Justiça determina que sobras de ivermectina sejam devolvidas e valor pago restituído aos cofres de Paranaguá
Na quarta-feira (22), o advogado Gilson dos Santos, que atua em Paranavaí, ingressou com uma Ação Popular com Pedido de Tutela de Urgência contra o prefeito de Paranaguá, Marcelo Elias Roque (Podemos), e a secretária municipal de Saúde, Lígia Regina de Campos Cordeiro. Na ação, ele requereu a suspensão imediata da distribuição do medicamento ivermectina, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, além da condenação de ambos para que restituam ao município os valores gastos na aquisição do remédio, no total de quase R$ 3 milhões (R$ 2.992.000,00), entre outros.
No dia seguinte (23), o juiz da Vara da Fazenda Pública de Paranaguá, Rafael Kramer Braga, acatou, em parte, a liminar e condicionou a distribuição da ivermectina à algumas medidas. A partir da decisão, o medicamento só poderá continuar sendo entregue à população se houver a submissão do fornecimento à receita médica individualizada (o que pressupõe a avaliação de cada caso/paciente pelos profissionais de saúde), sem a entrega livre e desregrada. Determinou ainda uma ampla e reiterada divulgação, sobretudo nos postos de distribuição, da informação de que, por ora, o remédio não é considerado como preventivo, inibidor ou cura da Covid-19. A finalidade é impedir que haja busca desnecessária pelos moradores e, além disso, havendo sobras, devem ser negociadas para devolução, inclusive com a restituição dos valores pagos. Caso descumpridas quaisquer das ordens judiciais, será cobrada multa diária de R$ 2 mil.
“Politização do enfrentamento da Covid-19”
O advogado que propôs a ação não reside em Paranaguá e informou, no processo, estar advogando em causa própria. De acordo com ele, a justificativa para o pedido se deu, pois, “as evidências demonstram que, no caso do Município, ocorre mais uma vez a politização do enfrentamento da Covid-19, com dispêndio de quase três milhões de reais”.
Ele afirma que vários gestores públicos – governadores e prefeitos – estão seguindo o exemplo do atual presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e politizando o enfrentamento da pandemia acarretada pelo coronavírus, adotando atos de gestão sem qualquer respaldo científico, com caráter nitidamente eleitoreiro, com o fim de perpetuar seus nomes perante a opinião pública e obter ganhos eleitorais.
A compra da ivermectina, na cidade, ocorreu por meio do processo de Dispensa de Licitação 026/2020, que autorizou a aquisição emergencial, junto à empresa Vitamedic Indústria Farmacêutica Ltda, de 1 milhão e 408 mil comprimidos do medicamento, para evitar a evolução precoce nos casos assintomáticos, tendo em vista o resultado positivo ao resultado esperado de uso em outros municípios no combate ao vírus.
Distribuição “eleitoreira”
De acordo com o advogado, “a aquisição foi realizada ao arrepio da legislação que rege a matéria, haja vista inexistir qualquer evidência científica comprovada do medicamento no combate da Covid-19”. Ele afirma que “salta aos olhos o mau uso do dinheiro público, visto que tais recursos poderiam ser usados em boas práticas comprovadas para o tratamento da doença (contratação temporária de profissionais de saúde, aquisição de equipamentos hospitalares, melhoria das estruturas hospitalares etc)”.
Além disso, Gilson dos Santos comenta que a distribuição do fármaco é “nitidamente eleitoreira, vez que, às vésperas das eleições municipais de 2020, os requeridos autorizaram a aquisição do medicamento sem eficácia comprovada, com o fim de explorar o medo causado pela pandemia na população, visto que a ausência de uma vacina eficiente para a doença propicia que a população experimente qualquer espécie de tratamento que lhe é ofertado”.
Para ele, Marcelo e Lígia enganaram a população, criando falsa esperança de imunidade em relação à doença, ao alardearem que a ivermectina seria eficaz no tratamento da Covid-19.
Além disso, uma vez que o medicamento não possui autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratamento do coronavírus, e seu registro no órgão refere-se como antiparasitário, sem eficácia comprovada para tratamento do vírus, o advogado afirma que o prefeito e a secretária de Saúde “estão fazendo o uso experimental em massa em seres humanos do medicamento ivermectina”.
O que diz o prefeito
Em entrevista à emissora de televisão local, TVCi, na manhã de hoje (24), a respeito da distribuição da ivermectina à população, o prefeito comentou sobre a Ação Popular. “Ontem tentaram suspender a entrega na Arena Albertina Salmon. Gilson dos Santos, um advogado lá de Paranavaí, entrou com um processo pedindo a suspensão da distribuição. Nosso juiz indeferiu, mas fez alguns relatos dizendo que tem que ser feita ampla divulgação, a dispensação com a farmácia, e tudo isso que já tem no nosso processo”, disse.
Além disso, ele afirmou que o medicamento não é a cura do coronavírus, “mas um bloqueio para que as pessoas não tenham sintomas mais agudos, para não ter problema de lotar os leitos de enfermaria, que tenham que usar respiradores”.
Roque também informou que desde o início da distribuição, no dia 17, até hoje (24), mais de 15 mil pessoas já passaram pela Arena Albertina Salmon, local onde está sendo realizada a entrega do remédio. “Foram entre 170 mil comprimidos distribuídos nessa primeira semana”, afirmou.
Segundo ele, a distribuição está sendo realizada baseada em um critério rigoroso: “tem a triagem, cadastramentos do SUS, pesagem, aferição de temperatura, aferição de oxigênio no sangue, entre outros. As pessoas com sintomas do vírus não devem procurar a Arena, mas ir até o Hospital de Campanha, que é lá que se faz o primeiro atendimento”.
O prefeito destacou que a aquisição e distribuição foi respaldada pelo corpo clínico municipal, além da Unimed e sociedade civil, representada pelo médico Dr. João Felipe Zattar. “A pessoa tem que ter a prescrição médica e estamos fazendo isso no dia a dia”.
“Estamos fazendo tudo respaldados com dados positivos de outros municípios do continente africano, também da Dra. Lucy Kerr, pesquisadora renomada no país, que fez uma pesquisa ampla com relação à ivermectina. Mas as pessoas não são obrigadas a tomar o remédio, elas vão na Arena e assinam um termo de responsabilidade”, disse.
“Motivação para a compra é inverídica”
Para o advogado Gilson dos Santos, “meros relatos de especialistas não são admitidos como meios de formação de evidências científicas”, fazendo com que a motivação empregada pelo prefeito e secretária de Saúde para a utilização de milhões de reais na compra do remédio sejam inverídicas.
“A avaliação de segurança e eficácia de drogas para tratamento de doenças é feita mediante resultados de ensaios clínicos randomizados. Na pandemia de COVID-19, estão sendo realizados estudos com diversas drogas, mas até o momento nenhum demonstrou eficácia para tratamento da doença”, diz.
Além disso, ele afirma que os estudos relacionados a utilização da ivermectina no tratamento da Covid-19 foram realizados in vitro (em culturas de células, em laboratório), ou seja, em um experimento realizado fora de um organismo vivo, e sua eficácia não foi comprovada clinicamente em pessoas.
Anvisa exige receita médica para a venda de ivermectina
Desde quinta-feira (23), a Anvisa determinou que a venda do antiparasitário nas farmácias exigirá receita médica. Isto porque a medicação já está em falta desde que passou a ser comprada como preventivo para a Covid-19, sem evidência científica.
A medicação foi incluída na lista de remédios controlados, como a cloroquina, hidroxicloroquina e a nitazoxanida. A determinação vale enquanto durar a pandemia.
A Anvisa já divulgou nota reforçando que o medicamento tem apenas indicação para uso conforme o que consta na bula – que inclui o tratamento de sarnas, piolhos e vermes. Segundo a agência, “não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da Covid-19 no Brasil. Qualquer uso do remédio, fora das indicações da bula, deve ser feito sob escolha e responsabilidade do médico que prescrever”.