Listas que pedem boicote a comerciantes ‘petistas’ estão circulando no Litoral; caso está na Justiça


Por Redação Publicado 10/11/2022 às 17h20 Atualizado 17/02/2024 às 21h08

Desde o fim do processo eleitoral que deu vitória ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no dia 30 de outubro, os apoiadores do atual presidente derrotado, Jair Bolsonaro (PL), estão inconformados. Com o intuito de mudar o resultado das eleições, eles já interditaram vias públicas, pediram por intervenção federal em frente a quartéis das Forças Armadas, divulgaram teorias da conspiração que afirmavam que a eleição foi fraudada, entre outros.

Mais recentemente, os apoiadores de Bolsonaro começaram a pedir o boicote de empresas que supostamente teriam apoiado o candidato do PT. As chamadas ‘’listas do boicote’’ estão acontecendo em todo Brasil.

No Litoral, na semana passada (4), o delegado aposentado de Pontal do Paraná, Artur Luiz Zanon, fez uma publicação em seu perfil no Facebook expondo uma “lista de comerciantes petistas”. Ele incentivava que as pessoas não comprassem dos comércios citados, pois eles não seriam merecedores do “dinheiro suado”.

Foram citadas na lista 25 empresas locais. Um dos comércios mencionados foi o Auto Socorro Santa Terezinha, escrito na lista como Guincho Malheiros, que atua na cidade há mais de 20 anos. Ao JB Litoral, Suelyn Malheiros, uma das sócias, afirmou que descobriu sobre a existência da tentativa de boicote após várias pessoas começarem a mandar a postagem do delegado para ela.

Assim que soubemos da lista, passamos a nos movimentar, junto com os outros comerciantes incluídos, para tomar as providências legais. Um advogado pegou o caso, fizemos a ata notarial, queixa-crime e entramos com a ação”, explica.

Empresas tiveram que mudar a cor do uniforme

Ela revela que o boicote não afetou o trabalho do Guincho Malheiros, no entanto, afirma que percebeu que outras empresas tiveram funcionários agredidos verbalmente. “Muitas pessoas apoiaram a postagem. Além disso, teve até empresas que tiveram que mudar a cor do uniforme porque foram agredidos verbalmente, pois o uniforme era vermelho”, diz.

Postagem feita pelo delegado Zanon incluía o nome de diversos estabelecimentos da cidade. Foto: Reprodução/Facebook

Suelyn destaca que sua principal preocupação com relação à lista é referente à possibilidade de agressão aos funcionários e danos ao patrimônio. “O que temo de risco disso é pelo patrimônio e pelos nossos funcionários, porque nunca sabemos o que pode acontecer.  Se alguém pode vir a agredir ou depredar nosso patrimônio”, comenta.

Ela ainda afirma que em nenhum momento o autor da postagem, delegado Zanon, se arrependeu, apesar de ter apagado o post. “Mesmo apagando o post, ele afirmou que foi porque descobriu que um dos integrantes da lista era bolsonarista, que quanto aos outros, ele continuava com a opinião e que não iria comprar de petistas, só de quem estivesse ‘preocupado com o Brasil’”.

De acordo com Zanon, ele apagou a postagem porque “a justiça com muitos não compensa a injustiça com nenhum“, já que estariam dois amigos pessoais e que são bolsonaristas incluídos na lista; contudo, com o restante, ele afirmou manter a posição. “Seguinte meus amigos: sobre a postagem anterior dos comerciantes PTistas de Pontal. Repassei como recebi. Fui injusto pois não me liguei em cada nome de empresa (…) A justiça com muitos não compensa a injustiça com um. No nosso país o problema não é cultural, e sim de moral. Quem votou no Lula, votou num corrupto!! Serei cliente apenas de pessoas que se importam com o Brasil“, disse.

A Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Pontal do Paraná (ACIAPAR) entrou em contato com os empresários afetados e prestou apoio. O presidente Ercio Luiz Weschenfelder publicou uma nota de repúdio referente à ação do boicote.

A ACIAPAR, entidade representativa dos comerciantes municipais, apartidária, vem à público repudiar qualquer ação ou manifestação ilegal e ofensiva aos direitos e liberdades dos comerciantes locais, visto que a instituição sempre zelou pela legalidade, pelos princípios democráticos da república e pelo estado democrático de direito. Desta forma, externamos nossa solidariedade e apoio a todos associados e demais comerciantes que foram expostos e vilipendiados em rede social em virtude de suposta orientação política”, afirma o presidente.

Imprensa atacada

Em Paranaguá, uma “lista de comerciantes petistas” também passou a circular na internet. Nela, até integrantes da imprensa, como o próprio JB Litoral, entre outros, estão incluídos. Para a chefe de jornalismo do jornal, Luíza Rampelotti, a criação e propagação da lista reflete as “conhecidas atitudes antidemocráticas e contrárias à imprensa fomentadas pela extrema-direita”.

Temos visto ao longo dos últimos quatro anos o quanto a imprensa tem sido atacada, inclusive, com jornalistas sofrendo agressões físicas e verbais. Tudo o que é noticiado, que não tenha o viés desejado pelos apoiadores do atual presidente, é descredibilizado por eles. Podemos citar, por exemplo, o negacionismo relacionado à pandemia, à propagação de fake news referentes à vacinação, à ciência, à segurança das urnas etc. Porém, a imprensa séria possui profissionais competentes para apurar as informações e noticiá-las ao público, sem partidarismo ou opiniões pessoais. O que vimos durante a cobertura das manifestações no Litoral foi um ódio à imprensa, incentivado pelo atual presidente. E, foi devido às reportagens não terem lado político, mostrando apenas os fatos, que acredito que tenhamos sido colocados nessa lista”, diz.

Luiza ressalta que o trabalho da imprensa é o de levar a informação para a população, independentemente das opiniões pessoais de cada profissional e, inclusive, do leitor. “Em tempos de fake news desenfreadas, fazer jornalismo real, verdadeiro, com apuração e buscando a imparcialidade tem sido um trabalho cada vez mais perigoso”, conclui.

O JB Litoral procurou o presidente da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Paranaguá (ACIAP), Eloir Martins, que informou que não se manifestará sobre o assunto.