Usuários de drogas ocupam colégio que já foi referência regional; vereadores questionam a situação


Por Redação Publicado 30/03/2021 às 22h54 Atualizado 16/02/2024 às 00h39
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A estrutura do Colégio Estadual Estados Unidos da América, que já abrigou até três mil alunos em um mesmo ano, em Paranaguá, virou um ponto de consumo de drogas, cercado de lixo, água parada e outros tipos de sujeira.

Nesses três anos, desde que foi fechado, o prédio não foi aproveitado pelo governo estadual, dando margem para que virasse um símbolo do descaso. O JB Litoral esteve no local para verificar as condições atuais. A situação também foi acompanhada pela Guarda Civil Municipal e pelos vereadores Renan Britto (Podemos), Oséias Bisson (Pode) e Vandecy Dutra (PP).

Recebi a denúncia sobre as condições sanitárias e sociais do local. Chegando lá, verificamos que o mato tomou conta, há possíveis focos de dengue e está servindo como moradia para usuários de drogas. É uma questão de saúde e assistência social”, comenta Vandecy, que preside a Comissão de Educação, Saúde e Meio Ambiente na Câmara Municipal e é ex-secretária de Educação do município. Segundo a vereadora, ao ver em estado de abandono um colégio que já foi referência na cidade, além de pessoas ocupando aquele espaço e em condições precárias de sobrevivência, a sensação é “de impotência”.

Localizado no bairro Industrial, o prédio do colégio foi cedido, após o fechamento, em 2018, para a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná (Sesp). Segundo informações, do Núcleo Regional da Educação de Paranaguá (NRE), havia planos de aproveitar a estrutura, que fica próxima da Companhia Portuária da Polícia Militar. Mas nada foi feito no lugar. A situação de abandono propiciou sua ocupação por usuários de drogas. Questionada pela reportagem, sobre a falta de cuidado e o não aproveitamento do espaço, a Sesp não respondeu aos questionamentos, até o fechamento desta edição.

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Colégio abandonado chegou a ter 3 mil alunos matriculados e foi referência educacional com ensino médio técnico exclusivo.


Respostas oficiais

A Secretaria Estadual de Educação (SEED) informou que – como a região do colégio acabou sendo tomada por armazéns e depósitos, e com cada vez menos residências – o número de matrículas levou à redução no valor do Fundo Rotativo, impossibilitando a manutenção das atividades.

Os estudantes foram remanejados, dentro da abrangência escolar, para os colégios estaduais Bento Munhoz da Rocha, Helena Viana Sundin e para o Instituto Estadual de Educação Dr. Caetano Munhoz da Rocha. Os professores também foram realocados. A secretaria manifestou preocupação com o destino do imóvel e ainda confirmou o repasse do prédio à Sesp, por meio do Termo de Vinculação e Responsabilidade 351/2019.

Questionada pelo JB Litoral sobre as condições sociais e sanitárias no colégio fechado, a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) informou desconhecer que o prédio está ocupado por usuários de drogas. E destacou que “o serviço de abordagem da secretaria só atua em lugares fechados quando recebe denúncias”. Após o contato da reportagem, representantes da Semas foram até o colégio para fazer uma abordagem, mas, em função do portão fechado, não houve possibilidade de acesso. A equipe relatou que, olhando de fora, não notaram a presença de pessoas dentro do prédio. A secretaria ainda afirmou que a questão sanitária envolvendo depredação, acúmulo de água, lixo e drogas é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Saúde e Vigilância de Paranaguá (SEMSAP). A Secretaria de Saúde não respondeu os contatos.

Histórico

O Colégio Estadual Estados Unidos da América já foi uma das mais completas estruturas estudantis de Paranaguá. A instituição chegou a ter 20 salas de aula, biblioteca, laboratórios de informática e de ciências, inclusive com salas individuais para direção, vice-direção, pedagogia, grêmio estudantil, almoxarifado e de ensino especial. Além disso, contava com quadra coberta, pátio de recreação e horta. Foi o primeiro colégio a contar com auditório em Paranaguá. Chegou a ter 3 mil estudantes matriculados.

Mas, com o decorrer do tempo, o cenário foi mudando radicalmente. A vizinhança deixou de ser majoritariamente de casas e passou a ser ocupada por empresas. Com menos moradores no entorno, o número de alunos caiu. Segundo a Secretaria de Estado da Educação e do Esporte do Paraná (SEED), a situação levou à decisão de fechar o colégio, que estava então com 22 matriculados.

O ex-diretor, Edson Gatto, relembra os tempos áureos do colégio e lamenta o desfecho do Estados Unidos da América.

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Quando assumi a direção, em 1998, tínhamos 12 turmas de ensino primário (1ª a 4ª séries) com uma média de 30 alunos em cada sala, mais 16 turmas de ensino fundamental (5ª a 8ª séries), com média de 35 alunos em cada sala, e ainda havia o ensino médio de Auxiliar em Contabilidade, com 12 turmas com 40 e 45 alunos em média, e 4 turmas de Técnico em Contabilidade, com mais ou menos 45 alunos”, ressalta o professor licenciado em Letras Anglo-Portuguesas e que começou a trabalhar no colégio em 1989. Segundo o ex-diretor, os cursos profissionalizantes atraíam alunos das praias, de Morretes, de Antonina e até de Curitiba. Outro marco nas lembranças da comunidade foi o auditório, palco de eventos, como formaturas e apresentações.

Decadência

Com a expansão empresarial, o próprio corpo escolar foi percebendo que o espaço não oferecia mais condições apropriadas. O trânsito passou a ser mais intenso, os estudantes vinham de mais longe e havia registros de falta de segurança. Ao final de 2017, mesmo com o cenário de desconforto e a queda brusca no número de alunos, a expectativa da direção era de que o colégio abrisse as portas para o ano letivo seguinte, mas em janeiro de 2018, o governo estadual, recém-empossado, encerrou sumariamente as atividades no local, como conta Gatto, que na época não ocupava mais a direção.

Ao visitar o local, o ex-diretor expõe o que sente: decepção. “A gente fez muito pela escola, não somente eu, mas minha equipe, os professores, alunos e toda a comunidade. Tivemos tanto trabalho para manter aquela estrutura em pé com condições de atender a todos e agora ver a escola praticamente se desmanchando aos poucos, pela ação dos invasores e pela ação do tempo, me faz sentir uma mistura de saudade e tristeza”, confessa.

Mesmo admitindo que não havia condição de continuar com o planejamento educacional no local, a vereadora Vandecy defende dar um “destino louvável” ao prédio, em referência à importância que a instituição teve para Paranaguá. “Estaremos, de imediato, formulando um requerimento para os órgãos competentes do Estado para providências no local, e também solicitando apoio às Secretarias Municipais de Assistência Social para o acompanhamento dos moradores que lá estão, e à Secretaria de Meio Ambiente e da Saúde, para limpeza e combate à dengue”.