Jovem de 20 anos vai a júri por tentativa de homicídio e é absolvido por clemência, em Paranaguá

Entenda caso raro que levou os jurados a perdoarem o réu; ele atirou contra o homem que teria abusado de sua irmã e ameaçado a mãe de morte


Por Flávia Barros Publicado 04/06/2024 às 14h58
Os advogados de defesa, Aline Vasconcelos e Felipe Strapasson, pediram a absolvição por clemência e Luiz Gustavo foi absolvido. Foto: Arquivo pessoal
Os advogados de defesa, Aline Vasconcelos e Felipe Strapasson, pediram a absolvição por clemência e Luiz Gustavo foi absolvido. Foto: Arquivo pessoal

Era noite de 26 de dezembro de 2022, Luiz Gustavo Costa, então com 19 anos, voltava de mais um dia de trabalho como auxiliar de pedreiro, ofício que aprendeu pela necessidade de prover o sustento da casa, na Ilha dos Valadares, em Paranaguá. O jovem não conseguiu conciliar os estudos e o trabalho e era o provedor do lar, onde vivia com a mãe, a vó e as irmãs. Na madrugada seguinte, entre o Natal e o Réveillon, ele viu sua vida desmoronar.

O crime

Luiz Gustavo vivia a dura realidade de tantas famílias: ter um parente dependente químico. No caso dele, a mãe. Naquela noite, ele encontrou a família em prantos, mas a situação era muito mais grave do que o esperado.

Um morador da região teria abusado da irmã do jovem, passando a mão no corpo da menina, à época com 11 anos. A criança contou à mãe, que foi tirar satisfação com o suspeito e disse que iria denunciá-lo à polícia, na manhã seguinte. Ao ouvir a promessa de delação, o rapaz teria ameaçado voltar naquela mesma noite para matá-la.

Ao saber da situação Luiz saiu de casa, conseguiu pegar uma arma emprestada e retornou, torcendo para que não precisasse usá-la. No entanto, aquele que havia ameaçado sua mãe de morte teria aparecido para cumprir o prometido.

No dia do crime, o JB Litoral noticiou a situação. “Na Ilha dos Valadares, em Paranaguá, um rapaz de 23 anos foi ferido a tiros na madrugada desta terça-feira (27). André Carlos dos Santos foi socorrido pelo SAMU e encaminhado ao Hospital Regional do Litoral. André, que é morador na localidade, estava consciente e, ao ser questionado sobre o atentado, disse que reconheceu o atirador e informou o nome dele. Populares ainda relataram terem ouvido pelo menos cinco disparos. Em contato com a equipe de socorristas, foi confirmado que o rapaz foi alvejado por dois tiros no antebraço e três na face”.

Fuga e prisão

Após o crime, Luiz Gustavo saiu de casa. Mas, no dia seguinte (28), voltou, quando foi preso pela polícia. “Em todos esses dias de cadeia, ele nunca aceitou receber um Sedex da família, porque a família é muito pobre e faria muita falta esse dinheiro. Ele também nunca aceitou receber visita em todo esse período, porque entendeu que a cadeia não era lugar para a mãe dele pisar”, diz a advogada de defesa do rapaz, Aline Vasconcelos, em conversa com o JB Litoral.

Sobre o homem que sobreviveu à tentativa de homicídio, a advogada explica que a família de Luiz Gustavo não o denunciou. “Ele não foi denunciado, pois a família ficou com medo na época. A vítima não fez laudo de lesão corporal, não foi à audiência e também não foi ao júri”, conta.

Além de não estar presente no julgamento do próprio algoz, na última quarta-feira (29), André Carlos dos Santos nunca compareceu para falar durante o processo. “A vítima já respondia por outros crimes que estão em segredo de justiça. E também, um pouco antes, estava respondendo por ameaçar de morte a própria mulher e a vizinha que havia acolhido a esposa dele e as crianças”, detalha a advogada.

Após 463 dias preso, o jovem reencontrou a família. Foto: Arquivo pessoal
Após 463 dias preso, o jovem reencontrou a família. Foto: Arquivo pessoal

Clemência


Foram 463 dias preso, de 28 de dezembro de 2022 até 29 de maio de 2024, data em que Luiz Gustavo Costa, prestes a completar 21 anos, reencontrou a família e teve seu destino decidido pelos jurados. Os advogados de defesa, Aline Vasconcelos e Felipe Strapasson, pediram a absolvição por clemência. O conselho de sentença foi às lágrimas, junto com a família do réu, e absolveu o jovem exatamente pelo que foi pedido pela defesa, algo raro de acontecer.

Desde o ocorrido, foi o primeiro dia em que essa família se reencontrou. Todos choraram muito, o conselho de sentença também chorou bastante. Os jurados absolveram o menino por clemência, entendendo que o tempo que ele ficou na cadeia foi suficiente para que ele entendesse o erro que cometeu, de ter atirado no rapaz, mas também entenderam os motivos do porquê ele fez isso”, relata Vasconcelos.

A advogada também destacou que Luiz Gustavo não tinha nenhum antecedente criminal e que ficou em uma ala evangélica na cadeia. Segundo ela, o jovem foi proteger a família e os jurados entenderam que a atitude foi errada, mas perdoaram o rapaz.

Caso raro

Sobre o fato de o réu ter sido absolvido por clemência, a advogada afirma que, embora esteja previsto na legislação brasileira, é algo raro de acontecer. “É extremamente difícil um júri no Sul do país absolver por clemência. Normalmente, as absolvições ocorrem devido a uma legítima defesa ou outros fatores. A absolvição por clemência acontece quando o conselho de sentença reconhece que o fato ocorreu, mas considera que o acusado deve ser perdoado. Portanto, quando uma sociedade, especialmente a parnanguara, que é tradicional e cristã, perdoa alguém, principalmente em meio à guerra de facções que estamos vivenciando, é algo extremamente raro. No caso de uma pessoa que vai a júri e é perdoada por ter agido para defender a mãe, isso demonstra um entendimento profundo e incomum da situação”, conclui Aline Vasconcelos.

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