Universitários de Antonina lamentam falta de transporte; lei municipal garante ônibus gratuito, mas não é cumprida desde 2020


Por Luiza Rampelotti Publicado 10/06/2022 às 12h25 Atualizado 17/02/2024 às 10h22

Apesar de existir a Lei Municipal 008/2019, que garante o transporte gratuito a estudantes universitários e de cursos profissionalizantes que moram em Antonina, porém estudam em Paranaguá ou Matinhos, a queixa de falta de ônibus é frequente entre eles. Por isso, o vereador Odinei Marinho Pinheiro (Cidadania) protocolou, em 18 de maio, o Requerimento nº 24/2022 solicitando ao prefeito José Paulo Vieira Azim (PSD) esclarecimentos sobre a situação. A Câmara aprovou o pedido por unanimidade no dia 24 de maio.

O documento questiona a respeito da previsão para que o ônibus universitário volte a atender os usuários com segurança e esteja disponível aos estudantes antoninenses. No entanto, até o momento, o prefeito não respondeu às perguntas.

O vereador afirma que tem sido constantemente procurado pelos alunos e pais a respeito da cessão do transporte gratuito, e pede que os demais parlamentares da Câmara cobrem o Executivo e tomem ações sobre o assunto. “Há meses venho me manifestando na Câmara de Vereadores, até mesmo em explicações pessoais a respeito do transporte universitário. Alguns estudantes andam vendendo bolos e salgados para manter as suas passagens, saem da faculdade e ficam correndo o risco em pontos de ônibus, e muitos estão pensando até em trancar a matrícula. Verifiquei que existe a Lei 008/2019, aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo e resolvi fazer este requerimento, pois, se existe a lei, tem que ser cumprida”, diz ao JB Litoral.

A reportagem também conversou com alguns estudantes que residem em Antonina e cursam faculdade em outros municípios do Litoral. Eles contam que a cobrança já é antiga.

Vereador Odinei cobrou ação por parte do Executivo na Câmara Municipal. Foto: JB Litoral

Problema desde 2020


Camila da Cruz Oliveira, de 24 anos, estuda Gestão e Empreendedorismo na Universidade Federal do Paraná (UFPR), campus Matinhos. Ela conta que desde 2020 os problemas em relação ao transporte vêm acontecendo.

Entrei no curso em 2020, nesse período precisei do ônibus, mas só colocaram depois de quase duas semanas, no dia 9 de março. Então teve o cenário pandêmico, quando as faculdades foram fechadas. Agora, em 2022, com a volta às aulas em março, ainda não tinha a previsão de retorno e, atualmente, em junho, continua na mesma situação”, comenta.

A universitária afirma acreditar que o transporte oferecido pela prefeitura de Antonina nunca tenha realmente funcionado. “Desde 2020 eles contam a mesma história, de que o ônibus precisa de conserto, fora os outros anos”, diz.  

Camila revela que essa questão sempre foi sua maior preocupação com relação ao ensino superior, já que sem a locomoção gratuita, ela não tem como frequentar as aulas. “Estou perdendo várias aulas e trancando as matrículas depois do período, pois na confiança de que teria o ônibus, fiz todas as matrículas e tive que cancelar pela falta dele, e nessas aulas de junho provavelmente terei que trancar o curso”, lamenta.

Ela conta que em 31 de maio ligou para a secretaria de Educação questionando sobre a situação e foi informada de que não há previsão, e que o município não está realizando a carteirinha para aqueles que necessitam do transporte universitário. “É um descaso total com quem necessita do transporte”, conclui.

Alunos gastam R$ 300 em passagem


Outro aluno é Gabriel Hess de Oliveira, de 22 anos, que sai de Antonina à Paranaguá diariamente para estudar o curso Letras – Português, na Universidade Estadual do Paraná (Unespar). Ele começou a faculdade em 2019 e conta que, naquele ano, teve o transporte gratuito oferecido pela prefeitura de maneira regular.

Porém, ele reforça que em 2020 os problemas começaram. “Em 2020, pouco antes da pandemia, ficamos três semanas sem a locomoção e dependíamos da Graciosa. E, então, começou a pandemia e as aulas foram paralisadas”, diz.

Assim que as aulas presenciais retornaram, em 2022, Gabriel afirma que em nenhum momento a prefeitura ofertou o transporte aos universitários. “Quando entramos em contato, eles sempre falam que foi mandado arrumar e que no próximo mês ele estará disponível, porém, já faz meses”, informa.

Durante esse período, o estudante utiliza o ônibus intermunicipal, que custa R$ 7,25 a passagem de ida e o mesmo preço de volta. O gasto mensal gira em torno de R$ 300. “O custo é um problema grande, pois alguns colegas não vão todos os dias para a faculdade porque não têm dinheiro para bancar as passagens. Conheço pessoas que trancaram o curso por causa disso”, conta.

Segundo ele, os universitários pedem, urgentemente, a fiscalização dos ônibus oferecidos pelo Poder Municipal. “A prefeitura, desde o começo, está apenas adiando e levando os universitários em banho maria. Queremos um ônibus urgente”, finaliza.

Ônibus estavam sucateados, diz universitário


Allan Santos Greim dos Prazeres, de 22 anos, também estuda na Unespar, em Paranaguá, no último ano do curso de Administração. Ele se matriculou em 2019 e sempre dependeu da condução para ir até a faculdade.

Em 2019, ainda possuíamos transporte público ‘adequado’, quero dizer, tínhamos uma coisa que cumpria o papel de nos levar até a faculdade sem custos de transportes pagos. No melhor dos casos, eram dois ônibus e um micro-ônibus divididos para os cursos em Paranaguá, na Isulpar e Unespar, e para os cursos na UFPR Litoral, em Matinhos. No pior dos casos, éramos enfiados em micros para crianças, que eram, literalmente, minúsculos”, relembra.

Ele conta, ainda, que os veículos oferecidos aos universitários nem sempre funcionavam, já que estavam sucateados e ‘caindo aos pedaços, sem o mínimo de segurança’. “A gente nunca tinha certeza se teria ônibus ou se conseguiríamos chegar na faculdade com o que estava nos transportando. As janelas eram quebradas e remendadas com PVC branco, eixo solado que o motorista tinha medo de quebrar pelo peso das pessoas, volante com folga que precisava ser dirigido totalmente virado para andar em linha reta, marcha ré faltando (para engatar a marcha precisava do auxílio de uma madeira), bancos faltando, teto quebrado (que deixava a chuva entrar), até os cintos faltavam”, afirma o estudante.

De acordo com Allan, quando o transporte faltava, os universitários antoninenses davam um jeito de ir para a faculdade, seja dividindo os custos da gasolina com colegas que tivessem carro ou com o ônibus intermunicipal que é pago. “Até 2019 era viável ir de carro, cada um ajudava com R$ 10 e era seguro e mais barato que o transporte da Graciosa. Hoje, com os aumentos recorrentes dos combustíveis, já é mais complicado”, afirma.

Tanto ele quanto os demais estudantes pedem a disponibilização de um veículo adequado para todos ou, então, alguma medida que vise a diminuição da passagem para os universitários.

Lei garante o transporte


A Lei Municipal 008/2019 autoriza e regulamenta o transporte universitário oferecido pelo Poder Executivo de Antonina. Em seu artigo 1º, a legislação garante que a prefeitura subsidiará em 100% os custos de estudantes do ensino superior e de cursos profissionalizantes regulares para fora da cidade.

Têm direito aos serviços os alunos que moram em Antonina, regularmente matriculados em cursos de nível de graduação e profissionalizantes devidamente regulamentados pelo Ministério da Educação (MEC), situados em outras cidades do Litoral, e que necessitem de deslocamento diário ou cíclico para a frequência às aulas.

O serviço passou a ser oferecido a partir do primeiro semestre letivo de 2019, “através de veículos da frota do município ou contratados de empresas terceirizadas por meio de processo licitatório”. Os ônibus deveriam atender duas linhas: Paranaguá no período noturno e Matinhos, também à noite.

Além disso, a lei, sancionada em 7 de maio de 2019 garante a disponibilização de um veículo específico para cada linha, desde que haja um mínimo de 15 estudantes regularmente matriculados. Para ter acesso ao benefício, o morador deve realizar cadastro na secretaria de Educação, apresentar comprovante de matrícula e de residência.

Mais de R$ 5.7 milhões de 2019 a junho de 2022


A empresa que realiza o transporte escolar em Antonina é a Godinho’s Transporte e Logística, que iniciou os contratos com o Poder Executivo em 2019 e, recentemente, foi a vencedora da licitação para operar, também, o transporte municipal por 20 anos.

Apenas no transporte escolar, desde 2019, a empresa já faturou R$ 5.767.442,72 dos cofres municipais. O alto valor surpreende, levando em conta que de março de 2020 até o segundo semestre de 2021, isto é, quase um ano e meio, as aulas presenciais nas escolas públicas estaduais e municipais foram suspensas devido à pandemia de coronavírus. No ensino superior, elas só retornaram em fevereiro de 2022.

Em 2020, a empresa recebeu R$ 682.934,30. Em 2021, foram R$ 1.255.985,94. Já neste ano, de janeiro a junho, foram R$ 1.255.985,94.

Vale destacar que, desde o início de 2019, o JB Litoral traz reportagens a respeito das três dispensas de licitação feitas pela prefeitura para a contratação da Godinhos. No mesmo ano, a empresa venceu o procedimento licitatório nº 24/2019, com contrato iniciado em dezembro de 2019 e vigente até o momento por meio de aditivos contratuais.

O Ministério Público do Paraná (MPPR) e o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) já receberam denúncias a respeito de possíveis irregularidades na contratação da empresa, bem como das condições dos veículos escolares ofertados. No entanto, até o momento, nada foi feito pelos órgãos competentes.  O JB Litoral tentou contato com a secretaria de Comunicação e a de Educação da prefeitura de Antonina. No entanto, como é comum na atual gestão, não obteve respostas.