Sem atendimento especializado à mulher na 1ª SDP de Paranaguá, vereador solicita lotação de escrivã feminina na delegacia


Por Luiza Rampelotti Publicado 05/05/2022 Atualizado 17/02/2024

Desde o final de 2020, a 1ª Subdivisão Policial de Paranaguá (SDP) não conta mais com a Seção de Atendimento Especializado à Mulher (SAEM) vítima de violência doméstica e familiar. Na prática, isso significa que quando uma mulher vai até a delegacia para prestar queixa, é atendida por um escrivão homem, que atende a todas as demais ocorrências ao longo do dia.

Por isso, na sessão legislativa de terça-feira (26), a Câmara de Vereadores aprovou o requerimento do parlamentar e delegado Nilson Diniz (União), que solicita à Secretaria de Estado da Segurança Pública (SESP) a lotação de uma escrivã feminina na 1ª SDP. Ele também pede que, caso não exista a possibilidade citada, seja feita a celebração de convênio entre a SESP e a prefeitura para a cessão de servidora efetiva, a qual possa exercer a função.

De acordo com ele, desde a aposentadoria da antiga escrivã Geiza Simone Ribeiro Santos, no final de 2020, a SAEM foi extinta. “Infelizmente, hoje não possuímos na 1ª Subdivisão um atendimento diferenciado à mulher em situação de vulnerabilidade que está submetida no contexto das violências domésticas e familiares. Quando a Geiza se aposentou, o Estado acabou não fechando essa lacuna deixada por ela e acabamos extinguindo a SAEM”, explica Diniz.

Desta forma, atualmente, quando uma mulher vítima de violência chega à 1ª SDP, ela é atendida por um escrivão masculino e isso dificulta ainda mais a narração da denúncia. “Às vezes essa mulher já foi tão exposta, submetida a algumas situações vexatórias, que chegar e se encorajar a narrar um fato envolvendo violência doméstica para um homem se torna mais difícil”, comenta o delegado.

Mais de uma medida protetiva por dia

Diante disso, ele destaca que seria de suma importância que esse atendimento inicial fosse feito por uma mulher, de forma a respeitar a dignidade da vítima, e restabelecer a Seção de Atendimento Especializado à Mulher em Paranaguá. Diniz informa que, do início do ano até o dia 19 de abril, foram registradas 159 ocorrências de violência doméstica na região.

Para ele, existe uma tendência de crescimento do número de ocorrências, e isso confirma a demanda pelo reestabelecimento da SEAM. “Até 19 de abril, foram confeccionados 159 requerimentos de medidas protetivas, bem como 159 inquéritos policiais instaurados para apurar infrações penais cometidas no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher. Com tais dados, chega-se à média de 1,45 requerimentos de medidas protetivas por dia”, revela.

Atualmente, os procedimentos ficam a cargo dos escrivães plantonistas, os quais já são responsáveis pela condução dos autos de prisão em flagrante, cerca de três por dia, o que prejudica a apuração dos crimes envolvendo violência doméstica. “Ademais, o atendimento à mulher vítima de violência deve ser realizado de forma individualizada, a fim de que se respeite sua dignidade e não promova a revitimização”, complementa o vereador.

Antiga escrivã atuou de 2000 a 2020

O JB Litoral conversou com a antiga escrivã, Geiza, investigadora de polícia aposentada e que atuou na Polícia Civil de 2000 a 2020. “Quando entrei na polícia, a violência contra a mulher era considerada crime de menor potencial ofensivo, ou seja, era lavrado um Termo Circunstanciado de Infração Penal, cuja transação penal se dava, na maioria das vezes, em cestas básicas pagas pelo agressor e nenhuma política pública contemplava a vítima”, relembra.

Segundo ela, meses antes do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionar a Lei Maria da Penha, a Escola da Polícia Civil do Paraná promoveu um curso sobre a legislação, que logo entraria em vigor. Ela acredita que o acontecimento foi um divisor de águas no entendimento que se tinha sobre o tema da violência contra a mulher.

A realidade era diferente, mas com o passar dos anos, a lei foi aprimorada e é a gênese dos debates incessantes sobre violência contra a mulher. Foi um período de transição e quando as mulheres vítimas começaram a se dar conta de que eram sujeitas de direitos, a demanda na delegacia cresceu. Contudo, algumas etapas do atendimento previsto na lei não aconteciam. Por diversas vezes, mulheres vinham com seus filhos, não podiam voltar para casa e acabavam se alimentando na própria delegacia. E aí vinha a pior parte: onde abrigar essas mulheres e seus filhos? Esse é um dilema que ainda ocorre em nossa cidade, mas parece que há uma solução a caminho”, comenta.

Elas chegam na delegacia esperando proteger sua vida”, diz Geiza

Geiza avalia que o atendimento à violência contra a mulher exige dos policiais algumas condições como empatia e alteridade. “As mulheres chegam na delegacia esperando resolver seus conflitos, proteger suas vidas. Se ela é vítima de estupro, ameaçada de morte ou outra agressão que atente a sua integridade, provavelmente ela se sentirá muito mais à vontade conversando com uma mulher, pois nós conhecemos as alegrias de sermos mulheres, mães, mas também conhecemos as dores e angústias de vivermos numa sociedade ainda machista, onde precisamos lutar por espaço”, diz.

Ela também afirma que existem muitas mulheres que não se sentem à vontade em declarar o que ocorreu a um homem, e que isso deve ser respeitado. “Claro que há pessoas que não veem dessa forma, mas é na conversa, olhando nos olhos de outra mulher que foi vítima de violência, que entendemos seu pedido de socorro”, conclui.