiguar a situação relatada”, informa.

Já a Copel afirma que a região da Vila das Torres se trata de área de proteção ambiental. “Nesse caso, a Companhia só pode atender os moradores e levar energia até o local se houver autorização dos órgãos competentes”, destaca. O IAT não se manifestou até a conclusão da reportagem.

Flávio e Edilson não se manifestam


Flávio Henrique Cordeiro da Silva, apontado como responsável pela comercialização dos lotes e pela instalação e venda de pontos clandestinos de energia elétrica e água, foi procurado para falar sobre as acusações. Ele informou ao JB Litoral que se encontra de férias e só falaria assim que retornasse. A equipe de reportagem ofereceu a possibilidade de responder aos questionamentos via WhatsApp, mas ele não se manifestou.

Flávio, o responsável pela área, é assessor parlamentar do vereador Edilson Caetano. Foto: Reprodução Facebook.

O vereador Edilson Caetano, que contratou Flávio como assessor parlamentar, com salário base de R$ 4,3 mil, e se reuniu com moradores da Vila das Torres para falar sobre a situação anteriormente, também foi procurado para esclarecer se estava ciente das acusações contra o funcionário e se tomaria alguma atitude a respeito do caso. Ele também não respondeu às perguntas.