Prefeitura veta projeto em que Câmara de Matinhos pedia que administração pública arcasse com a defesa de servidores processados


Por Flávia Barros Publicado 31/10/2022 às 05h55 Atualizado 17/02/2024 às 20h28

Imagine uma empresa ser obrigada a pagar advogados para defenderem funcionários que estão sendo processados por fazerem algo que seja passível de condenação, não apenas em questões administrativas, como também nas áreas civil e criminal. Era justamente isso que a Câmara de Matinhos estava propondo à Prefeitura, por meio do Projeto de Lei 083/2022, enviado para sanção do prefeito José Carlos do Espírito Santo (Podemos), o Zé da Ecler.

Dispõe sobre a prestação de assistência jurídica integral aos Servidores Públicos Municipais, quando, no exercício da sua função ou em razão dela, sejam implicados em casos que demandem tutela jurídica judicial e administrativa e adota outras providências“, diz a súmula do PL, cujo veto do Executivo foi aprovado por oito votos a dois, na sessão ordinária do último dia 17.

MUNICÍPIO ARCARIA COM TODAS AS CUSTAS


Ainda segundo o PL, em seu 1º artigo, a gestão prestaria assistência judiciária aos servidores públicos municipais que, por conta do exercício de suas funções, fossem processados no âmbito civil, criminal ou administrativo. A assistência incluiria, além dos advogados, o pagamento de eventuais custas processuais, inclusive recursais, independente da concessão do benefício da Justiça gratuita. No 2º artigo do texto vetado, ficava explícito que o servidor eventualmente processado, se condenado ou absolvido, não teria que pagar nada por sua defesa.

O servidor público municipal fica isento de qualquer ressarcimento ao Município a título de custas ou honorários de advogados, independentemente do resultado do processo. Se houver condenação judicial em custas e honorários em favor do servidor público municipal, estas pertencem, respectivamente, ao município e aos seus advogados”, detalha o texto.

O VETO

Analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ), o parecer foi pelo veto. “Veto Total ao Projeto de Lei n° 083/2022, de autoria do Poder Executivo, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação não encontrou nenhum óbice para tramitação do referido projeto e sendo assim, através das atribuições que lhe são conferidas na Lei Orgânica e Regimento Interno, conclui ser favorável ao trâmite da referida proposta [veto], devendo a mesma seguir com sua tramitação normal. Este é o parecer. Matinhos, 13 de outubro de 2022

O veto 005/2022 foi aprovado na sessão do último dia 17, por 8 votos favoráveis; dos vereadores Almir Leite (Pros), Elton Lima (PSC), Gerson da Silva Junior (PL), Jair Pescador (PL), José Fernando de Lima (Pode); e dois contrários, de Nivea Gurski (PSD) e Leandro Bertoli (Pode).

JUSTIFICATIVA


Durante a sessão, antes da votação ao veto, o autor do PL, vereador Rodrigo Gregório (Pode), mostrou-se surpreso ao veto. “No início a ideia era atender os nossos guardas municipais, mas em conversa com a comissão veio a ideia de abrir para todos os funcionários, infelizmente foi vetado pelo Executivo. Às vezes os servidores são acusados, agredidos verbalmente, fisicamente, moralmente e não têm dinheiro para contratar um advogado, claro que não se aplicaria caso os servidores entrassem com processos contra a Prefeitura, mas veio o veto e será apreciado, caso se confirme, espero que em breve venha um PL do Executivo nesse sentido para que possamos aprovar”, disse Gregório.  

INCONSTITUCIONAL


Para entender se o PL tinha fundamento jurídico, o JB Litoral conversou com a advogada especialista em Direito de Família, Processo Civil, Processual Civil e Pós-Graduanda em Gestão e Administração Pública, Lázara Daniele Guidio Biondo Crocetti. 

De acordo com a especialista, não existe amparo jurídico para que uma administração municipal arque com as custas para defender servidores que forem processados.

No meu ponto de vista, o projeto em questão é inconstitucional, além de violar os princípios da administração pública e, no mínimo, os da moralidade e da eficiência. Imagine o erário público pagando pela defesa do profissional ineficiente? Isso é, no meu entender, imoral”, disse.

A advogada também reforçou que, em casos, por exemplo, de um servidor investigado por corrupção, ou crimes a exemplo de abuso sexual e assédio moral, é um contrassenso que o município arque com a assessoria jurídica.

O município já será penalizado por sua responsabilidade objetiva, ou seja, comprovado o fato ilícito, o município já será condenado a uma indenização. É realmente um contrassenso que, além disso, ainda tenha que pagar pela defesa do agente causador”, explicou.

Para a especialista, aprovar o veto foi uma decisão correta dos vereadores de Matinhos.

Isso depende da legislação de cada município, no entanto, o PL em questão coloca o município em prejuízo, por isso é inconstitucional. É pagar pelo dano causado pelo servidor faltoso e arcar com a sua defesa pela conduta danosa. Os parlamentares agiram corretamente. O veto foi bem aplicado e é até difícil comentar com serenidade uma proposta tão descabida”, finalizou Crocetti.