Cenário de abandono: Estação do Pico do Marumbi segue deteriorada um ano e meio após investigação do MPPR


Por Redação Publicado 03/03/2023 às 19h05 Atualizado 18/02/2024 às 06h05

Todos os dias é um vai e vem, a vida se repete na estação”, cantava Milton Nascimento em 1985, época de ouro da Estação Ferroviária Marumbi, quando seus visitantes e moradores podiam marcar encontros e desfrutar das dependências do prédio localizado no Porto de Cima, em Morretes.

Criada em 1885, foi inicialmente construída em madeira, como uma instalação provisória. Pouco mais de 50 anos depois, o edifício foi reconstruído em alvenaria. Graças às sugestões dos escaladores da Serra do Mar, que na época utilizavam o local como ponto de apoio, a nova estação foi fundada do lado oposto à anterior, para que a plataforma não ficasse exposta às frequentes chuvas e ventos da região.

A Estação Marumbi, junto à Estação Engenheiro Lange, na mesma localidade, foi fundamental na história comercial paranaense, pois era uma das paradas dos moradores que trabalhavam às margens da ferrovia.

Passados 138 anos desde sua primeira construção, o patrimônio histórico, tombado pelo Governo do Paraná, atualmente se encontra em ruínas após décadas de negligência. Com as paredes rachadas, o teto destruído e até uma árvore crescendo no piso do edifício, a estação se mantém de pé graças aos apoios de madeira colocados ao redor da edificação.

As paredes estão rachadas, o teto destruído e até uma árvore está crescendo no piso do edifício. Foto: Lineu Filho/JB Litoral


Afinal, de quem é a culpa?


O jogo de empurra-empurra para definir quem é o responsável pela restauração da estação durou até 2021, quando o Ministério Público do Paraná (MPPR) recebeu uma denúncia da Federação Paranaense de Montanhismo (Fepam) queixando-se da degradação e do completo abandono dos prédios da Estação Marumbi e da Engenheiro Lange. Para o montanhismo, as estações ferroviárias fizeram parte do desenvolvimento dessa atividade esportiva em todo o país.

Eu pratico montanhismo há 30 anos e a estação sempre foi ponto de encontro dos montanhistas. Um local de conversas, planejamento e ponto de observação da montanha. Sua importância está intimamente ligada à história do montanhismo paranaense”, afirma o diretor técnico da Federação de Montanhismo, Márcio Hoepers.

Com a denúncia, o JB Litoral buscou as autoridades para saber quais instituições tinham alguma parcela de culpa no abandono da estação. Na reportagem produzida em setembro de 2021, a Prefeitura de Morretes informou que as empresas Serra Verde e Rumo Logística eram as responsáveis pela manutenção dos edifícios. Já o Governo do Estado, atribuiu a função ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Quando procurado pelo JB Litoral, o Iphan esclareceu a situação com o ofício nº 2291/2021, onde explica que entre 2008 e 2010 fez uma varredura para identificar os imóveis da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e, em 2010, publicou a Portaria nº 407/2010 que estabeleceu os critérios para que os imóveis fossem declarados como de valor cultural. Caso aprovados pela Superintendência Estadual, pela Comissão de Avaliação e pelo presidente do Iphan, o bem seria inscrito na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário.

“[Contudo], devido ao imenso número de bens móveis e imóveis a ser analisado em todo o país, o IPHAN concentrou sua atuação nos bens não operacionais. No Paraná, foram valorados 102 (cento e dois) bens em diversos municípios. Mas, como se observa ao consultar a lista, nenhuma das duas estações citadas [Engenheiro Lange e Marumbi] está inscrita, pois não foram valoradas pelo IPHAN pelo fato de ainda serem operacionais. Assim sendo, não cabe ao IPHAN qualquer responsabilidade sobre esses bens, cuja conservação é de responsabilidade das empresas concessionárias”, salientou o Instituto.

No documento, o órgão ainda destaca que ambas as estações estão incluídas na poligonal de tombamento estadual da Serra do Mar, o que gera confusão sobre os responsáveis pelas edificações.


MPPR deu resultado, mas não sanou o problema


Com a investigação do MPPR, a empresa de turismo Serra Verde foi apontada como responsável pela manutenção da Estação Engenheiro Lange. A companhia cumpriu a determinação judicial e iniciou os reparos. Apesar de estar em andamento desde 2021, a obra não tem data prevista para conclusão.

Já a empresa Rumo Logística, encarregada de zelar pela Estação Marumbi, segue elaborando o projeto de restauração a passos lentos. Segundo o chefe da Coordenação do Patrimônio Cultural do Paraná (CPC), Vinicio Bruni, no final de 2022, a empresa apresentou o diagnóstico do edifício, que foi aprovado pela CPC.

Com essa aprovação, eles passaram a elaborar o projeto de restauração. Ele possui três níveis: o desenho técnico, o estudo preliminar, o anteprojeto e o projeto executivo. Já estamos na fase de apresentação do anteprojeto. Quando o projeto executivo for aprovado, a Rumo deve arcar com os custos da restauração”, explica o coordenador.

Vinicio argumenta que a demora da justiça para aprovar concessões é um dos motivos que leva à degradação do patrimônio público. “A Rumo não deveria ter deixado a estação chegar ao estado em que ela está hoje, mas não sabemos como ela recebeu o edifício. Às vezes, a concessão se encerra e passa um tempo sem nenhum responsável, daí, quando alguém assume, o edifício está em más condições”, afirma.

O coordenador ainda destaca que o papel da CPC é fiscalizar e notificar os proprietários ou empresas responsáveis por imóveis tombados, mas que a unidade não tem poder para interferir diretamente nas edificações.

Eu notifico e a empresa tenta se ausentar da culpa, então aciono o Ministério Público. A justiça pode demorar a agir, mas eles terão que restaurar a estação e deixá-la o mais próximo possível do que era antes”, conclui Vinicio.

O Inquérito Civil de n° 0092.21.000286-8, iniciado em 2021 no MPPR, foi encaminhado para o Ministério Público Federal (MPF) em agosto de 2022. De acordo com a assessoria do MPF, um procedimento destinado ao acompanhamento e proteção do patrimônio histórico-cultural do complexo da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba está em trâmite na Casa.

Ainda segundo o órgão federal, neste momento, o IPHAN está estudando a viabilidade técnica do tombamento da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba.

O que diz a Rumo


Em nota, a concessionária informou que está cumprindo regularmente todas as etapas para o projeto de reforma da Estação do Marumbi e que o calendário das ações não depende exclusivamente da empresa, mas de órgãos governamentais e ambientais. O documento também informa que as visitas técnicas, o orçamento e o diagnóstico do patrimônio foram realizados em conjunto com a Secretaria da Cultura do Governo do Paraná.

Por fim, a empresa salienta que já está trabalhando nos ajustes para apresentação do projeto, mas que diversas normativas devem ser cumpridas para que ela possa, finalmente, obter a autorização de reforma do edifício.