Profissionais da enfermagem de Paranaguá protestam contra suspensão do piso salarial


Por Luiza Rampelotti Publicado 07/09/2022 às 17h52 Atualizado 17/02/2024 às 16h52

Nesta quarta-feira (7), dia da Independência do Brasil, nem todos os brasileiros têm motivos para comemorar. Desde o último domingo (4), a Lei Federal 14.434/2022, que instituiu o novo piso salarial da enfermagem e estava em vigor desde agosto, foi suspensa e os profissionais da categoria estão indignados.

A suspensão foi feita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, em atendimento à uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde). De acordo com a entidade, a lei é “inexequível”, isto é, impossível de ser executada.

Barroso deu prazo de 60 dias para estados, municípios e o governo federal informarem os impactos que a lei traz para a situação financeira do Brasil. A decisão ainda será analisada pelos demais ministros do STF nesta sexta-feira (9).

Ao suspender a aplicação do aumento salarial, o ministro indicou que a lei gera “risco concreto de piora na prestação do serviço de saúde”, em razão dos riscos apontados pelo governo federal, relacionados à demissão em massa e à redução da oferta de leitos, diante da elevação de despesas.

Manifestação em Paranaguá

Em Paranaguá, profissionais da enfermagem, entre técnicos e enfermeiros, se reuniram em um protesto que pedia a aplicação da lei. Vestidos de preto, representando o luto pelo sonho interrompido, e com nariz de palhaço, a categoria se manifestou nesta quarta-feira (7) em frente ao Hospital Regional do Litoral (HRL).

A manifestação foi convocada pelos próprios trabalhadores e apoiada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Paranaguá e Litoral (SINDESP). A enfermeira Cecília Carolina Lopes Ferreira conta que o protesto foi uma forma de externar o sentimento de revolta que os profissionais estão sentindo.

É um sentimento de revolta, impotência, frustração e desrespeito. Nós já havíamos adquirido o direito ao Piso Salarial, já havia virado lei, passado pela Câmara, Senado, pelo presidente da República, e foi suspenso pelo STF”, desabafa.

Ela confessa que os profissionais da enfermagem estão se sentindo em luto e que estão sendo feitos de palhaço. “Nesta semana as pessoas já começariam a receber esse novo piso”, completa.

O presidente do SINDESP, Jaime Ferreira dos Santos, destaca que a suspensão da lei atende a reivindicação dos patrões, deixando de lado os trabalhadores. “Nosso repúdio ao ato monocrático de barrar uma lei que já havia sido sacramentada no Congresso Nacional e pelo presidente”, diz.

Quais seriam os salários?

Ele afirma, ainda, que o piso não se tratava de nenhum “absurdo, regalia ou vantagem, nada que quebre o sistema de saúde”. A legislação fixava o piso dos enfermeiros em R$ 4.750,00; o dos técnicos em R$ 3.325,00 e dos auxiliares de enfermagem e parteiras em R$ 2.375,00.

Sobre a manifestação, ele comenta que o sindicato não deixaria de estar na rua defendendo os interesses dos profissionais de enfermagem. Jaime também informa que vários municípios, como Almirante Tamandaré (PR), já estão adotando o piso para seus profissionais mesmo após a suspensão. “Muitos estão não só adotando como colocando a carga horária de 30h, que é uma reivindicação da categoria. Queremos parabenizar a atitude”, diz.

O presidente comunica que o Litoral do Paraná tem em torno de 3 mil profissionais de enfermagem, entre técnicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem. Segundo ele, na sexta-feira (9) haverá outra mobilização, às 9h, em frente ao HRL. Na mesma data, estão marcados protestos em todo o Brasil reivindicando a aplicação da lei.

Os profissionais sairão do hospital e caminharão pelas ruas do centro de Paranaguá, buscando sensibilizar a população para a questão da categoria. “A enfermagem é a única categoria dos trabalhadores que está desde o nascimento até a morte do paciente. É uma classe que precisa de respeito, de atenção. Muitos têm que trabalhar em dois, três lugares para poder ter uma renda que traga dignidade para sua família”, comenta.

SINDESP também esteve presente no protesto. Foto: Divulgação

Profissionais precisam trabalhar em até 3 empregos

Ele fala sobre a importância do piso salarial para que os profissionais possam ter a tranquilidade de sustentar sua família com apenas um emprego. “Lidamos com seres humanos, com vidas, onde um erro pode causar morte, e temos que trabalhar em até 3 empregos para levar uma renda digna. Isso causa cansaço físico e mental que pode levar ao erro. Com a garantia do piso, o profissional poderá exercer sua função de forma tranquila”, afirma.

A técnica de enfermagem Tatiane Garcia Batista foi uma das participantes da manifestação desta quarta. Ela relembra a luta de, pelo menos, 15 anos da classe profissional para a conquista do piso.

Esperávamos que fosse realmente verdade que iríamos ter um salário digno, porque o que ganhamos é muito pouco pelo que passamos psicologicamente e fisicamente. Na pandemia viramos heróis no mundo todo, e agora somos taxados como palhaços, porque foi uma grande palhaçada o que fizeram”, lamenta.

Ela confessa que os profissionais sonhavam com o piso salarial, já que muitos têm que trabalhar em até três empregos para ter uma renda que garanta um pouco de conforto para suas famílias. “Acho que essa é a profissão mais mal paga e trabalhamos muito. Quando saiu nossa lei, foi a realização de um sonho que todos sonhavam, iríamos poder viver, poderíamos ficar em um emprego só. Mas tem horas que a gente pensa que caminhou tanto para acabar aqui. Nosso apelo é para que a enfermagem continue lutando, porque esperamos que o STF volte atrás”, finaliza.

Como seria pago o novo piso?

Por força da Emenda Constitucional 124, promulgada em meados de julho, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios teriam até o fim do atual exercício financeiro para ajustar as remunerações e os respectivos planos de carreira de seus profissionais. No momento, apenas instituições privadas e filantrópicas e municípios que tivessem disponibilidade orçamentária deveriam aderir ao novo piso.

Já as instituições federais e nacionais só pagariam os salários reajustados após as eleições de 2022, devido às restrições da Lei Eleitoral. Durante o período, não são permitidos reajustes orçamentários, e o fim do pleito acontece no final do ano fiscal, ou seja, os novos valores deveriam começar a valer a partir de 2023.