SOS Litoral: Os reflexos do colapso da BR-277 na atividade portuária e no agronegócio


Por Luiza Rampelotti Publicado 15/03/2023 às 18h26 Atualizado 18/02/2024 às 07h02

Um movimento formado por prefeitos do Litoral, trabalhadores e sindicatos e associações do setor portuário, bem como do transporte cargas e do comércio, surgiu em busca de soluções para a BR-277, principal via de acesso ao Porto de Paranaguá e aos municípios litorâneos. Intitulada SOS Litoral do Paraná, a ação desenvolveu uma carta manifesto com reivindicações, encaminhadas ao Governo Federal, a respeito dos problemas que assolam a rodovia há cinco meses.

Segundo o prefeito de Paranaguá, Marcelo Roque (Podemos), quem encabeçou o movimento, o intuito é encontrar uma solução para a BR-277, a qual ele descreve como “via arterial do Litoral” e que passa por dificuldades desde outubro do ano passado, quando ocorreram desmoronamentos de rochas na pista e deslizamentos de barreiras que, até hoje, seguem prejudicando o trânsito, uma vez que as obras ainda não foram concluídas.

A gente vê aquelas obras que estão acontecendo, mas falta muito na questão de manutenção, e sabemos que uma concessão nova ainda vai demorar muito. Mas os prejuízos são em cadeia: primeiro na saúde, com a grande dificuldade de chegar até a capital para levar os pacientes que fazem tratamentos contínuos; depois com as dificuldades relacionadas ao turismo, pois os turistas não chegam. Além disso, a carga do nosso porto está sendo desviada para outros estados. Então o governo estadual perde, o município perde, pois o ISS do mês está caindo e, com isso, é necessário mudar o planejamento do orçamento da nossa cidade, que depende 70% da área portuária”, disse Roque, durante reunião realizada na segunda-feira (13) para falar sobre o movimento.

SOS Litoral do Paraná: municípios se reúnem e cobram solução para a BR-277

Operadores portuários estão desviando cargas para outros portos

Para além dos prejuízos sociais, na saúde e no turismo, a dificuldade no trânsito na BR-277 tem gerado impactos milionários no setor do transporte de cargas. Conforme a Federação de Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar), nos últimos cinco meses, os prejuízos já estão estimados em R$ 100 milhões – valor gasto a mais com diesel.

Agora, os operadores portuários também começam a sentir os reflexos dos bloqueios da rodovia e das longas filas de espera para chegada de caminhões até o Porto de Paranaguá. De acordo com o presidente do Sindicato dos Operadores Portuários do Estado do Paraná (SINDOP), Edson Aguiar, dos 34 operadores associados (entre empresas multinacionais e nacionais), vários já têm desviado as cargas para portos de outros estados.

Edson Aguiar, presidente do SINDOP, afirma que operadores portuários já estão desviando cargas por portos de outros estados. Foto: Felipe Luiz Alves/JB Litoral

Alguns operadores portuários já estão mandando carga e navios para outros portos. Isso significa que essa carga não movimenta em Paranaguá; é outro trabalhador, de outra cidade, que vai ganhar o dinheiro. E aí há as implicações sociais de tudo isso”, informa.

Ele destaca que a maior preocupação do SINDOP é com relação à celeridade das obras na BR-277. “Precisamos ter uma estrada em condições de manter um fluxo constante e seguro de cargas para o Porto de Paranaguá”, destaca.

Edson avalia que parte da solução do problema está nas mãos da bancada do Paraná na Câmara e Senado Federal, que deve assumir os transtornos causados pela rodovia nas condições atuais e atuar em prol da rapidez do processo de uma nova concessão.

O agronegócio do Paraná também tem apontado prejuízos com as interdições frequentes na BR-277. À Folha de São Paulo, o setor cita problemas como falta de espaço para armazenar a produção de grãos, já que nem sempre é possível liberar os caminhões para a estrada. Por isso, há cooperativas que têm optado por enviar suas cargas para outros portos, como o de São Francisco e o de Santos.

Caminhoneiros também são prejudicados

Não são só os operadores que sentem os impactos negativos da dificuldade de acesso ao Porto de Paranaguá. Os caminhoneiros também têm convivido com as longas filas e horas de espera, além da insegurança sobre as condições de trafegabilidade na rodovia.

O vice-prefeito de Paranaguá, José Carlos Borba (PSD), é, também, diretor-presidente do Grupo Transcap – Transporte e Logística, que atua no ramo de transporte rodoviário e armazenagem de cargas. Com início na área profissional como caminhoneiro, ele conhece a realidade e tem atuado em prol da categoria.

Vice-prefeito Borba, diretor da Transcap, destaca os prejuízos dos caminhoneiros e, consequentemente, das transportadoras de cargas. Foto: Felipe Luiz Alves/JB Litoral

Um caminhoneiro que acordava às 5h da manhã para levar uma carga para Curitiba, por exemplo, agora tem que acordar às 2h para chegar lá às 9h. Isso vale para todos os caminhoneiros do Brasil que vêm e saem de Paranaguá. Isso, com certeza, vai nos causar [às empresas transportadoras e cooperativas que têm grande fluxo de veículos] alguns transtornos com razões trabalhistas mais para frente. Como essas empresas vão prever o tempo de trabalho? E isso tem afetado muito os caminhoneiros, emocionalmente, fisicamente, falo em nome deles. São eles que alimentam esse porto, essa cidade, e levam o alimento para outros municípios”, diz.

Borba também questiona a velocidade das obras na rodovia. De responsabilidade da União, através do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), o órgão já afirmou que não possui recursos para tocar os trabalhos e, por isso, o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR) assinou um convênio para assumir as intervenções em trechos da BR-277.

O que mais me deixa indignado é que se fala que é uma obra emergencial, mas nunca vi uma emergencial parar sábado, domingo, feriado, e trabalhar 8 horas por dia. Será que não é possível alguém olhar essa situação?”, argumenta.

TPAs sentem os reflexos da baixa movimentação

Os trabalhadores portuários avulsos (TPAs) também já sentem os prejuízos do enfraquecimento da movimentação de cargas em Paranaguá. Segundo o presidente da Comissão de Portos da Câmara Municipal, vereador Lindonei Santos (PTC), que é, também, presidente do Sindicato dos Ensacadores (Sindicato dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral), a demanda de trabalho já caiu.

Acredito que o porto já está sendo afetado. Anteriormente, a demanda dos ensacadores era de cerca de 200 trabalhadores por dia, hoje não chega a 50. Então pedimos socorro aos governos estadual e federal, nossa cidade está sendo afetada, os trabalhadores portuários, sindicatos e população. A obra é urgente, mas está sendo feita há cinco meses e até agora não fizeram nada, não vimos nada de emergência”, comenta.

O presidente da Frente Intersindical de Paranaguá – que congrega os sindicatos do setor portuário em uma única coalizão –, Marcos Ventura Alves, reforça que os sindicatos já têm sentido as implicações da baixa procura pelos TPAs. “O movimento na rodovia cai, o porto fica prejudicado, os trabalhadores que dependem do porto também.  Os sindicatos portuários já começaram a sentir; tem sindicato que falou que a receita caiu bastante e mais dois, três meses, começa a ficar pior”, conta.

Os desdobramentos dessa queda da receita sindical representam menor requisição do trabalhador e, consequentemente, menos trabalho. Além disso, também significam menos arrecadação para o município.

Temos que tomar uma atitude o mais rápido possível. Vamos procurar nossa Federação, a FENCCOVIB, em Brasília, para que isso chegue o mais rápido possível no Governo Federal. Queremos uma solução”, reivindica Marcos.

Falta de planejamento

Para o presidente do Sindicato dos Conferentes de Carga e Descarga nos Portos do Estado do Paraná (CONFEPAR), José Eduardo Antunes, a atual situação da BR-277 já era prevista desde o fim da concessão com a Ecovia, em novembro de 2021, e retorno da rodovia ao Governo Federal. “A BR-277 está abandonada desde novembro de 2021, quando a concessão foi encerrada. Apesar de o DNIT ter, de antemão há 25 anos, a notícia de que naquele ano o contrato seria finalizado, não se planejou para assumir a rodovia pelo período necessário até a licitação de uma nova concessão. Isto é, não houve e não há planejamento para a manutenção da BR-277 e, diante deste cenário, a atual situação que enfrentamos na rodovia já era prevista”, diz.

Ele ainda fala sobre as implicações da falta de planejamento para manutenção na rodovia para os conferentes de carga e descarga que atuam no Porto de Paranaguá. “As implicações nefastas dessas obras “emergenciais” que se prolongam no tempo são inúmeras e envolvem desde perdas na exportação até prejuízos na arrecadação municipal, bem como para os trabalhadores portuários. Para citar a categoria dos Conferentes de Carga e Descarga, por exemplo, ocorreu sensível redução na oferta de vagas de trabalho nos últimos meses. O cenário trabalhista que se vislumbra é alarmante, portanto, é vital que autoridades, federações e sindicatos atuem em conjunto para encontrar uma solução rápida e definitiva, retomando o fluxo normal da BR-277 e normalizando a oferta de trabalho para todas as categorias de TPAs”, conclui José Eduardo.

Na foto, Marcos Ventura, da Frente Intersindical; José Antunes, presidente da CONFEPAR, e o diretor administrativo financeiro do sindicato, Accacio Fernandes Netto; e Ednei Domingos Silveira, presidente do Sindicato do Bloco.

Portos do Paraná diz que movimentação segue normal

Apesar das preocupações e constatações feitas pelos sindicatos portuários de que a movimentação no Porto de Paranaguá tem caído e afetado aos TPAs, a empresa pública Portos do Paraná divulgou, nesta quarta-feira (15), um balanço afirmando que a movimentação segue normalmente nestes primeiros meses de 2023.

De acordo com a empresa, as chuvas constantes dos últimos dias e as paralisações do tráfego na BR-277 não afetaram os portos paranaenses. “A movimentação nos portos de Paranaguá e Antonina segue intensa neste começo de ano. Os dados de março ainda não foram consolidados, mas a atual taxa de ocupação dos berços confirma a eficiência das operações portuárias”, diz.

Segundo a Portos do Paraná, nesta quarta, 18 navios estão atracados nos portos de Paranaguá e Antonina e sete outras embarcações já estão programadas para atracarem na sequência. Além disso, outros 56 navios esperam para operar nos portos paranaenses e, até 24 de abril, mais 100 embarcações devem passar pelas duas cidades.

Outro indicador de normalidade seria a movimentação de caminhões. A empresa informa que nos primeiros 14 dias de março, foram recebidos 16.965 veículos de carga, média de 1,2 mil por dia. No mesmo período do ano passado foram 20.666.

Contudo, números da própria empresa pública revelam que as exportações de soja em grão e farelo caíram no primeiro bimestre de 2023, se comparado ao mesmo período do ano passado. Em fevereiro de 2022, 1,1 milhão de toneladas de soja em grãos foi exportada pelo Porto de Paranaguá. Neste ano, foram apenas 453,6 mil toneladas embarcadas no mês. No acumulado do 1º bimestre, foram 1,8 milhão de toneladas no ano passado, contra 898,8 mil toneladas em 2023.

No entanto, a Diretoria de Operações da Portos do Paraná avalia que a queda no volume de exportações da soja tem relação, principalmente, com o atraso na colheita (em decorrência do alto volume de chuvas), e destaca que houve aumento de 6% nas exportações em geral, considerando todos os outros produtos.

Além disso, as fortes chuvas também afetam o Porto de Paranaguá, que registrou mais paralisações neste bimestre do que no mesmo período do ano passado. Em 2022, foram 9,8 dias de paralisação por chuva em janeiro e outros 4,9 dias em fevereiro; neste ano, foram 9,1 dias, em janeiro, e 11,2 dias em fevereiro.

Apesar das informações repassadas pelos sindicatos portuários, Portos do Paraná afirma que a movimentação segue normal neste primeiro bimestre de 2023. Foto: Claudio Neves/Portos do Paraná