Mais possíveis vítimas: mulheres acusam ginecologista de crime sexual em Paranaguá


Por Luiza Rampelotti Publicado 10/05/2022 às 11h12 Atualizado 13/05/2024 às 10h36

Na semana passada (4), o JB Litoral noticiou que o médico ginecologista obstetra Amauri Bilieri, que atua em Paranaguá, foi denunciado por uma paciente de 25 anos por, supostamente, ter cometido crime de importunação sexual durante consulta particular.

A vítima 1 registrou o Boletim de Ocorrência nº 2022/458858, na quarta-feira (3), na 1ª Subdivisão Policial de Paranaguá (SDP). Segundo ela, ao chegar na clínica e entrar na sala do médico para realizar um exame de manutenção do dispositivo intrauterino (DIU), seu método contraceptivo, o médico trancou a porta, o que acendeu um alerta.

Ao longo da consulta, Amauri teria pedido para que a jovem se deitasse e retirasse a parte de baixo da roupa para iniciar o exame e, a partir daí, começado a agir “de forma estranha em relação às suas partes íntimas”, conforme consta no B.O. “Em seguida, o médico teria pego um gel lubrificante e dado início ao exame com suas mãos e, na sequência, teria realizado gestos estranhos como de masturbação com uma de suas mãos na vítima”. De acordo com o Boletim de Ocorrência, a situação se repetiu por duas vezes.


Quem é Amauri Bilieri?


O médico ginecologista Amauri Bilieri, de 63 anos, exerce a medicina desde 1981. Natural de Califórnia, uma pequena cidade no interior do Paraná, ele começou a atuar em Paranaguá, como servidor público do Estado, em 1987, quando passou a trabalhar no Instituto Médico Legal (IML). Desde a década de 1990, faz parte do quadro clínico de profissionais de um hospital particular localizado na cidade. Em 2001, se tornou funcionário municipal, atendendo como médico ginecologista do quadro da prefeitura.

Atualmente, ele é aposentado do Estado e, de acordo com o Portal da Transparência da Prefeitura, segue como ginecologista da Secretaria Municipal de Saúde. Além disso, tem uma clínica particular de ginecologia e obstetrícia, na qual atende, também, pela Unimed, e é empresário no ramo de produção e comercialização de água mineral.  

Com uma longa trajetória profissional, Amauri já foi responsável, incontáveis vezes, por cuidar de mulheres durante a gestação e, ainda, trazer à vida filhos amados e esperados, além de prestar apoio às pacientes durante o puerpério. Porém, o profissionalismo e caráter do médico foram postos à prova com a primeira denúncia pública de casos de importunação sexual.

Logo após a publicação da reportagem, na qual o JB Litoral informou sobre a acusação, outras possíveis vítimas procuraram a equipe de jornalismo para contar os seus relatos. A seguir, estão expostos casos de outras mulheres, não identificadas para não prejudicar o andamento das investigações, que decidiram não se calar e expor o que viveram nas mãos do médico. Elas pedem por justiça.


Denúncia há mais de 20 anos


Assim como a jovem de 25 anos que registrou o B.O. contra Amauri Bilieri, alegando que ele teria masturbado suas partes íntimas, na semana passada, outras mulheres contam que viveram exatamente o mesmo com o profissional. A vítima 2 faz questão de revelar sua experiência e pede para que seja identificada como “uma mulher muito conhecida em Paranaguá”.

Ser conhecida me dá um certo respaldo, pois as pessoas sabem que eu não teria o porquê mentir sobre isso e nem fazer uma denúncia caluniosa”, comenta.

Ela conta que o que aconteceu foi há mais de 20 anos e, na época, ela foi à delegacia e abriu uma reclamação na Unimed Paranaguá. “Eu era paciente dele, me tratava muito bem, era atencioso, até que um dia mostrou que ele era, de fato, um monstro. A mesma coisa que ele fez com essa menina, que o denunciou, fez comigo, me ‘acariciando’ nas partes íntimas. Notei que ele estava agitado, mas não imaginava que ele fosse fazer isso. Pulei da maca, gritando, bati nele e ele se escondeu no banheiro. Liguei para o meu namorado, que veio me buscar. Na época, não tínhamos celulares para gravar ou tirar fotos, mas eu fiz um escândalo dentro da clínica. O consultório estava cheio de pessoas que viram tudo. Eu e meu namorado fomos à delegacia e à Unimed para denunciar, mas ficou por isso mesmo”, relembra

Para a vítima 2, Amauri Bilieri não deve continuar exercendo a medicina. “Ele merece ir para a cadeia. Quantas outras vítimas ele já fez e que não tiveram coragem de denunciar? Agora, com essa repercussão pública, espero que todas contem suas histórias, sejam ouvidas e que a Polícia Civil investigue a conduta do médico”, afirma. Ela foi ouvida pela Polícia Civil de Paranaguá nesta terça-feira (10).

Achei que era coisa da minha cabeça”, diz possível vítima


A vítima 3, técnica de enfermagem, também procurou o JB Litoral para denunciar situação semelhante que viveu dentro da clínica particular de Amauri. Ela registrou o Boletim de Ocorrência nº 17254/2022 contra ele na semana passada, após a repercussão do caso atual.

Comigo, aconteceu há mais ou menos um ano. Precisei fazer uma ecografia, a princípio, um ultrassom normal. Ao chegar no consultório, levei uma amiga como acompanhante, mas ele não a deixou entrar, achei estranho, porém concordei pelo fato de trabalharmos no mesmo hospital. Ao entrarmos, ele trancou a porta e disse para eu tirar toda a roupa de baixo. Questionei, dizendo que a eco seria somente na barriga, e ele disse que ‘não’, que seria uma transvaginal. Concordei, até porque ele era o médico. Ao realizar o procedimento, ele não usou luvas e, ao passar o gel, ele passou me estimulando. No momento, eu travei, não conseguia nem respirar. Quando introduziu o aparelho, fez movimentos do tipo penetração. No final do exame, ele passou novamente a mão nas minhas partes íntimas. Eu simplesmente travei, não sabia o que fazer”, relembra.

Como se não bastasse, a vítima 3 conta que, ao final da consulta ela perguntou sobre o valor do exame. Segundo ela, Amauri respondeu dizendo que ela poderia pagar “de outra forma”. “Ele estava com um sorriso ridículo na cara. Respondi que não, que eu trabalhava para pagar as minhas coisas e não precisava me vender para conseguir”, diz.

Ela afirma que, ao sair do consultório, chegou a comentar com uma amiga e outras colegas de trabalho. “Mas eu achei que tinha sido coisa da minha cabeça até ver a publicação do JB Litoral, que revelou a denúncia dessa outra moça. Acredito que existem muitas outras mulheres que tenham passado pelo mesmo”, lamenta.

A técnica de enfermagem revela que, após o ocorrido, não conseguiu mais trabalhar no mesmo hospital em que Amauri trabalha e acabou pedindo demissão. “Espero que, agora que veio tudo à tona, ele pague ou pelo menos perca o direito de exercer a profissão”, comenta.


B.O. em 2018


Mais um caso de suposta importunação sexual veio à tona após a denúncia informada pelo JB Litoral. Desta vez, a vítima 4 decidiu contar ao jornal, uma vez que já realizou denúncia no Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) e prestou queixa, por meio do B.O. nº 1397260/2018, mas afirma que nada foi feito.

Na tarde de 7 de dezembro de 2018, fui a uma consulta com o ginecologista Amauri para tirar algumas dúvidas, pois havia sido diagnosticada com um cisto por outro profissional. Quando fui chamada, entrei no consultório, cumprimentei o Dr. e contei que eu estava com um cisto, e que estava tomando um medicamento que me fazia muito mal. O Dr. Amauri me mandou entrar na sala de exame e eu lhe perguntei se precisaria tirar a roupa; ele respondeu que faria apenas uma ultrassonografia obstétrica, mas que se eu quisesse tirar… Fiquei constrangida naquele momento. Quando entrei na sala do exame, ele me falou para tirar a roupa e pendurar na parede, me deitar e cobrir minhas partes íntimas com uma toalha, disse que iria sair da sala para me deixar à vontade. Menos de um minuto depois ele voltou e abriu a porta rápido, me flagrando nua na parte de baixo, entrou sem pedir desculpas e iniciou a ultrassonografia. No momento do exame, ele tirou a toalha que cobria minha vagina, cobri novamente e ele repetiu isso mais duas vezes. No fim da ultrassonografia, pediu para eu levantar minhas pernas para fazer exame de toque para ver o cisto e o sangramento. Ele introduziu um líquido em gel diretamente na minha vagina e começou a massagear o meu clitóris. Fiquei com muito medo e desconfortável, comecei a tremer e o Dr. Amauri perguntou o que eu tinha, falei que estava constrangida e pedi para ele parar, foi quando ele me respondeu: ‘O que é que tem? Você já tem filhos’. Olhei para as mãos dele e vi que ele estava sem luvas e me olhava muito estranho. No final do exame, ele disse que eu não tinha mais cisto. Quando saí do portão da clínica, comentei rapidamente com a secretária dele o que havia acontecido e falei que nunca mais voltaria naquele lugar”, conta.

Processo no CRM


Ela recorda que saiu atordoada da clínica e seguiu para outra clínica de ortodontia, na qual havia deixado sua filha para uma consulta. “Cheguei tão assustada que até a dentista perguntou o que eu tinha. Comecei a contar o ocorrido e não consegui terminar, pois ali foi o momento em que me senti segura e comecei a chorar. Então, a dentista pegou meu celular e ligou para o meu esposo, que estava no trabalho. Ele saiu imediatamente para ir atrás desse ginecologista, mas o mesmo havia pedido à sua secretária para informar que ele já havia saído. Porém, depois de um tempo, essa secretária me contou que era mentira e que ele estava escondido. Sem sucesso, meu esposo foi me buscar na dentista e me levou à delegacia para prestarmos um B.O. contra o médico, mas a delegacia já havia fechado. Como ocorreu em uma sexta-feira, tivemos que aguardar até segunda para fazermos o Boletim de Ocorrência. Fiz, mas até hoje não deu em nada”, afirma.

A vítima 4 realizou a denúncia no CRM-PR em 13 de dezembro de 2018, que ficou protocolada sob o nº 19786/2018. O CRM instaurou a Sindicância nº 484/2018. Em 15 de julho de 2019, ela foi informada de que o Conselho do órgão havia determinado a instauração do Processo Ético Profissional nº 47/2019, que tramitou em sigilo, e que Amauri Bilieri teria 30 dias para apresentar defesa.

Abri o processo no CRM, mas perdi. O órgão falou que era um caso eventual para derrubar a carreira de um médico e o declarou inocente. No dia do julgamento, teve dois ou três conselheiros que o declararam como culpado. Depois, outros conselheiros o declararam inocente, deixando-o em empate. Uma conselheira foi quem desempatou o julgamento, sim, uma mulher! Isso foi o que me fez perder o chão. Uma mulher o inocentou. Ela falou que era muito pouco para o culpar”, lamenta.

CRM-PR afirma que “nada consta que desabone a conduta profissional” do médico. Porém, em 2018, paciente parnanguara fez denúncia contra Amauri no órgão. Foto: Reprodução

Amauri disse que desconhece o B.O.


Na semana passada (4), o JB Litoral procurou o médico Amauri Bilieri, que afirmou desconhecer o registro do B.O. contra a sua pessoa. Ele ainda tentou impedir o jornal de noticiar o caso, afirmando que não autorizava a veiculação de qualquer notícia sobre tal fato.

Desconheço qualquer Boletim de Ocorrência registrado contra a minha pessoa, razão pela qual impede que eu exerça de forma adequada o direito ao contraditório, o qual se trata de um direito fundamental previsto na Constituição Federal. Assim, só posso me manifestar de acusações da qual eu tenha ciência do seu inteiro teor. Portanto, não autorizo a veiculação de qualquer notícia sobre tal fato, vinculando a minha pessoa ou minha clínica, sob pena de responderem civil e criminalmente pela leviana conduta”, disse.

Três dias depois, no sábado (7), a Rádio Litorânea FM, de Guaratuba, publicou uma reportagem afirmando que havia sido procurada pela defesa do médico, o advogado Luis Gustavo Janiszewski, que enviou uma nota solicitando seu “direito de resposta”. Apesar de o JB Litoral não ter sido procurado pelo advogado, o jornal decidiu reproduzir a informação enviada à rádio de Guaratuba.

De acordo com Luis Gustavo, o médico sempre exerceu seu ofício com dedicação, ética e respeito por suas pacientes. “A acusação que pesa contra o Dr. Amauri Bilieri não é verdadeira e os motivos pelos quais a suposta vítima o ataca ficarão devidamente comprovados em momento oportuno. No mais, a apuração dos fatos pela autoridade competente dará conta de comprovar sua inocência”, diz.


O que diz a Unimed e o CRM


O JB Litoral procurou a Unimed Paraná e o CRM-PR para que as entidades se posicionassem a respeito da denúncia realizada na semana passada, pela jovem que registrou o B.O. por importunação sexual.

Para a Unimed, a equipe de jornalismo questionou se existem reclamações formais realizadas contra o médico no órgão e quantas; há quanto tempo Amauri Bilieri é cooperado na Unimed e quais serão as providências tomadas pela cooperativa no que diz respeito à denúncia.

A assessoria de imprensa da entidade se limitou a enviar uma nota, que será reproduzida na íntegra: “A Unimed Paranaguá enfatiza que repudia qualquer prática antiética ou que vá contra ao bom exercício da medicina. No que diz respeito ao caso divulgado, recentemente, na imprensa, envolvendo o médico parnanguara, a cooperativa informa que está à disposição, junto aos órgãos responsáveis, para que o caso seja apurado e esclarecido o mais rápido possível, devendo, todavia, ser observado os direitos e garantias fundamentais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal”, afirma.

Já o CRM-PR, que recebeu questionamentos semelhantes, afirmou que “no momento, nada consta em nossos registros que desabone sua conduta profissional”. Em nenhum momento, o órgão citou a denúncia da paciente vítima 4, que culminou no Processo Ético Profissional nº 47/2019, pelo qual o médico foi investigado.

O órgão também destacou que, “com relação à notícia veiculada pelo JB Litoral, o Conselho abrirá procedimento de ofício para apurar as denúncias, conforme rege o Código de Processo Ético-Profissional”.

Cabe ressaltar que, por força da legislação vigente, o CRM-PR fica impedido de se manifestar sobre sindicâncias ou processos sob análise, respeitando-se o princípio do contraditório e ampla defesa, com o que qualquer manifestação pública pode incorrer em prejulgamento e violação dos direitos das partes (acusador e acusado)”, diz.


Polícia Civil inicia investigação

O JB Litoral também procurou o delegado de Polícia Civil, Nilson Diniz, para comentar a respeito do caso. De acordo com ele, já existe investigação em andamento para apurar os supostos crimes sexuais cometidos por Amauri Bilieri.
O delegado, que também é vereador e faz parte da Procuradoria Especial da Mulher na Câmara Municipal, afirma que, nesta semana, “começa a ouvir as vítimas”. Até esta terça-feira (10), ele afirma que cinco mulheres já prestaram depoimento na Delegacia de Paranaguá.

Unimed Paranaguá diz que está à disposição para que o caso seja apurado e esclarecido o mais rápido possível. Foto: Unimed Paranaguá